José Arlindo Soares >

No final da semana passada postei no Facebook uma pequena nota sobre a onda de manifestações que se delineava nas maiores cidades do País, afirmando que essas não poderiam ser explicadas pela simples repulsa ao aumento das passagens dos transportes coletivos ou pela ação de pequenos grupos radicais. Essa postagem resultou em uma indagação do Jornalista Gilberto Prazeres, da Folha de Pernambuco, a respeito de causas para além do 0,20 centavos, que poderiam estar alimentando o sentimento de indignação de uma parcela da juventude das grandes cidades brasileiras. A princípio, argumentei que seria possível buscar várias explicações interligadas. Porem, para efeito didático, eu uso dois vieses que se completam. O primeiro é o acúmulo das tensões urbanas na vida das pessoas. O segundo são expectativas frustradas, apesar de melhorias substantivas no poder de consumo da média da população.  A ascensão de uma nova classe média, apenas pelo consumo, começa a cobrar uma fatura que não está prevista nas leis do mercado.

Lembrei, então, dos jovens de Istambul que, sem estarem no epicentro dos rigores da crise europeia, põem o país de cabeça para baixo, aparentemente porque não aceitam que o progresso destrua uma praça símbolo da boa convivência humana na cidade O governo de lá também é legítimo, sendo apoiado por uma ampla maioria, o que não lhe dá o direito de desconhecer os sentimentos não pautados pelo lucro, de parte da juventude.  Tendo que refletir sobre a natureza mais profunda das manifestações atuais, procurei o caminho do acúmulo das tensões urbanas como um fenômeno de uma ruptura que acontece nos ciclos de acomodação/rejeição que se formam ao longo de um determinado tempo social e vai redefinindo o perfil de cada geração.

Repassando os diferentes ciclos das manifestações de jovens que ocorreram no Brasil nos últimos quarenta anos, torna-se claro as diferenças de cada ciclo. Da tensão da ditadura, nos anos 60, surgiu a explosão do grito de liberdade que se expressou fortemente nas ruas entre 1966/1968. Vinte anos depois, volta o clamor das ruas através do movimento estudantil, primeiro, pelas “Diretas” e depois pelo impeachment de Collor. São momentos raros em que a voz das ruas coincide coma a articulação de diversas instituições formais como partidos, Igreja católica e parte do parlamento; instituições que também procuravam superar o ciclo autoritário de 64, e, no segundo momento, impedir a continuidade do desequilibro moral do primeiro presidente eleito.

Duas décadas depois, parece que se assiste o nascimento de uma nova geração, sem propostas políticas nos moldes das que o século XX acostumou-se a ver. Uma geração que nasce das tensões cotidianas que provocam o esgarçamento do tecido social, de um lado, e, de outro, certo esvaziamento da legitimidade das instituições do Estado e das representações políticas.

Na segunda feira 17 de junho, o movimento ganhou o caráter de massa, com mais de 500 mil pessoas na soma de todas as manifestações. As consignas foram ampliadas para verbas para educação, contra o desperdício do dinheiro da copa e contra corrupção. Tudo já estava presente na virtualidade das redes. De verdade, as manifestações saíram das redes para ganharem as ruas e mostraram que os liames sociais não mais são comandados por sujeitos históricos como partidos ou ideologias, mas respondem às tensões do cotidiano e da busca por uma cidadania na vida real.  Depois de ler os diversos artigos nos jornais do fim de semana, tirei da estante o clássico “Crítica da modernidade” de Alan Tourraine onde, já nos finais dos anos 80, o velho sociólogo francês mostrava a crise dos chamados  sujeitos históricos, socialmente determinados, que dominaram a cena até as últimas décadas do século XX.