As comemorações do centenário de nascimento de Pelópidas Silveira devem servir como um momento pedagógico para passar às novas gerações a postura de um ícone do século XX em Pernambuco, que soube combinar uma postura ética e moderna como uma militância solidária aos companheiros de ideologia e um desapego exemplar aos encantos do poder.
A redemocratização do País, em 1946, revelou para Pernambuco um administrador que firma uma postura ética diferenciada no trato da coisa pública, além de marcar um novo paradigma nos padrões de administração das grandes cidades no Brasil. Nomeado prefeito da cidade do Recife para cumprir um mandato de transição, em pouco tempo Pelópidas da Silveira abre caminho para importantes mudanças na forma de gerir a cidade, inclusive sinalizando o futuro desenho das prerrogativas e do modelo moderno de gestão dos municípios no País. Em um curto período de seu primeiro mandato, o engenheiro Pelópidas Silveira ganha enorme prestígio como administrador, o que o coloca como o principal expoente eleitoral da capital pernambucana com condições de mudar o eixo das relações de força da política local, tornando-se referência inconteste da esquerda no Estado por muito tempo.
Em 1955 a cidade do Recife adquire autonomia político-administrativa, passando a ter o direito de eleger pelo voto popular o seu prefeito. A perspectiva imediata de conquistar parcela significativa do poder político no Estado, e assim obter uma tribuna para divulgar suas teses nacionais, impulsiona a organização de um frente de centro/esquerda com todas as condições de apresentar uma alternativa real de poder na cidade do Recife.
Conhecida e popularizada como Frente do Recife, a nova aliança política (que tem como núcleo o PC, o PS e o PTB) encontra em Pelópidas da Silveira o líder natural para disputar a primeira batalha eleitoral realmente viável em uma grande cidade brasileira. Contando ainda com o apoio discreto de parte das lideranças da UDN, Pelópidas é eleito prefeito do Recife com o dobro da soma de votos dos três concorrentes. A expressiva votação obtida pelo candidato da Frente do Recife revela tanto a identificação de Pelópidas com a cidade quanto confirma o peso político das forças nucleadas em torno da aliança nacionalista de esquerda, deixando os partidos conservadores praticamente sem condições de concorrerem na capital.
Mais do que uma aliança eleitoral circunstancial, a Frente do Recife torna-se um importante movimento político, com forte conotação simbólica na conjuntura vivida naquele momento pelo País. Pelópidas mantém o arcabouço geral do programa de esquerda, mas impõe sua marca e assume, em sua plataforma, a simbiose entre o moderno e o popular, com propostas que ultrapassam as características da conjuntura, como propostas de atração de capitais, obras estratégicas de infraestrutura e outras questões de modernização da gestão que são descritas por Virgínia Pontual em um alentado trabalho acadêmico.
Na prefeitura, Pelópidas trata de combinar a defesa das teses nacionalistas e democráticas, previstas no programa da esquerda, com uma gestão administrativa moderna voltada tanto para o planejamento urbano quanto para a participação popular, com o reconhecimento da periferia da cidade como área prioritária da intervenção municipal. Conforme destaca Virgínia Pontual, “diversas atividades efetivadas por Pelópidas da Silveira concretizaram os compromissos propugnados em seu programa de governo, priorizando os lugares ocupados pelos pobres, embora tenha atuado também no centro da cidade”. Dentre essas ações governamentais, destacam-se as diretamente urbanísticas, como o código tributário, o plano de expansão viário, a regulamentação, as obras públicas de habitação popular, o transporte coletivo de passageiros, as ações promotoras da interação governante/governados (as audiências públicas) e as comissões técnicas para estudos e planejamento do Recife.
A regulação do mercado urbano, o conceito de planejamento como instrumento de gestão, e a participação da sociedade, representam as principais inovações trazidas por Pelópidas para o que seria o paradigma da moderna administração municipal no Brasil. Nessa perspectiva moderna, cerca-se de uma equipe técnica para trabalhar o futuro da cidade e apóia-se na participação popular, instituindo para isto audiências públicas nos bairros e despachos coletivos. Pode-se afirmar que na administração de Pelópidas, em 1955, já se apresentam todos os componentes básicos dos modernos instrumentos das gestões descentralizadas e participativas, que emergem no Recife e no Brasil a partir da volta das eleições diretas em 1985, na transição democrática pós 64.
Já sob um clima de grande polarização, Pelópidas volta à Prefeitura como sucessor de Miguel Arraes, que fora eleito governador. Assim, vence a que viria a ser a última eleição direta antes do golpe militar de 1964. Com poucos meses de seu terceiro período à frente do poder municipal, os militares impõem a cassação daquele que permaneceria uma legenda no imaginário da cidade.
No período de resistência à ditadura, Pelópidas assume o papel de conselheiro das lideranças emergentes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Ele compreende com muita clareza as mudanças na conjuntura e em nenhum momento procura disputar espaço com esses novos líderes. Ao contrário, busca fortalecer a idéia de uma nova Frente Popular e Democrática com base no respaldo que vinha, particularmente, das transformações políticas e ideológicas nas classes médias urbanas.
Sociólogo, Autor de Livro A Frente do Recife e o Governo Arraes
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