O espetáculo da posse do novo presidente da República, exaustivamente transmitido e comentado pelas televisões do país, nos leva a algumas reflexões fundamentais. A primeira é o reconhecimento da indiscutível popularidade do cidadão eleito: apesar das rigorosas normas de segurança – só compreensíveis pelo antecedente da tentativa de assassinato do então postulante ao cargo – capazes de afugentar os assistentes, verdadeira massa humana compareceu à esplanada dos ministérios para ouvir o novo chefe do Executivo. E apesar do discurso simplório, superficial, lacunoso em aspectos essenciais para as cabeças mais exigentes, esteve pronta a aplaudi-lo com veemência. Afinal de contas, por todo o tom e a linha de sua campanha, não se poderia esperar outra coisa. A sua fala não foi além do que os seus eleitores – a maioria da nação – desejavam ouvir. A segunda reflexão é de que não nos podemos queixar (os que não fomos seus eleitores), do resultado do pleito e de suas consequências prenunciadas: afinal, somos defensores intransigentes das regras do jogo democrático, e o povo brasileiro escolheu Jair Bolsonaro. Coisas desse regime que, segundo Churchill, é o pior do mundo, com exceção de todos os outros. Lembremos a grandeza d’alma do velho senador americano Mc Cain, ao ser derrotado nas urnas por Barack Obama: “ele foi meu adversário, agora é meu presidente”. Não há chorar com lágrimas, sem lágrimas, ou com riso, segundo as sutis alternativas do padre Antônio Vieira. O eleito encarnou – merecidamente ou não – o sentimento popular majoritário de rejeição à política tradicional, à corrupção e ao PT (fato observável também nas escolhas dos governadores do Rio, de Minas Gerais e do Distrito Federal), além de um pulsante anseio por segurança, e ganhou com uma campanha de poucos recursos e praticamente nenhum compromisso partidário. Fato inédito na política brasileira, aliás. Resta apenas – e aqui chegamos à terceira reflexão – para aqueles que, como os editores desta revista, algum dia sonharam com uma sociedade alternativa, igualitária e solidária, o desconforto de ver a cor vermelha contraposta ao “auriverde pendão da nossa terra”, num momento histórico em que o avantesma do “movimento comunista internacional” já não existe. O vermelho sempre foi e será a cor dos despossuídos, dos combatentes, e não se choca, nem obscurece o verde-amarelo do pavilhão nacional. A culpa dessa imagem infeliz é daqueles que, desprezando as lições da História, em crime maior do que os bilionários roubos da Petrobrás e quejandos, roubaram a dignidade da esquerda, conspurcando-a com todos os vícios da política que anunciavam combater: corrupção, nepotismo, clientelismo, populismo caritativo, leniência com o crime, sindicalismo de privilégios, irresponsabilidade econômica e administrativa. A culpa é da “exquerda” (não das esquerdas), no feliz neologismo do senador Cristovam Buarque, que deixa o Senado, mas prossegue na sua nobre tarefa de pensador.
Editorial bem pensado, doído. Os democratas têm que aceitar a opção dos eleitores que, à primeira vista, deram vitória às direitas. A díada direita-esquerda tem poder explicativo cada vez menor (apesar de tudo o que escreveu Norberto Bobbio para mostrar como a díada prevalece na discussão política por dois séculos). Em todo caso, vale o uso do plural, direitas e esquerdas, pois em democracias há variantes e nuances, e até no interior da atual “equipe” de governo em Brasília. No balanço do momento sobrou pouco das esquerdas. A “exquerda” do neologismo de Cristovam ainda reteve uma quantidade espantosa de votos, mas, a rigor, nunca fez parte das esquerdas, exceto na retórica. Nem assistencialismo é algo “de esquerda”. Concordo com Bobbio que, se algo diferencia esquerdas de direitas em democracia, é a importância maior que as esquerdas dão às formas de atenuar e reduzir os fatores de desigualdade. A verificar, em cada caso, se é só importância retórica. No caso do PT e satélites, o balanço final do cipoal das transferências públicas mostra que o governo reforçou a desigualdade.
Excelente. Estou compartilhando !
Quem foi que escreveu esse Editorial?
Onde é que vocês estão?
Dizer que na posse do Capitão havia “verdadeira massa humana” é tapar o sol com peneira. Vá no Google e veja as fotografias aéreas do evento.
E as bandeiras americanas que estavam lá, hem? Eu nunca vi isso, nem nas posses de FHC!
Olhem: o Mc Cain fique com seu Obama, mas esse Capitão não é meu. Aliás, o Capitão está mais pra Caim do que pra Abel!
Enaltecer com o título de “Lição de Democracia”! Vamos devagar, ou vocês estão divagando?
Não vou questionar as urnas, mas pergunto: vocês já ouviram falar de “fake News”? Procurem no Google. Esse povinho aí não merece o título de democrata!
E o time (equipe) que o Capitão armou. Cadê a análise de vocês?
O que dizem dos Direitos Humanos?
O que dizem das Relações Exteriores?
O que dizem da Educação e do Meio Ambiente? Da Agricultura ?
Esse Editorial foi feito pra bater no PT, não houve análise do “nova era”. Está na hora de vocês saírem da “verdadeira massa humana”, do antipetismo e refletirem em que barco o país está!
Finalmente, onde estão os votos do Pensador? Eles eram da Ex-querda, ou da Es-querda? Quem o abandonou? E por que?
Ô vocês da Revista Será! Já é tempo de descer da goiabeira!
O editorial abordou três pontos: a popularidade do vencedor da eleição, o respeito às regras da democracia e a perversa associação da cor vermelha com o mal, pelos desmandos de quem esteve no poder, nos últimos anos. E estes pontos são insofismáveis. Haverá tempo para criticar as opções e as escolhas infelizes do novo governante, em postura crítica e construtiva.
A imagem do Cristo na goiabeira é mais propícia, no entanto, para os que, com as viseiras da ideologia, continuam a ver em um criminoso condenado pela Justiça um santo guerreiro, salvador da pátria.