Quando começamos a Revista Será?, que surgiu com a ideia de Sérgio C. Buarque, de convertermos em escrita aquilo que debatíamos em nossos encontros mensais – sempre em um bar ou na casa de Teresa Sales – vi uma revista “online” como um ótimo espaço para dar vazão às minhas muitas e diversas inquietações intelectuais. Como consultor em estratégia e inovação, o que implica em enorme quantidade de horas envolvidas com leituras especializadas, viagens, e a pressão de fazer boas entregas para os clientes, sentia a falta de um espaço para “jogar conversa fora”, como se diz aqui no Nordeste.
E assim foi, através de muitos textos, sempre com o auxílio das lentes da ciência política e da psicanálise, perpassando meu olhar sobre a realidade social, o homem e seus desejos; alguma coisa sobre teatro e artes visuais — aqueles que me emocionaram— e o ousado compartilhamento, com os leitores, de crônicas de reminiscências – legado de um percurso analítico, frutos de um sintoma.
Enquanto Sérgio, ex-militante trotskista, via a revista como importante oportunidade para formarmos opinião, por meio da controvérsia— missão que ele vem cumprindo com a excelência de sempre — eu, brincando, chamava este espaço de meu recreio intelectual, pois, como designer do “site” e ilustrador de todos os textos publicados semanalmente, durante estes quatro anos, era um momento para eu me reencontrar com as atividades de designer –prazeroso, exercício de um voyeurismo estético. Expandir o espírito para além de um saber instrumental, gerado como um produto para o mercado.
Até que….o danado do impeachment se atravessou na minha frente. Lava Jato, delações premiadas, Eduardo Cunha, Lewandowski, Renan, passeatas, o escambau. Fui, assim como milhares de brasileiros, capturado pela crise política do governo Dilma Rousseff, e sobre ela tomei posição, dentro daquilo que a minha percepção de um cara de sessenta anos, que sempre viveu a vida com intensidade, poderia ter. Sabia que a história estava construindo um novo capítulo na política brasileira. Não era culpa do PT, ele não era tão poderoso assim. Era algo de novo que emergia no ambiente político, que colidiria com qualquer partido que estivesse no poder: era a justiça cobrando da elite política e econômica o preço de séculos, eu disse séculos, de corrupção, arrogância e soberba diante da nação real – falo aqui dos milhares de homens e mulheres que, com seu trabalho, constroem o Brasil real.
Vejo este valioso fenômeno como algo maior do que os agentes desta justíssima cobrança, não são as pessoas – Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e outros – são as instituições que, após décadas de uma práxis política democrática, acordaram de um sono inerte e secular; inércia sempre em favor das “tenebrosas transações”, praticadas por uma poderosa e promíscua elite econômica e política. Em 2013, quando o povo foi às ruas vomitar sua raiva em violento quebra-quebra, algo de muito sério e estrutural estava em formação. Violência e barbárie são o contraponto de uma relação dialética com a civilização, desembocando na síntese, que é o fortalecimento e a consolidação estrutural das instituições em uma democracia. Desminliguir
É, para alegria e responsabilidade das novas gerações, um caminho sem volta.
Muitos, coitados, vão gastar voz, energia e tempo – durante muito tempo – agarrados aos significantes do “desmilinguamento” de uma era de que, por acaso, o PT foi o signo principal; outros, rápidos em se metamorfosearem, embora useiros e vezeiros da corrupção – assim como fizeram quando apoiaram o Golpe Militar de 64, transformando-se, da noite para o dia, em democratas radicais – irão esconder-se no manto da ética, similar à operação de recomposição de hímen para “parecer virgem, de novo”.
As novas gerações de políticos, gestores públicos e empresários, daqui a algumas décadas, agirão delimitados pela lei e pela ética – na lei ou na marra, salve Francisco Julião! – como se nossa democracia sempre tivesse sido assim. Mais ou menos como nossos filhos e netos vivem certos de que shopping centers, tablets e smartphones foram criados no sétimo dia da criação do universo, depois do fogo e do ar.
P.S. A partir dos próximos textos, um pouco liberto dos grilhões da crise política, darei início a uma série de artigos sobre a filosofia hindu, tema que me fascina e me constitui, em certa medida, desde os meus dezessete anos.
BOGOTÁ, 07.10.2016
Beleza de cronica, Joao. Concordo com tudo. Muito bom senso
Uma crônica gostosa de ler, e boa para pensar. Parabéns João!
Bela Crônica : Boa reflexao dos nossos tempos em liguagem prazeirosa, Parabéns Joao !!
Acrescento aos comentários acima: que ilustração, heim João?
Pessoal
Fico muito contente que vocês tenham se identificado com a minha visão sobre o processo político que estamos vivendo.
No fundo estou organizando meu espírito para escrever sobre outros temas. Afinal, nossa realidade é um pouco mais complexa do que uma crise política.
Abraços a todos o obrigado pelos comentários.
J.Rego
Otimo texto!! Mas, eu achava que o smartphone tivesse sido criado antes do fogo. Nao?
Que venha a filosofia hindu.
Beleza, João, não é que este rapaz está ficando com uma escrita porreta!!! Vamos continuar e aprofundar este papo…