É possível que muitos brasileiros não saibam quem foi o vice-presidente da República no governo de Fernando Henrique Cardoso. Marco Maciel brilhou pela discrição e fidelidade política ao presidente, como deve ser a postura cuja função se limita à substituição eventual e circunstancial do titular do cargo. Mas este foi, com certeza, o único caso de um vice-presidente brasileiro que permaneceu quieto nos bastidores ao longo da jovem democracia fundada em 1985. O destino dos vices no Brasil começou exatamente neste ano fatídico da posse do primeiro presidente civil depois da ditadura interrompida pela tragédia da doença e morte de Tancredo Neves. Como todos sabem, na véspera de assumir o cargo, o presidente eleito (ainda em eleição indireta) foi para o hospital deixando o caminho aberto para a ascensão do vice-presidente José Sarney ao poder, num momento delicado da transição para a democracia. O governo Sarney foi marcado por grandes controvérsias e denúncias mas, naquelas condições e com a falta de legitimidade de vice de um estadista, ele moveu-se com habilidade e ajudou efetivamente a consolidar a democracia brasileira e construir instituições com a Constituinte de 1988.
Em 1990 começou outro governo civil, com o presidente eleito Fernando Collor de Mello A fortuna reservava, porém, outra surpresa para o vice-presidente da República. Quando o mandato do presidente foi posto em questão, com denúncias de corrupção e no meio de um grande desgaste popular (em alguns pontos, até por méritos), o vice-presidente Itamar Franco se engajou no movimento que levou ao impeachment de Fernando Collor Mello, em 1992. Mesmo sendo o principal beneficiário político do afastamento do presidente em exercício, Itamar Franco abandonou a discrição do cargo e ajudou ao destino que oferecia a oportunidade da sua vida. Embora Itamar fosse pouco conhecido e uma grande incógnita política, a esmagadora maioria da população brasileira e quase todas as forças políticas embarcaram na deposição de Collor que levou à posse de Itamar.
O Brasil teve sorte. Como presidente, o imprevisível Itamar Franco surpreendeu. Conseguiu montar um governo com amplo apoio político, recompôs a governabilidade e ainda deu início à implantação do Plano Real que mudou o Brasil. Ao contrário de Collor com a arrogância centralizadora e o desprezo pelas negociações políticas (para não falar na corrupção), Itamar construiu legitimidade política, conseguiu governar e implantou o Plano Real, a mais importante realização governamental das últimas décadas, acabando com o desmantelo da inflação e criando as condições para a recuperação da economia brasileira.
No governo Luis Inácio Lula da Silva, o vice José de Alencar foi leal ao presidente, principalmente na crise do “mensalão”. Ao contrário do discreto Marco Maciel, contudo, José de Alencar foi um crítico permanente e incômodo da política macroeconômica do seu próprio governo, especialmente da política monetária com altas taxas de juros para conter tendências inflacionárias. Apesar do desgaste político das acusações de corrupção e suborno do chamado “mensalão”, Lula conclui o seu mandato e elegeu sua sucessora. José de Alencar não foi discreto, como exigia o cargo, mas manteve sua lealdade ao presidente.
Agora, diante de uma nova crise de governabilidade que alimenta um movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, o vice Michel Temer é muito discreto em público e reafirma sua colaboração e defesa do governo. O que não impede, contudo, as especulações sobre seus movimentos de bastidores, segundo as quais, o vice-presidente se prepara para assumir o governo. E, ao contrário de Itamar, que nunca teve a confiança de Collor, Temer foi alçado pela própria Presidente à posição privilegiada de negociador político do governo, função que parece desempenhar com desenvoltura e competência, embora com limitado sucesso. Nesta função, é difícil distinguir a fronteira entre as negociações políticas do vice-presidente e negociador do governo para construção da governabilidade de Dilma, e as articulações preparatórias para assumir a Presidência no caso de um eventual impedimento da presidente.
Entre os boatos de que Dilma estaria escrevendo uma carta de demissão e o discurso de Temer com um chamamento a uma liderança que negocie uma união nacional, parece que o Brasil pode vir a ser governado outra vez por um vice-presidente. Temer é mais conhecido e previsível do que era Itamar. No que pode favorecer ou dificultar seus movimentos. Mas terá dificuldades para ganhar confiança da sociedade e dos partidos políticos, a começar pelo PT, que não perdoaria a perda do governo.
Corretíssima a análise! E acrescento: Temer está agindo muito bem!
Sérgio,
Lendo teu ótimo artigo de contextualização, me veio à mente uma observação do velho ACM. Cruel na distribuição de apelidos – cacoete próprio de quem era acoimado ora de Toninho Malvadeza ora de Toninho Ternura -, ele dizia que Michel Temer encarnava a figura do Mordomo de Filme de Terror.
O filme, convenhamos, está bastante coerente com o enredo. No “The New York Times” de hoje, em primeira página, o jornalista Simon Romero elabora a missa de requiém de Rousseff. O ato final, contudo, serão outros quinhentos.
Abraço,
Fernando
Sergio, logo após a declaração da Temer propondo maior competência para negociar um governo de União, parece que foi montado um grande acordo- envolvendo o empresariado das mais diversas áreas, para dá um tempo maior ao governo Dilma. O Movimento começa com o editorial do dia 11 da Globo- p passa pela nota pública da Firjan /Fiesp e culmina com a proposta, com cara de estruturadora,de Renan. Não se sabe se o remédio salva o paciente. O certo é que o Governo Dilma está dependendo de Renan Sarney, Romero Jucá e mais uma pequena caterva do Senado e, do outro lado, o PT Prostrado ao não ser com os arroubos de irresponsabilidade e despreparo de tipos como o Presidente da CUT que deixou a presidente ainda masi constrangida Bom, O que se espera é que o acordão possa aliviar a crise de governabilidade, mas, não consiga interferir na independência do Judiciário com implicações na operação Lava a jato.
Bem, a saga dos vices vai além do período pós ditadura. Ver Jango e Floriano Peixoto .