Sergio Buarque escreveu, como sempre, um belo artigo na semana passada refletindo sobre os limites da candidatura de Marina Silva. Não vou entrar nas comparações que o articulista fez entre Marina e Eduardo Campos. Não ganhamos nada com isso. Concordo com a tese central: Eduardo e Marina faziam uma dupla complementar e sólida para dirigir o Brasil. Não concordo plenamente com a segunda tese: Marina não tem condições ou tem muitos limites, pessoais e políticos, para governar. Concordaria com outra tese, naturalmente decorrente da primeira: sozinha Marina tem menos condições. Mas se esta fosse a segunda tese não haveria porque discutir. Talvez a segunda tese do Sergio não esteja expressa com tanta força como a interpreto, mas as críticas são tantas que é difícil uma conclusão distinta.
O artigo do Sergio Buarque me levou a pensar no que é ser um bom presidente. Durante algum tempo boa parte do povo brasileiro acreditou que Lula não seria um bom presidente. Os argumentos são muito parecidos com os que hoje se utilizam em relação à Marina – não é o caso do artigo em questão. Ela não teria experiência como executiva, não estaria preparada, não tem base politico-parlamentar suficiente. Lula foi um presidente melhor do que Collor de Mello, que tinha mais escolaridade e experiência administrativa. Dizia-se de Itamar Franco que era despreparado. No entanto, foi no seu governo que se desenhou e se implantou o plano real que nos tirou do inferno inflacionário. Alguém pode dizer – mas não foi ele quem fez. Em geral as coisas que acontecem em um governo não são o presidente que faz. Seu mérito está em definir rumos e cercar-se de pessoas competentes, acatar as boas sugestões e recusar as más. Como disse a Marina no debate da Band: importa a visão estratégica, que Lula e FHC, por exemplo, tinham, cada qual com suas percepções ideológicas. Não importa tanto a capacidade gerencial, mas a visão estratégica, a capacidade política de negociar e de mobilizar pessoas. Dilma parecia uma boa gerente, mas não teve tanto sucesso. Aprendi que cargo de presidente não tem nada a ver com gerência. Gerentes têm que ser os secretários executivos dos ministérios, os diretores de empresas, fundações, superintendência etc. Não precisa ser o presidente. Este tem que se munir de gestores competentes e ter noção do que é prioritário a ser feito em função dos objetivos que se quer alcançar. Tem que ter algumas qualidades do gestor, mas não necessariamente a capacidade da gerência.
Voltando ao artigo. Sergio arrola uma dezena de “limites”, que poderiam ser traduzidos em riscos de uma presidência da Marina. Riscos todos têm. Um bom governo depende também de circunstâncias. O próximo terá muitos problemas e dificuldades no primeiro ano. Mas vou considerar três argumentos utilizados no citado artigo.
O primeiro argumento quanto aos limites de um governo dirigido por Marina parece falso: “a conservação ambiental pode anular o outro polo do desenvolvimento, travando a modernização e a dinamização da economia”. Marina não impediu nem a construção de Belo Monte nem de qualquer outra usina hidroelétrica. Marina não bloqueou o asfaltamento da BR 163, apenas negociou suas condições. A antiga seringueira sabe que é preciso se desenvolver para responder as necessidades materiais do povo brasileiro, sobretudo dos mais pobres.
O segundo argumento – Marina não demonstra abertura para entendimentos – é igualmente falso. A líder da Rede Sustentabilidade tem suas convicções, mas sabe ouvir e ceder, quando necessário. Ela tem o senso da realidade politica. Mas é firme e intransigente sobre determinadas questões definidas como princípios. As ilustrações da intransigência com a afirmação de que: “não negociará com o agro negócio e os industriais”, é igualmente equivocada. Caso contrário não seria candidata com um vice que é amigo do agronegócio. Como é um equívoco de que ela não aceitará a autonomia do Banco Central. Ela já anunciou o contrário. O fato dela não participar da campanha do PSDB de São Paulo não é por intransigência, mas por negociação com os lideres locais da Rede. Portanto, é muito mais uma exigência local do que uma opinião dela.
Como todas as pessoas Marina tem uma personalidade complexa. Alia posições políticas avançadas com postura pessoal conservadora. E dentre os traços das posições políticas está o de não querer aceitar a aliança com os políticos conservadores mais conhecidos, como Maluf, Jader, Sarney, Collor e Renan e cia. Todos na base do governo. Esta “intransigência” produz prestígio dentre os jovens. Contudo, isso não significa que ela não aceite fazer negociações ou concessões. A intransigência, neste caso, tem foco e resultado.
