Elimar Pinheiro do Nascimento
Sociólogo e professor associado do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

 

Um jovem estudante universitário procura-me porque gosta de política, mas está confuso. Ser de esquerda ou de direita? O que cada uma destas palavras significa? pergunta-me.

Lembro-lhe da definição de Norbert Bobbio, nos anos 1970: a esquerda defende a igualdade e a direita a liberdade. Em plena guerra fria os americanos defendiam a democracia, a liberdade de expressão, de organização, de manifestação. Os soviéticos defendiam a igualdade, o acesso universal à escola e aos serviços públicos, com renda pouco diferenciada entre as pessoas. Nem havia plena liberdade nos Estados Unidos, nem plena igualdade na União Soviética. Mas isso pouco importava, o relevante eram os estereótipos mais ou menos aceitáveis porque a igualdade era maior nos países socialistas e a liberdade resplandecia mais nos países capitalistas.

Disse-lhe, porém, de que apesar deste esforço de Bobbio, no Brasil as coisas foram e são diferentes. Quase nenhum político se declara de direita porque esta posição sofre um estigma. Direita é quem é conservador, reacionário, racista, contra as mudanças, contra os pobres, contra os direitos dos trabalhadores, contra direitos iguais às mulheres e aos índios. Direita não suporta a diversidade, todos devem pensar da mesma forma. Enfim, ser de direita é ser nazista ou fascista. Não tem escapatória. Esta é uma imagem criada ao longo dos tempos e reforçada ultimamente. Claro que esquerda é todo o contrário. É alguém que defende os pobres, os direitos dos trabalhadores, das mulheres, e defende a igualdade e a democracia etc. Enfim, um progressista, senão um revolucionário. De forma simples e clara: direita é alguém do mal e esquerda, do bem. Imagens simbólicas, que pouco tem a ver com a realidade do dia a dia das pessoas.

Mas, o meu jovem estudante não está assim tão convencido. Porque acha que os políticos denominados de direita, pela esquerda, não correspondem a este estereótipo, nem os autodenominados de esquerda têm correspondência com a imagem vulgarizada. E para isso ele estudou a história, mundial e nacional, para levantar argumentos. Acha que existem mais do que duas posições. Não apenas porque o leque esquerda-direita é mais amplo, com pessoas de centro direita ou centro esquerda, com ultradireita e ultraesquerda. Mas também porque em política há outras posições fora deste leque simplista: social democratas, liberais, conservadores, reformistas, populistas etc. Reduzir as diversas posições políticas a um binômio simples parece-lhe um empobrecimento da compreensão do mundo da política.

Para o meu jovem estudante ser de esquerda, algo que lhe atrai, tem muitos senões, do ponto de vista histórico, que ele faz questão de me relatar.

O grande sonho da esquerda em geral, seja socialista ou comunista, marxista ou não, que se expressou nos países socialistas revelou-se falso. Se no início do século, com a revolução de 1917, parecia o caminho da emancipação da Humanidade, revelou-se no final daquele mesmo século como um pesadelo, o dos campos de concentração stalinistas ou da revolução cultural maoísta, todos com uma mortandade extraordinária. Nestes regimes as pessoas eram submetidas aos maiores constrangimentos, vexames, prisões e torturas, quando se colocavam como críticos, quando resistiam às ordens irracionais do partido ou das autoridades locais. Mais recentemente o líder do Partido Comunista Camboja (Khmer Vermelho), Pol Pot comandou uma guerrilha que levou ao morticínio de mais de 2 milhões de pessoas. E meu amigo estudante não se conforma em ser sucessor destas atrocidades. Não quer com elas ser identificado.

Chamo-lhe atenção que tudo isso é passado e que no Brasil as coisas são diferentes, porque nunca tivemos regimes desta natureza, e muitos da esquerda, em particular os trotskistas e os católicos de esquerda, não compartilharam desta visão.

Mas, meu jovem estudante conhece das coisas. E me diz: Vejamos de forma breve a história da esquerda no Brasil. A trajetória mais recente.

