Carlos Pinheiro

Cesto com Umbu, fruta típica do Nordeste.

Cesto com Umbu, fruta típica do Nordeste.

O carro quebrou bem embaixo do viaduto, na entrada de Caruaru quando se vem do lado de Recife. Sentou-se numa pedra à margem das lembranças quando foi alvejado por caroço de umbu jogado do alto. Tapou o Sol com mão de adeus enxergando dois moleques sentados no parapeito da ponte seca. Pareciam crianças conhecidas com caras velhas em corpos juvenis. Bebido não tinha, ainda. Talvez, rescaldo do uísque na noite passada o fizesse ter visões. Outro caroço de umbu o atingiu na testa, sonorizado pelo riso das criaturas esquisitas, felizes com a brincadeira e seguras na balaustrada. Balançavam as pernas enquanto veículos passavam sem amedrontá-las. Apertou olhos encandeados e coração disparado ao identificar os maloqueiros travessos que soltavam papagaios coloridos que, de tão grandes, chegavam a fazer sombra em todo o viaduto. Na envergadura do pássaro de papel, provavelmente construído por Maria Aleijada ou por Delo Araújo, podia-se ler “Caruaru azul palavra” escrita em letras garrafais com pisca-pisca luminoso e, misteriosamente, sustentado por linha finíssima que à lógica física parecia negar à sustentação, pois ventava bastante. Era o amigo Souza Pepeu* o jogador de caroços de umbu quem sorria parecendo dizer: “O Paraíso é aqui”, e cantarola com o poeta Carlos Fernando** travestido de índio Xucuru cabeçando cocar em penas coloridas de galinha caipira. Precisava parar de beber, pois visões de espectros acompanhavam o viajante.

Passado o susto aceitou a visão como real, indagando-se. Se Souza Pepeu e Carlos Fernando morreram e já reencarnaram em corpos de crianças é porque se valeram de pistolão, furaram a fila e estão de volta a Caruaru, de onde nunca sairão pelos escritos jornalísticos e musicais de qualidade que nos legaram. De repente o viaduto foi tomado pelo Bloco Carnavalesco Tupinambá comandado por Wellington Branco seguido do Bloco dos Professores guiado por Valter Guimarães. E chegaram Pedro Sucata, Hélio Mota e Lambreta com as Cabrochas da Sé que, na sombra da gigantesca pipa preparavam o carnaval de frevo com mistura no forró. Abdias Lé, sobraçando livro, sorria em companhia de João Belmiro, Vavá Nunes, João de Lila e Gilvan Silva.

O motorista do socorro mecânico o despertou da sonolência visionária. Abriu os olhos e no viaduto não viu ninguém. Fez o retorno a Caruaru, postou-se no viaduto à espera do Grupo País de Caruaru*** que faz encontro neste sábado no restaurante A Fazendinha.

E no bolso da camisa encontrou umbu madurinho, cabeludo, que chupou e guardou o caroço como amuleto.

Vê se pode?

***

*Souza Pepeu – importante jornalista caruaruense falecido em 2010. **Carlos Fernando – compositor caruaruense e renovador do Frevo com Asas da América, falecido em 2013.

*** Grupo País de Caruaru – Grupo do Facebook composto de caruaruenses exilados, pela força do destino, da sua terra natal.