Finalmente, o argumento de que Marina não estimulará ou não defenderá reformas necessárias ao País como a tributária e da gestão pública. Pena que o autor não falou da reforma principal, a politica. Aqui depende o que entendemos por estas expressões. Há muitas concepções a respeito destas reformas. E não se poderá aqui afirmar quem tem razão: aquele que acredita que ela fará as reformas ou aqueles que não acreditam. Em minha opinião Marina está sensibilizada para a necessidade, por exemplo: de enxugar esta festa de ministérios; de desburocratizar o aparelho de estado, imprimindo-lhe mais agilidade; de simplificar o sistema de tributos, estimulando um ambiente favorável ao empreendimento econômico; assim como, o de fazer uma reforma política, entre outras. No entanto, estas reformas não dependem apenas do Presidente, mas das relações de forças que se estabelecerão no País após as eleições e das pressões que a sociedade possa exercer. Parte delas tem que passar pelo Congresso.
Enfim, Marina tem muitas qualidades para ser uma boa presidente, mas isso não é suficiente. Porém, o que mais interessa hoje é que ela reúne as condições reais de uma mudança. Nenhum outro tem esta condição hoje. Resta apenas, a quem deseja a mudança, aderir e pressionar para que as reformas que o nosso País necessita sejam realizadas. Mas, primeiro, é preciso votar, escolher o novo ou a nova dirigente máxima do Brasil. Se o “tsunami Marina” persistir, será ela. A hipótese Aécio é cada vez mais distante. Mas, como diz nosso amigo Claudio Porto: o futuro é a morada privilegiada da incerteza.
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Para ler o artigo que deu base para este texto, clique no link abaixo:
E agora, Brasil? – Sérgio C. Buarque
Excelente texto!! Mostra que Marina tem a perfeita percepção da realidade política .É uma mulher muito inteligente ,tem seus radicalismos ,mas sabe ceder quando necessário.
O importante é saber formar uma boa equipe ,ela vai ter que ter um articulador político e ninguém melhor do que o seu vice ,que também vê com bons olhos o agro negócio,assim neutraliza a idéia que sua obsseção pelo desenvolvimento sustentável anularia a negociação com o agro negócio .
Pelo menos temos uma certeza ,ela é uma pessoa honesta ,espero que não se corrompa com o Poder.
Sabemos que vai ser dificílimo governar esse país ,com todas as Instituições aparelhadas pelo PT e essa mentalidade dos políticos brasileiros de não pensarem no bem da Nação e sim no já tão conhecido “toma lá dá cá “,condição “si ne qua non ” ,para darem seu apoio ,seja lá em que projeto for.Um país que tem um Renan Calheiros na Presidência do Senado e que foi antecedido por Sarney ,não precisa dizer mais nada.
Bem ,mas o mais importante é que Marina representa a Mudança e a necessidade iminente de tirar o PT do Governo é uma realidade.
Caro Dr. Elimar Nascimento.
É gratificante ler seu coerente artigo, parabéns!
Gostaria de acrescentar que as reformas necessária , citada por vc, dependem primordialmente da câmera e senado. Tais reformas constam no Programa de Governo de qualquer candidato, mas até hoje sem êxito.
Penso que a grande mudança desejada pela população brasileira é ética. Trata-se de combater a corrupção. Que tem origem, principalmente, no patrimonialismo. Este, por sua vez, se alimenta da promiscuidade entre as estruturas política e empresarial.
Tal promiscuidade entre certos políticos e alguns empresários começa no financiamento da eleição. Continua no decorrer das gestões administrativas como paga de contribuição realizada. E se prolonga em suposta amizade na concretização de negócios.
O êxito da candidatura de Marina está em dois pontos principais: ela não arrasta consigo estruturas habituadas a esse tipo de negociação. E adota posições apoiadas em convicções. E convicção não será, certamente, ponto forte de setores políticos.
