João Rego

“City” by Lily Yakupova – 2016. 

Desde que o mundo é mundo, sempre existiu aquela seleta classe que domina, e a outra, em maioria, porém menos organizada, a dominada. As tribos mais primitivas garantiam sua coesão social graças aos seus líderes, xamãs ou feiticeiros, servindo de elo de ligação com as forças da natureza – ditando as regras e definindo os destinos do grupo.

Com a criação do Estado moderno, as crenças deram lugar às leis, e os xamãs e feiticeiros foram substituídos pela elite política, esta sempre atuando, explícita ou implicitamente, como guardiã dos interesses do segmento detentor do poder político e dos que têm o domínio sobre os meios de produção. A grande maioria, o que hoje se define como sociedade civil, sempre seguiu a reboque dos interesses dessa elite. Esta, a elite, garante sua reprodução fincada na lei, no conhecimento e na capacidade de produção.

As leis, em sua evolução, sempre foram alteradas por meio de rupturas sociais, quando a pressão das classes dominadas era insustentável, ou quando o avanço tecnológico tornava obsoletos alguns meios de produção, a exemplo do fim da escravidão, do voto universal e do direito das mulheres votarem e serem eleitas.

No Brasil, subjacente à sua história política, desde o Império até a mais recente fase, a democracia pós Regime Militar de 1964, as elites – políticas e econômicas – sempre conseguiram acumular suas riquezas à custa do controle do Estado, em detrimento dos interesses da sociedade.  Esta tem sido uma relação secular e promíscua, que, à revelia da moral e da ética, se vem reproduzindo quase como uma lei natural, como a força da gravidade.

Essa estrutura perversa finca suas garras na consciência do eleitor, com maior intensidade naqueles que tiveram menos acesso à educação e, portanto, mais maleáveis à manipulação.

Surge, entretanto, dentro do seu próprio aparelho de Estado, uma nova elite de juízes e procuradores que, numa operação a princípio de pequena monta, chega ao núcleo central de um esquema de corrupção gigantesco, com seus tentáculos penetrando as mais diversas instâncias dessa velha estrutura de dominação: é a Operação Lava Jato.

Pela primeira vez em nossa história, a Lei atingiu poderosos segmentos, causando uma ruptura e ameaçando os velhos padrões de dominação. Quebrando elos da histórica cadeia do patrimonialismo e do coronelismo – este último, com sua máscara de modernidade, atuando como sempre atuou: a favor de seus feudos, em detrimento das necessidades da maioria da população.

Lula, Moro, Bolsonaro, ideologias, fanatismo e eleitores são meros elementos articulados dentro de uma estrutura maior e mais poderosa: nossa história política e sua cultura arcaica de reprodução do poder.

A Estrutura a eles se sobrepõe, determinando a trajetória e os balizamentos dos sujeitos políticos – que incluem partidos políticos, o segmento do setor público, o setor privado e a sociedade civil.

Há um “velho” que resiste, com enorme poder de reversão, posto que se encontra ainda vivo e poderoso, embora perplexo e ferido pela ousadia da Lava Jato; e um “novo” que ensaia uma ruptura para uma nova prática política, parindo uma democracia mais sólida, mais abrangente e transparente.

É necessário ir além das paixões ideológicas, para estendermos nosso olhar sobre os mecanismos que regem essa estrutura. Moro e a Lava Jato quebraram um elo importante, possibilitando um novo padrão de prática política. Cabe à nova geração de políticos e à sociedade civil atuar em favor do aprofundamento dessas mudanças, em ambiente institucionalmente democrático.

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