Recorte da “A Jangada da Medusa –Théodore Géricault, 1818–1819?

Recorte da “A Jangada da Medusa –Théodore Géricault, 1818–1819?

Editorial

Numa das suas inspirações literárias, José Saramago escreveu o romance Jangada de Pedra (1986), no qual a Península Ibérica se desgarra da Europa e flutua à deriva no Oceano Atlântico. Naquela grande jangada que vagueia perdida no mar, os personagens vivem cenas surrealistas como a própria metáfora de um improvável acidente geológico que muda a vida e a paisagem numa parte do continente europeu. A metáfora parece útil para diagnosticar o Brasil de hoje. Estamos à deriva num mar revolto e incerto enquanto os políticos eleitos para diferentes cargos e funções, obtusos e alienados, se banqueteiam e não percebem os riscos de um iminente desastre. Discursos e declarações desencontradas, propostas descabidas e inapropriadas, decisões irresponsáveis que empurram a jangada para as áreas mais inquietas do oceano, todos parecem conspirar contra o Brasil, cada um querendo se apropriar do melhor pedaço da ilha que navega sem rumo. Os brasileiros estão perplexos, indignados, com medo. Mas cada grupo de interesse e segmento social se agarra às migalhas que sobram do banquete e rejeitam qualquer mudança que exija sacrifícios, principalmente aqueles que vêm acumulando privilégios nas benesses de um Estado generoso mas à beira da falência. Ajuste, sacrifícios, cortes só para os outros. Mas, os outros, os outros somos nós. Estamos todos na jangada perdida. E a tripulação está mais perdida que os passageiros.