A pouco mais de uma semana das eleições presidenciais, as paixões políticas vão empurrando o Brasil para uma estranha e perigosa disputa do voto contra. Por diferentes razões, a rejeição a Lula e ao PT vem sendo capitalizada por Jair Bolsonaro, e o ódio ao capitão empurrando eleitores para Fernando Haddad. Entre as motivações deste voto contra, a economia não parece ter nenhuma importância. Para decidir o seu voto, o eleitor brasileiro não parece nem um pouco interessado em saber o que os candidatos pensam fazer para recuperar a capacidade de investimento do Estado. E, no entanto, o principal problema do Brasil nos próximos anos é a crise fiscal que imobiliza o Estado e que vem comprometendo a sua função de provedor social e de promotor do desenvolvimento. O resto é secundário, até porque, sem uma recuperação das finanças públicas e da economia brasileira, o Brasil vai mergulhar numa crise tão profunda que pode levar ao caos e à anomia social, à formação do “ovo da serpente”, de dramáticas implicações políticas. O que dizem (ou não dizem) os dois candidatos que estão agora na pole position é altamente inquietante: uma incerteza total com Bolsonaro e uma certeza desastrosa com Haddad. A enorme divergência ideológica entre Jair Bolsonaro, herdeiro do estatismo da ditadura militar, e o ultraliberal Paulo Guedes, seu assessor econômico, significa uma incerteza completa em relação à politica econômica que viria a ser implementada. Num eventual governo do PT, ao contrário, o que assusta é a consistência do candidato com o programa de governo que ignora a crise da Previdência e a necessidade de uma profunda reforma do sistema, que promete revogar o teto dos gastos públicos, a reforma trabalhista, o marco regulatório do Pré-sal e a reforma do ensino médio. Nesta ânsia de rejeitar tudo que o governo Michel Temer realizou de positivo, e que costuma deformar no seu discurso, a alternativa Haddad prenuncia um futuro dramático para o Brasil. A não ser que um novo governo do PT venha a realizar mais um estelionato eleitoral. Lamentavelmente, o eleitorado está tão contaminado pelo ódio e pela aversão às duas candidaturas, que tende, paradoxalmente, a eleger uma delas e, desta forma, pode empurrar o país para o abismo.
O editorial da revista está bom e esclarecedor. Gostaria apenas de explorar mais alguns pontos levantados.
1. “Sem uma recuperação das finanças públicas e da economia, o país vai mergulhar numa crise tão profunda que pode levar ao caos e à anomia social”. Uma questão de tempo verbal. Não é que o Brasil vai mergulhar nessa crise anunciada. O país vive, nesse preciso tempo em que está se decidindo nas urnas quem será o próximo presidente da República, o caos e a anomia social. Desde que foi instaurada nossa República pós Abolição da Escravatura, vivemos a maior segmentação social de nossa história. A sociedade é regida pelo medo. Os pobres, sob o domínio do tráfego de drogas e de um mundo do poder privado, morando nas periferias das cidades. Os ricos trancafiados em fortalezas e nos espaços privados dos automóveis no trânsito, paralisados pelo medo dos assaltos, anunciados à exaustão nas mídias e redes. A migração para fora do país mudou de configuração. Na década perdida dos anos 80 do século passado, migrava uma classe média baixa, originária inicialmente de Minas Gerais, na região do vale do Rio Doce (Governador Valadares à frente). Essa continua, porém a passos mais lentos. Porém, a ela se acrescentou um novo tipo de emigração, principiada aos últimos dois decênios de século XXI: da burguesia e da classe média alta, conservadora, abandonando o país em busca de segurança no estrangeiro. O próximo Censo de Portugal poderá revelar isso.
2. Uma eventual vitória do candidato Jair Bolsonaro, caso ele ressuscite, eleito, um caráter fascista, ou, como se refere o Editorial, o “estatismo da ditadura militar”, poderá resultar em um efeito não esperado: quebrar a divisão criada pelo lulismo entre nós e os outros. A hipocrisia de se nomear comunista a um partido que em nada se diferencia de todos os outros quanto às práticas de governo. Os que compartilham o bem social e a justiça a todos, voltarão a se juntar. Porque então a direita aparecerá com todas as suas cores. E os que se dizem de esquerda não carecerão mais imputar ditadura onde ela não existe.
