São dez horas da noite de um dia apascentado pelo feriado. Mas, com verniz de duas expectativas azuis: a primeira, encerramento do semestre letivo. E a segunda expectativa, os projetos em elaboração para reorganizar o país. Estrutura de gestão pública devastada. Por desmonte primitivo.

Mas, a primavera desponta no horizonte. Essas coincidências acontecem quando a gente menos espera. De manhã, eu ouvi a fala de Priscila Cruz, do Todos pela Educação. Participante do grupo que analisa a educação para o novo governo.

Ela acentua duas políticas essenciais para o setor: prioridade para o ensino básico por meio de melhor capacitação de docentes e de aumento de escolas de tempo integral.

E criação de uma secretaria especial, ligada à presidência da República. Para promover a coordenação federativa das ações educacionais entre União, estados e municípios. Política totalmente abandonada pelo atual governo. Que não dialoga com governadores de Partidos adversários.

Que fluência de Priscila Cruz ! Que domínio de informações sobre o ensino público ! Que diferença ! Dá gosto ouvi-la. Tem perfil e jeito de ministra da Educação.

E a coincidência ? No final da tarde, canal do Senado Federal, vejo documentário sobre a vida extraordinária de Darcy Ribeiro. Não sei se ele foi melhor sociólogo, docente, político ou gestor. Darcy era um gênio. Sua inteligência aguda transbordava, como cachoeira, quando ele falava.

Ele foi antropólogo, reitor da Universidade de Brasília, senador, vice-governador do Rio de Janeiro, na administração Leonel Brizola. Mas, o feito mais estruturante, moderno e semeador de sua rica vida pública, foram os Centros Integrados de Educação Pública – CIEPS. Antecipado no tempo, visionário, ele fez de cada CIEP uma escola de tempo integral. Nos anos 80.

Se os governos subsequentes tivessem dado continuidade à ideia magistral de Darcy, certamente muitos jovens cariocas teriam sido desviados do crime, do tráfico e da morte. Inclusive porque, outra coincidência, na entrevista de Priscila Cruz, foi destacada a correlação entre aumento de criminalidade e elevação da evasão escolar.

Os CIEPS representaram a capacidade antecipatória de quem se interessa por gente. Não se trata de organizar a educação, de qualificar o ensino. É preciso gostar de gente. Digo aos meus alunos: quem não gosta de gente, não venha dar aula. É necessária uma certa sensibilidade, uma emoção.

Eu me emocionei duas vezes durante o documentário. A primeira vez, quando uma assessora contou que o viu dar uma linda aula, com intensidade, a crianças de dez anos. Sobre o que é conhecimento e o que é alegria. Conhecimento, dizia ele aos pequenos, é a universidade, lugar do saber, do erudito. E alegria é o sambódromo, lugar de cantar e de dançar, do popular. Ele foi reitor e planejou, com Oscar Niemeyer, o sambódromo.

A segunda emoção foi quando outra assessora disse a Darcy:

– Mestre, vou organizar uma festa de quinhentas mulheres no seu aniversário.

– Quinhentas ? indagou ele. E se calou.

Dia seguinte, Darcy ligou para a assessora e disse:

– Quinhentas mulheres é muita mulher. Convide cinquenta.

Em seguida, o documentário mostra cenas do aniversário dele: uma alegria imensa, agitação, mulheres. E ele, já canceroso, mas embevecido, cercado por elas. Feliz, como jardineiro  fiel.