Caro Elimar
Você desmontou com muita competência e elegância meus argumentos no meu artigo “E agora Brasil?”. Excelente contribuição para o debate de ideias. Não me convenceu de todo mas me levou a refletir e espero que esteja certo e que, ao contrário da minha interpretação, Marina amplie a sua visão de mundo e de estratégia de desenvolvimento, abrindo negociações na campanha e, principalmente, se vier a ser presidente. Por ser uma pessoa de princípios, tenho certeza que ela abandonaria este modelo de presidencialismo capenga e deformado que forma maioria com a “compra” de votos dos parlamentares com favores, cargos, distribuição de emendas e, no limite da crise ética, com mensalões. Provavelmente, o próximo Congresso vai continuar sendo muito fisiológico, o que vai exigir de um presidente sério uma enorme capacidade de negociação política com partidos e lideranças de peso e com compromisso com o Brasil. Abraços, Sergio
A consistência do que você escreve e a elegância como você se dirige ao leitor é uma arte. Também ensinamento coerente para nos levar a construtiva e solidária reflexão.
Caros Sérgio e Elimar:
Antes da “desconstrução”, por parte de Elimar, do texto de Sérgio também estava com muitas dúvidas com relação a Marina, talvez fruto de um preconceito latente – herança de elite branca? —em esperar que nossos líderes venham da Elite intelectual e econômica que, durante séculos, vêm dando as cartas sobre o Poder Político e formação social.
Lula foi o primeiro a quebrar este “círculo vicioso” mas, infelizmente a classe operária não estava imune ao vírus da corrupção e do autoritarismo ideológico. A práxis política do PT, e seu discurso de mudança, se esvairam nos desvios éticos dos mensaleiros — no que pese a arrogante negação da realidade de seus líderes tratando os mensaleiros como heróis.
O destino nos prega uma nova peça, a exemplo de Tancredo, e tudo que “era sólido desmanchou-se no ar”; aí o que já era — aliás não existe nada mais enganador, mais encobridor do que discurso de campanha política— fadado a ser uma campanha de baixo nível, como sempre, debandou para insultos, agressões e colocações limitadas pelos antolhos da “ideologia” partidária, cada um segurando parte da sua realidade possível e negando a do opositor — numa cegueira dicotômica: meu bom, teu ruim.
Os textos seu e de Sérgio, elevam o debate para um outro nível que nos ajuda a esclarecer, longe das paixões da militância e/ou da comoção com a morte de Eduardo, o cenário que continua ainda nebuloso, mas a democracia segue seu rumo e a nação será chamada a decidir pelo seu líder em outubro.
A sorte está lançada e torço para que Elimar esteja certo.
Belas reflexões.
Quando leio textos como estes, meu otimismo com o Brasil só faz crescer.
Caros João Rego, Sergio e Elimar:
Allvíssaras, meu Capitão, temos enfim um fórum de debates lúcido e objetivo. Três comentários que enriquecem qualquer discussão sobre questões tão difíceis quanto uma análise política. Para satisfação de minha bisbilhotice genética, atrevo-me a colocar mais uma observação que entendo necessária. Não aguento mais esse refrão de “REFORMAS PÚBLICAS” apregoado e demandado, invariavelmente, por todos os agentes envolvidos no processo, sem que NINGUÉM explicitasse, até hoje e de forma concreta, os objetivos e a natureza dessas reformas. Não consigo entender um clamor tão difuso, tendo por foco unicamente um esotérico rótulo, sem que se estabeleça uma grande discussão nacional sobre o que se pretende nessas reformas públicas. Pra começo de conversa uma indagação: já “combinaram com os russos”? Ou seja, vai-se montar uma reforma política, social, econômica, previdenciária, administrativa neste país sem se ouvir a população brasileira? Já esqueceram os movimentos de junho de 2013? Tomando como mote seus comentários, cito alguns pontos apenas para contribuição ao debate, na medida em que são de aparente facilidade burocrática, mas de terrível dificuldade política. 1.) A questão da representatividade, falseada pela proliferação de partidos sabidamente montados para exploração através da venda de espaços em chapas partidárias, tempos de televisão, eleição de candidatos sem votos, etc. O respeito à liberdade de associação e expressão não permite qualquer medida que restrinja a sua criação, mas é fundamental que se proíbam as coligações partidárias! para os cargos proporcionais. Aí se resolveria em grande parte essa questão. 