Cristovam Buarque >

Escolas brasileiras

Escolas brasileiras

O inciso VII do caput do Art. 206 da Constituição Federal de 1988, por iniciativa do então deputado Severiano Alves, previa a criação de um Piso Nacional para o Salário do Professor da Educação Básica. Só em 2008, vinte anos depois, este preceito constitucional foi regulamentado pela Lei 11.738/2008, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por Projeto de Lei (PLS 59/2004), como iniciativa do autor deste artigo, com uma importante emenda de autoria da Deputada Fátima Bezerra que assegura 1/3 da carga horária do professor para atividades extraclasse, como reuniões de programação, preparação de aulas, atendimento a alunos e pais. Naquele momento, o piso salarial foi fixado em R$ 950,00 por mês que equivaleria hoje a aproximadamente R$ 1.121,00 se corrigíssemos o valor, pela inflação medida pelo IPCA, para março/2013.

A transformação deste preceito legal não demorou tanto quanto o preceito constitucional, mas mesmo assim a nova lei foi sendo protelada por iniciativa de governadores que a consideraram inconstitucional. Só em março/2013 o Supremo Tribunal Federal (SFF) declarou a constitucionalidade da Lei, que determina aos  governos estaduais e municipais o cumprimento do Piso Salarial. O STF negou o recurso apresentado por seis estados – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás, Piauí e Roraima – contra a decisão da Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) que considerou constitucional o piso nacional dos professores da rede pública de ensino.

Terminado todo o périplo de 25 anos para que o piso salarial se transformasse de previsão constitucional em lei ordinária obrigatória aos entes federativos, muitos governos estaduais e prefeituras têm se negado a cumpri-lo sob o argumento de incapacidade financeira. De fato, a aritmética é mais forte do que a jurisprudência. É verdade que alguns destes entes que se dizem impedidos de cumprir o pagamento do piso por falta de recursos desembolsam fortunas em projetos não prioritários ou em vantagens para alguns de seus servidores, tanto no executivo quanto no legislativo ou judiciário. Mas a verdade é que alguns entes federativos subnacionais não têm como fazer este pagamento.

Nestas condições, é a criança e o futuro do País que pagam pela ilegalidade do prefeito ou do governador, pelo fato de ficarem com professores não remunerados pelo piso que ainda se encontra em um valor muito pequeno (R$ 1567,00; fixado a partir de jan/2013), conforme determina reajuste anual listado no Art. 5o da própria Lei do Piso Salarial. Para a atualização utiliza-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007. A série histórica completa para os valores do Piso resultou nos seguintes valores para o Piso Salarial: R$ 950,00 em 2009; R$ 1.024,67 em 2010; R$ 1.187,08 em 2011; R$ 1.451,00 em 2012; R$ 1.567,00 em 2013.

Se o governo não pode pagar, não adianta demitir o prefeito ou governador, porque não será possível “demitir” a aritmética financeira da prefeitura ou do estado. E, por outro lado, já não há mais espaço para elevar os impostos.

A única saída para não jogar a conta sobre os cérebros das crianças é jogá-la sobre as finanças do governo federal. A lei nacional do piso foi feita pelo governo federal, deve caber a ele pagar o piso a cada professor brasileiro, independente do seu estado ou município. O piso seria não apenas nacional, mas também federal. Assegurado até na mais pobre de nossas cidades e permitindo uma elevação no valor do salário do professor em função do fato da prefeitura e do governo do estado continuarem desembolsando o mesmo montante atual, além do valor do piso pago pela União.

Foi neste sentido que dei entrada em um Projeto de Lei do Senado (PLS) que dispõe de apenas três artigos, sendo o principal com o seguinte conteúdo: compete ao governo federal garantir o efetivo pagamento do piso do professor da Educação Básica.

O custo desta lei equivale a menos de R$ 40 bilhões/ano. Em 2012 com o valor do Piso em R$ 1.451,00 o montante que ficou faltando para que a Lei do Piso fosse cumprida foi de aproximadamente R$ 38,2 bilhões. Para dar uma ideia do tamanho deste custo – diante do poder econômico do Brasil como sexta maior economia do mundo – seguem algumas comparações a importantes variáveis (todas relativas a 2012): esta complementação corresponde a somente 0,87% do PIB de 2012; 3,74 da Receita da União; 12,04% dos gastos com a previdência social; 17,57% do pagamento de juros da dívida ou 42,9% da média dos desembolsos do BNDES a juros subsidiados feita nos últimos anos. Se somarmos as quartro variáveis de fluxo desta lista o valor total do Piso Federal seria equivalente a 2,32% deste montante. Mostra-se, portanto, um investimento perfeitamente possível de ser implementado diante da ditadura da aritmética das finanças dos entes federativos subnacionais e absolutamente necessário diante das exigências com a educação de nossas crianças e portanto com a dinâmica de nossa economia e a justiça de nossa sociedade. A tabela 1 abaixo traz a síntese desta análise.

Não há dúvida quanto a viabilidade financeira da proposta e menos ainda quanto ao impacto educacional e mesmo econômico que ela terá de imediato.

Este PLS representará apenas um passo – mas de elevada importância – na direção da necessária federalização plena da educação pública. Por isto dei entrada neste PLS em 2013 com a mesma convicção com que em 2004 dei entrada ao PLS 59 que criava o Piso.

Mas, para se resguardar de uma eventual alegação de inconstitucionalidade do Projeto de Lei, estou também coletando as 27 assinaturas de senadores necessárias para dar entrada a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), e caso isso se faça difícil, espero que as redes sociais, das quais a Revista Será? faz parte, inicie um processo de coleta de assinaturas para uma iniciativa popular sobre esta temática.

tabela