Na época do governo Goulart a esquerda compreendeu erroneamente a situação. Pressionou o governo a radicalizar suas posições, confiando em um denominado esquema militar, baseado em generais pouco confiáveis, e o resultado foi um golpe militar vitorioso e apoiado por larga camada da população. A esquerda não entendeu o momento que vivia, o que o levou a derrota.

A maior parte da esquerda, de forma generosa e corajosa, resolveu pegar em armas contra os militares no poder. Uma postura claramente errada, que levou milhares de pessoas à morte, à tortura, ao exílio. Não havia qualquer condição de vencer os militares pelas armas. O mais grave não é, porém, este erro. O mais grave é que aqueles que lutavam com armas nas mãos queriam substituir uma ditadura por outra. Não apenas desconheciam, mas desprezavam a democracia.

Com a derrota da Ditadura, resultado das pressões políticas do MDB, das comunidades de base da Igreja Católica, dos artistas e intelectuais, mas também dos empresários e trabalhadores, a esquerda se reorganizou. Agora sob a hegemonia do PT, um partido novo, dirigido por um operário, o que encantava a maior parte da esquerda, sempre identificada com as classes médias urbanas no Brasil, mas encantadas com o mito da classe operária.

Segundo meu estudante a história do PT é uma história de erros políticos. Na ocasião das eleições indiretas, em 1985, em que Tancredo e Maluf eram os candidatos, três dos deputados do PT votaram em Tancredo e, por esta razão, foram expulsos erroneamente do partido. Poucos anos depois, por ocasião da votação da Constituição, em 1988, o PT de novo se colocou erroneamente contra e não assinou a carta magna, a mesma que hoje é citada para defender os interesses do partido. Quando Itamar Franco assumiu a presidência, depois do impeachment que Collor sofreu, liderado pelo PT, este não aderiu, erroneamente, ao novo governo. Erundina, convidada para o novo ministério, teve que sair do partido. Erro reconhecido recentemente por Lula.

E tem mais. Em 1994, por ocasião das eleições presidenciais, o PT se colocou erroneamente contra o Plano Real, que além de permitir superar a situação de hiperinflação que o Brasil vivia a mais de uma década, permitiu uma forte redução da pobreza. Resultado: Lula que era o favorito, perdeu as eleições presidenciais. Em 2000, quando foi votada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que permitiu o país consolidar a estabilidade econômica e, sobretudo, o equilíbrio fiscal nas contas públicas, o PT de novo, erroneamente, votou contra.

Finalmente, e o mais grave, ao assumir o poder em 2002 o PT, que havia surgido como o Partido da ética e da mudança, não apenas abandonou a ética, ingressando com afinco na corrupção, como abandonou todas as suas bandeiras de mudanças, aliando-se e fortalecendo as oligarquias locais como a de Jader, Sarney, Maluf e Renan, entre outras, e adotou uma posição clássica na política brasileira, uma posição populista.

Como ser de esquerda com todos estes erros? Entre meus amigos, diz ele, ser de esquerda é ser corrupto, usar o Estado para seus interesses. Quais são, afinal, as bandeiras da esquerda? Será que vale a pena ser de esquerda, ou isso já morreu? Não seria este um raciocínio envelhecido, que não mais representa a política brasileira?

Confesso que não tenho uma resposta clara, mas reconheço que o raciocínio de meu jovem estudante tem consistência. De toda forma mazelas persistem que precisam ser enfrentadas e resolvidas como a desigualdade, a pobreza, a discriminação contra segmentos sociais, a corrupção, os serviços públicos ineficientes e a corrupção, entre outros. Problemas antigos aos quais se somam os mais novos como a destruição da natureza, o consumismo selvagem ou a carbonização crescente da economia, cuja criticidade foi revelada pela percepção dos limites do crescimento econômico. E tanto a esquerda quanto a direita fracassaram em resolvê-los. Por isso, talvez haja razão em abandonar esta polaridade, e pensar novas formas de enfrentar estas mazelas sociais.  Não apenas com novas soluções, mas com novas formas de construí-las, o que significa, criar um novo caminho. A única conclusão, mesmo temporária, a que convidei ao meu estudante foi a de abandonar a bipolaridade: esquerda/direita. Por que não pensar de forma distinta a política? Não seria possível?