2.) A crise do sistema previdenciário, parcialmente montada numa odiosa desigualdade de tratamento entre vários setores da sociedade, em que alguns setores privilegiados conseguem reajustes em desacordo com a realidade nacional, enquanto se promove um injusto achatamento das pensões previdenciárias do setor privado. Logo os aposentados do setor privado estarão nivelados em um salário mínimo. É fundamental que se estabeleça uma regra, como cláusula pétrea constitucional, determinando que qualquer reajuste, sob qualquer forma, a qualquer título, de qualquer área do serviço público estará submetida ao mesmo índice de alteração do salário mínimo constitucional! Muito cuidado entretanto na redação do texto, pois caso contrário o Judiciário encontrará sofregamente uma “brecha” no aspecto formal da legislação para desmoralizá-la. 3.) A grande fonte de corrupção que leva algumas obras públicas ao absurdo de decuplicarem o seu valor além do contratado, é o criminoso conluio entre os legisladores, ordenadores e empreiteiros na execução dos contratos de obras e serviços. É fundamental que, sem quebra das regras democráticas, seja proibida a participação nas licitações de serviços e obras públicas, de qualquer modalidade! de empresas ou firmas individuais ou coletivas, que tenham contribuído para candidatos, partidos políticos, comitês financeiros , seja diretamente ou através de empresas coligadas. Não foi possível a edição da Lei da Ficha Limpa, da Lei de Responsabilidade Fiscal, etc. por força de pressão popular? Resta muito claro. portanto, que sem o envolvimento da sociedade brasileira não chegaremos a lugar nenhum…
os 3 candidatos farinha do mesmo saco! então vamos esperar o povo se manifestar, nas ruas novamente.
Desvios, transgressões e corrupção
são implícitos à condição humana em toda a face da terra. Não ajuda a
postura cínica do ” são todos íguais, o menos pior, deixa como estar”,
nem a busca do governo dos justos e perfeitos, por quanto inexistentes.
Esta tolice que volta e meia retorna leva à ditadura, mata a política e
a cidadania; incrementa a patifaria. O que, precariamente, coíbe a
corrupção não é o governo dos impolutos mas a punição dos normais.
Aliás, quando o PT tem sua cúpula condenada e num ato de indigência
cívica ignora uma decisão final do STF para não pagar o preço legal, irá
pagar o preço político, talvez eleitoral.
Alguém já disse que o pior pecado que se comete é contra a esperança.
A esperança seria, a meu ver, a matéria de nossas escolhas. Sem
ingenuidade, é ela que olha para o futuro. Eduardo, com toda a inerência
humana, havia colocado Pernambuco na ribalta política do país que
certamente aí permaneceria pelos próximos trinta anos, independente do
resultado das eleiçoes. Quando tragédias como esta acontecem se perde
muito mais do que o apenas visível. Temos que aguardar o futuro.
Escapa-lhes que o atual ciclo econômico de Pernambuco que começa com a
refinaria, aquí construída contra vontade da Petrobrás, por um aparente
capricho do doidivanas Hugo Chaves, é tributo ao prestígio e resultado
das ações políticas, duzentos anos atrás, do pernambucano Abreu e Lima?
Marina não é legatária de Eduardo. Ele ainda era velado, mais sob um
clima de perplexidade do que de comoção, e ela já havia incorporado
eleitores até então fora do processo. Vem construindo desde muito um
projeto de pais que a torna, aí sim, legatária da esperança de mudanças
profundas há tanto tempo ansiadas. Vou por aí com todos os riscos do
novo.Já para Pernambuco não é o sonho nem a esperança mas o pragmatismo
e a realidade que apontam para Paulo e Marina.
Os projetos políticos conservadores de direita e de esquerda, carregam
seus sonhos. Sonhem. Não vamos ficar na superficialidade do discurso
moral, do discurso do anti, do discurso do medo. Honrem suas referências
atávicas. Escolham com realismo, mas guiados pela esperança e pelo
sonho, apesar das misérias humanas, inclusive as nossas.
Infelizmente, o problema da péssima representação política que temos no parlamento, é reflexo direto da ignorância que sustenta um sistema viciado e defeituoso que desvirtuou nossa “democracia”. Um brasileiro é considerado “eleitor”, ou seja, “apto à eleger” políticos, mesmo sem ter a menor noção do que faz um vereador, um deputado, um senador, que dirá um Presidente da República. O voto deveria ser restrito àqueles que completaram ao menos o segundo grau na escola, já que a maioria dos eleitores, semi-analfabetos, alienados, votam pelo estômago, único órgão “pensante” nesses seres menos favorecidos que, na verdade, são sempre as “primeiras vítimas” desses políticos abjetos.