Helga Hoffmann

La Mort de Socrate ( 1787)  by Jacques-Louis David

La Mort de Socrate ( 1787) by Jacques-Louis David

O Professor deu mais uma entrevista professoral, pródiga em frases de efeito, como de costume (Luiz Gonzaga Belluzzo ao O Valor 16/01/2015).* E como de costume, o Professor defendeu a inflação. Só que agora sua defesa da inflação chegou realmente ao ponto mais alto: segundo o Professor, o Plano Real, o plano que enfrentou o aumento geral de preços que havia chegado a 3% ao dia (sim, ao dia), causou “danos estruturais à economia”. E Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, estaria ocultando tais danos estruturais. O Professor chama o Plano Real de “a política econômica dita de estabilização”. A terminologia que usa é proposital, pois a garotada que se ilude com ensinamentos de um tal Professor ainda não comprava nada em 1994, alguns nem tinham nascido. Tampouco se lembram do tempo em que a inflação ainda andava na casa dos 12% ao mês (atenção, ao mês) e foi adotado o Plano Cruzado, que o Ministro da Fazenda Dilson Funaro tratou de implementar tendo o Professor como seu Secretário de Política Econômica. Quem lembra do tabelamento de preços, dos “fiscais do Sarney” e do caos que resultou do plano? A inflação só aumentou. Essa experiência o Professor não costuma reivindicar para o curriculum vitae em suas entrevistas. Prefere omitir, pois, pelo visto, se recusa a tirar dessa experiência quaisquer lições sobre medidas heterodoxas.

Ultimamente o Professor tem reivindicado, em cada entrevista, um adendo ao seu CV, referindo-se a uma aluna famosa, que conta entre seus méritos uma façanha econômica nada fácil: estragou a economia brasileira em todos os cantos ao mesmo tempo. Em quatro anos obteve inflação em alta, crescimento do PIB desacelerando até quase parar, investimentos em baixa, indústria em declínio, dívida pública em aumento, o primeiro déficit comercial em décadas e, no fim do período, até mesmo taxa de câmbio do dólar em alta, consumo em queda e emprego total em queda. Sem falar na perplexidade geral que se instalou. Agora está tudo explicado, portanto. A Presidente teve aulas com o Professor, o sábio do IE-UNICAMP.

Não é estranho? “Fui professor dela, me considero seu amigo” – disse ele, como já dissera em outra entrevista. Acrescentou que trata de “não meter o bedelho onde não sou chamado”. Parece que o Professor ficou meio chateado que a aluninha não trouxe presente no dia do professor… A frase sugere, além disso, que ele não quer ter culpa no cartório. Mas é culpa de agora ou é culpa de antes? Pois o que os críticos da política econômica da sua aluna Dilma mostram com dados é que a estagnação atual, em fins de 2014 e início de 2015, é produto das políticas do governo nos anos 2011-2014 (com uma parte causada pela situação mais desfavorável da economia internacional). O Professor dá um jeito de torcer o assunto de tal modo que a culpa da recessão é de Joaquim Levy. A economia está parada, e a responsabilidade é de quem acaba de entrar. De fato um Professor, de duplipensar.

É conhecido por qualquer um que tenha lido algum artigo do Professor na imprensa, ou ouvido alguma palestra dele, que o Professor sempre fez campanha contra o uso da matemática na análise econômica. Números ele rejeita até para quem queira estimar alguma quantidade para a mais-valia do Marx. Parece que em anos recentes sua campanha teve um “upgrade”: passou a ser até contra o uso de dados estatísticos. Não é que o Professor tenha a coragem dizer isso em linguagem clara. Mas ainda outro dia, a propósito de “política industrial”, ironizou os que querem construir “uma série temporal que colhe informações desde o neolítico até as primeiras décadas do século XIX”. Claro, um trabalhão. Vide a trabalheira de vários anos e várias equipes que foi, por exemplo, a preparação das estatísticas para o livro de Thomas Picketty, O Capital do Século XXI.

O Professor acha mais fácil atacar de Keynes. E agora, em vez de olhar os números, dizer que esses números não são presente, e sim, futuro: ameaça futura de políticas futuras da aluna que deixou de ouvir o Professor. Agora “ela capitulou diante das pressões do mercado”. Já viram exemplo mais fantástico de duplipensar? A cabeça do Professor não tem lugar para a dureza dos fatos. Então jamais poderia admitir que a aluna viu os dados da economia, percebeu que mais do mesmo não estava funcionando, e decidiu tentar algo diferente do lumpenkeynesianismo do Professor.

Segundo explica o Professor, ele aprendeu sua peculiar defesa da inflação com Keynes. O Professor sempre tem alguma citação de Keynes que ninguém sabe de onde ele tira, e acrescenta enfático: “O Keynes tinha horror a esse negócio.” Reparem só, é “o Keynes”, coleguinha dele desde o jardim da infância, não é simplesmente Keynes. Pois procurem debalde trecho em que Keynes explique como o gasto público pode aumentar sem limite e independente das receitas tributárias; “o John Maynard” deve ter soprado no ouvido do Professor.

E de onde vêm suas ideias sobre intervenção do estado na economia? Aí, de repente, sumiu Keynes e o argumento da autoridade. Sua crítica ao que chama “tolice liberaloide acerca do intervencionismo” agora trata de fatos: “Eu me recuso a discutir isso porque não conheço nenhuma economia no mundo que não tenha intervenções.” Inacreditável! E alguém em algum lugar do mundo disse que a economia pode funcionar sem intervenção do Estado? Talvez só os chamados “estados falidos” não tenham intervenções, o Estado não consegue controlar coisa alguma, e tampouco a economia, nem para a existência de leis e seu cumprimento. De novo, o Professor vem com uma frase pomposa para fugir do assunto: o que está em discussão não é a intervenção em geral, mas o tipo de intervenção adotado pela sua aluna, tais como crédito subsidiado para os escolhidos, isenções de impostos arbitrárias, controles de preço que desorganizaram setores inteiros da economia.

Não sei o que é pior, sua geléia geral de marxismo de galinheiro com lumpenkeynesianismo, ou sua desonestidade intelectual. O Professor constrói fantoches, e vive com a pretensão de poder derrubá-los. Há muito tempo atua em um movimento pendular entre uma obra acadêmica obscura, que quase ninguém lê, por ser tão hermética e confusa que precisa de tradução para o português, e a sua própria tradução, que aparece em suas entrevistas, em que deliberadamente usa expressões chulas e falsificações no limite da calúnia.

Mas agora o Professor chegou a cúmulo de usar o porrete contra o senso comum: vocês devem todos aceitar o aumento geral de preços, pois o Keynes disse que isso é que está certo. Saibam todos que quem está preocupado com o aumento da inflação não passa de “liberaloide”.

 

*  Entrevista de Beluzzo no Valor Econômico.