João Rego

Scuola di Atene – Rafael – 1509–1511 (Recorte).

Na semana passada, publiquei no Facebook um resumo de artigo de Miriam Leitão, chamando o PMDB à responsabilidade com relação às reformas. Como de costume, as agressões mútuas dos prós e contras ao impeachment começaram a pulular na minha time line. Preocupado com o rumo da conversa, fiz a intervenção que inicia essa série, “Diálogos”, a qual, com a entrada de Moacir dos Anjos, economista e crítico de artes visuais, a discussão evoluiu para um diálogo. Diferente da discussão, que finda com um vencedor e um derrotado – este, já preparando a revanche –, o diálogo, que vem da expressão grega ‘dia logos’, tem um  sentido de “fluir através de’,  ou algo mais concreto, como um fluxo de conhecimento. Durante um diálogo, o conhecimento literalmente flui entre os participantes. Conhecimento que não pode ser diretamente atribuído a uma pessoa em particular. Conhecimento que se desenvolve apenas gradualmente. Conhecimento que, ao final do diálogo, abre as vias para a produção de novos conhecimentos. Novos conhecimentos que não poderiam ter sido produzidos por um membro do grupo.

O interessante dessa globalização informacional, que mexe com tempo e espaço, foi que eu estava passeando pelas ruas de Porto de Galinhas, à noite, enquanto Elba olhava as vitrines, e Moacir dos Anjos estava na Grécia, onde foi participar de um importante evento de artes visuais.

João Rego

— Senhores e senhoras. Observem que o texto de Miriam chama a responsabilidade do PMDB para o momento da reforma, apenas isto. Façam uma análise isenta de paixões e verão como é fácil sermos capturados pelas cicatrizes, lá é cá, do Impeachment. Isso já ficou para trás, entendam todos que o foco é chegar com o Brasil minimamente inteiro em 2018. Para isso temos que olhar para o futuro, tendo aprendido com o recente passado, lá é cá, deixando as agressões de lado e conscientes de que nossa elite política não se transmutou em um parlamento nórdico, continua a mesma horda de rapinas da estrutura pública.

A Lava Jato, sem ter nenhuma consciência de que está fazendo história, começa uma depuração jamais vista, desde que os portugueses invadiram essas terras. Portanto, nosso desafio é unir setores da sociedade civil contra a parte podre da elite política, torcendo para que a depuração dê tempo para surgir o político, o empresário e o eleitor pós Lava Jato. Nosso desafio está nesse futuro de uma democracia sólida, onde, mesmo em redes sociais, o debate deve ser civilizado, esclarecedor…..muito, mas muito distante de agressões rancorosas.
Um abraço

Moacir Dos Anjos

— Só para entender: o núcleo central do governo Temer, incluindo o próprio, não estaria incluído na “parte podre da elite política” brasileira? Ao que parece, é parte da parte podre que está conduzindo a reforma. Para a qual – e esse é simplesmente o meu ponto – não existe um único caminho, ao contrário do que martelam dia após dia governo e mídia que de fato conta na construção de consenso (globo, globo news, cbn etc). Como se os conflitos distributivos se resolvessem por decreto.

João Rego 

— A parte podre da elite no poder é como uma forma mítica tentacular, está enraizada em todos os partidos, transfigurando-se em acordos e transações inimagináveis para nós simples cidadãos. Aí que reside o desafio de intelectuais e formadores de opinião: abstrair-se das paixões que nos cegam e lutar para que o novo ético se imponha diante da corrupção e do patrimonialismo. Não estou defendendo Temer, que por sinal, do ponto de vista constitucional é um legítimo legado do PT, estou alertando para lançarmos um olhar para além das paixões pois, como sociedade civil, mesmo ganhando em maioria somos alvos frágeis da classe política. Como disse o poeta viver é muito perigoso….democracia é um processo extremamente trabalhoso e, muitas vezes, frustrante. Quanto menos razão colocarmos em nosso debate mais frágeis nos tornamos para o gáudio de elite política que goza com nossas fragilidades

Moacir Dos Anjos

— Temer é um legado do PMDB mesmo, da sua capacidade de ser desde sempre governista. Estava na alcova do poder desde muito antes de lula e se duvidar continuará quando um outro partido assumir o poder após seu meio turno passar. Mas no essencial, João, o que discordo é que são justamente as paixões – as “boas” e as “más” – que nos movem. A racionalidade não pode se desprender dela como se em algum momento mítico já houvesse existido de outra maneira. São pontos de partida distintos, dos quais derivam expectativas também diferentes do que pode ou não pode vir por aí.

Moacir Dos Anjos 

— João: “unir setores da sociedade civil contra a parte podre da elite política” pra mim significa criar um bloco de forças políticas (partidos, associações, pressão popular etc.) q faça com q quem deve pague (e como tem gente graúda q nunca pagou a previdência…) e que quem tem mais contribua com mais. Fora disso, é jogar somente o jogo já jogado. Ou seja, afirmar ou mesmo ampliar as desigualdades do país.

Moacir Dos Anjos 

— Não vejo a menor chance de algo pelo menos próximo disso acontecer neste governo. Muito pelo contrário

João Rego 

— Mas não e na esfera de poder que me refiro, é na sociedade civil o reduto de todas as nossas esperanças em uma democracia estruturalmente consolidada.

Moacir Dos Anjos 

— A conversa tá boa mas vou dormir. Estou a 6h de diferença de fusos a mais e, portanto, já caindo de sono pelas tabelas. Abraço

João Rego 

— As paixões nos enchem de certezas, é uma evitação da inescapável angústia do existir.

Moacir Dos Anjos 

— Há as paixões da dúvida, mesmo as incertas como dizia Espinosa. O importante é que somos atravessados o tempo todo por elas, afetando-nos dos modos mais vários e levando a formas de subjetivação para as quais não há cálculo certo. Não há desejo de razão que apazigue esse fuzuê epistemológico que bota o corpo e a mente pra dançarem. Mas isso é outro papo.

João Rego 

— Já estas na Grécia? Faça bom proveito da viagem

Moacir Dos Anjos 

— Sim, terça já volto. Vou dar uma de peripatético e pensar andando amanhã.

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