3. Outro dia ouvia o noticiário da Rádio Universitária daqui do Recife. Uma das entrevistadas, professora doutora, líder (ou ex-lider) do movimento docente da UFPE. Falava, sem fundamentos outros que não os ideológicos, tal como fazíamos no meu tempo de militante da AP, sobre o neoliberalismo, responsável por todas as cifras terríveis que ela citava. Abstraí o conteúdo da entrevista, que nada me acrescentaria, e fiquei a prestar atenção ao tom de sua voz raivosa. Substituísse o neoliberalismo pelo demônio, o tom era o mesmo de uma pastora de igreja evangélica.
4. O mesmo ódio tem a classe conservadora a Lula. Alguns ressuscitam o medo ao comunismo, personificado hoje em Cuba e Venezuela.
Conto um causo. Na campanha que elegeu Lula presidente, um eleitor de Garanhuns, que de longa data fazia parte do curral eleitoral do prefeito Amílcar da Mota Valença (mesmo este já estando afastado da política, porque isso são fidelidades quase filiais, que só Victor Nunes Leal explica em “Coronelismo enxada e voto”), foi lhe consultar:
– Prefeito, Lula é meu conterrâneo. Até hoje sempre tive vontade de votar nele, mas não era o seu candidato. E agora eu pergunto ao senhor, pela terceira vez: posso votar no homem, doutor?
– Pode, Manoel. Pode votar em Lula. Porque isso agora não tem nenhuma importância. O comunismo se acabou*.
* Com outras palavras, mas os mesmos personagens, esse fato foi publicado à época numa coluna da Folha de São Paulo e depois divulgado entre os de Garanhuns que conheciam o prefeito, como eu.
De fato, nessa campanha não se discutiu o futuro da economia e nem políticas econômicas. Em parte pela distorção apontada há tempos aqui na Será? por Luiz Alfredo Raposo, ao tratar do combate à corrupção. Distorções que ele continuou apontando no blog dele, quase secreto. Em parte porque os programas dos candidatos não dizem quase nada de política econômica, exceto o programa de Alkmin, e os outros que falaram de economia não passaram de 2% das intenções de voto. É mais fácil ler as páginas policiais transformadas em páginas de política (ou vice-versa) do que discutir detalhes de reforma tributária, a previdência que vai falir, os efeitos da reforma trabalhista, ou as prioridades do orçamento e como evitar que a dívida pública, que já passa de 77%, não fique maior que o PIB. Quanto ao comentário de Teresa sobre tempos verbais eu lembro a Mafalda, do Quino: “o pior é que o pioramento pode piorar”. E pode levar um século, como na pátria da Mafalda e do Quino. E nada a ver com comunismo, que levou 70 anos para se autodestruir. É só que viver de crédito é insustentável no médio e longo prazo.
De fato, nessa campanha não se discutiu o futuro da economia e nem políticas econômicas. Em parte pela distorção apontada há tempos aqui na Será? por Luiz Alfredo Raposo, ao tratar do combate à corrupção. Distorções que ele continuou apontando no blog dele, quase secreto. Em parte porque os programas dos candidatos não dizem quase nada de política econômica, exceto o programa de Alkmin, e os outros que falaram de economia não passaram de 2% das intenções de voto. É mais fácil ler as páginas policiais transformadas em páginas de política (ou vice-versa) do que discutir detalhes de reforma tributária, a previdência que vai falir, os efeitos da reforma trabalhista, ou as prioridades do orçamento e como evitar que a dívida pública, que já passa de 77%, não fique maior que o PIB. Quanto ao comentário de Teresa sobre tempos verbais eu lembro a Mafalda, do Quino: “o pior é que o pioramento pode piorar”. E pode levar um século, como na pátria da Mafalda e do Quino.