Fernando Dourado

Família Judaica Polonesa, 1900.

Família Judaica Polonesa, 1900.

“O lar é um sentimento, mais nada. O lar é ilusório, como o amor, que depois desaparece. Depois que você parte, vira um estranho. Perdi meu lar, e isso é para sempre. Eu não voltaria para a Polônia. Esse fato dilacera meu coração. Eles não me querem lá. Todas as minhas recordações são sombras, sombras desprezíveis. Aquele país está esquecido. Lar é onde ergo minha cabeça”. In “Não Existem Heróis”, Memórias de Volta ao Lar, de Chris Offutt

 

I

Chego à estação rodoviária de Cracóvia com os primeiros clarões da aurora. O lenço de algodão está empapado do tanto que espirrei no ônibus, mas o alívio de pisar chão firme me faz relevar o mareio do corpo resfriado. Verdade seja dita, sofri muito com o frio durante a noite, no longo trajeto que me trouxe da Lituânia até aqui. Agora, enquanto aprecio o despertar da cidade, torço para que o calor se alastre pelas ruas e dê ao sul da Polônia um alento nítido de primavera.

Sempre me pergunto se saberei um dia cuidar de mim a contento. Isso porque, mais uma vez, e por puro desleixo, trouxe apenas um pulôver puído; defesa frágil diante das lufadas que sopram em abril. Ademais, é pouca roupa para quem vai passar o dia ao relento, exposto à calefação avara de outros tantos ônibus precários, e ao açoite do frio que vem da Rússia, comum na região. Mas o estímulo da viagem será um antídoto contra qualquer mal oportunista.

Frente ao guichê onde compro a passagem para Stopnica, sou abordado por um homenzarrão de hálito azedo, próprio dos bebedores de vodca. O sujeito é imenso, não faz a barba há bons três dias, mas percebo-lhe os olhos de cor cinza, como só julgava possível em linces, e um fio de baba cristalizada pelo frio a branquear-lhe os cantos da boca. Sinto-o inconformado com a curta abstinência, pois pede uns zylots para segurar o porre, se é que entendi bem os grunhidos que resmungou.

A moça que me vende o bilhete, impresso num papelzinho amarelado, informa que o próximo ônibus só sairá às 7:30. Decido zanzar pelas redondezas, comer uma salsicha em pão dormido e soletrar as placas que indicam destinos impronunciáveis em todas as direções. Logo percebo que a presença dos bêbados não é tão casual quanto me pareceu e esbarro em muitos deles, optando por afetar incompreensão embora, por princípio, não seja de ficar indiferente à sede de semelhantes. Mas deve haver algo de errado na forma como os trato. É possível que esteja ligada ao não-verbal, ou à minha gesticulação que risca o ar, pois todos me dirigem apupos. Menos mal que não os entendo. Conforta-me ver que os poloneses também fazem o mesmo, apesar de lhes darem ouvidos mais atenciosos, enquanto apontam os bolsos das calças e esticam os lábios. Seria essa forma, em tudo mais humana e compreensiva de tratar os marginalizados, um resquício da herança socialista?

 II

Por fim, partimos. Agora que deixamos Cracóvia, começo a editar a paisagem com as reminiscências de um amigo nascido há mais de oitenta anos nessas paragens. A cada curva, ecoa em meus ouvidos sua voz monocórdia e seu bem-articulado português, eivado de inconfundível sotaque da Europa Central. Na verdade, se me disponho a ir até Stopnica, o faço também para homenageá-lo, pois foi lá que ele nasceu. E como é prodigiosa sua memória, sei que o ajudarei a refrescá-la. Uma hora depois da saída, entramos no que me parece ser uma enorme planície. Aqui e acolá há uma elevação discreta, mas nenhuma ondulação topográfica que impeça um ciclista de meia-idade de subi-la montado, sem precisar fazer esforços extras. Ao longe, montes de feno enfardado assomam na paisagem onde os cavalos pastam e ostentam grande força e beleza. Quando paramos no trajeto, percebo um sobe-e-desce frenético de camponeses robustos e bem-agasalhados que é digno de nota.

Isso porque, uma vez embarcados, eles permanecem silenciosos e taciturnos, entrelaçando os dedos calosos, ou tamborilando-os nos joelhos, como se uma viagem de ônibus fosse, antes de tudo, uma experiência forçada de convívio humano a que não estão de todo acostumados. Vez por outra, um trator preguiçoso refreia nosso ritmo. Vejo-me cercado de uma beleza tal que me vem a “Pastoral” de Beethoven ao coração. E, indiferente ao desconforto, consigo cochilar ao som do motor.

O motorista é um loquaz sem platéia, pobre homem. Por mais de uma vez percebo que ele ensaia conversar com um ou outro passageiro à sua volta, embora ninguém pareça receptivo. Quando eles muito fazem para retribuir as provocações, acenam com a cabeça, e um muxoxo qualquer, que ele acompanha pelo largo retrovisor, antes da próxima tentativa. Até eu sou acionado, mas desfaleço contra o vidro frio, na tentativa de salvar migalhas de sono.

Do espelho largo cai uma flâmula com a foto do Papa e a cada quilômetro rodado passamos por pequenos oratórios instalados no acostamento da estradinha, todos bem cuidados e ornados de flores, testemunhando a devoção dos poloneses a santos e mortos. Como não pensar em Fiszel em meio a tanto fervor católico? Afinal, meu amigo é judeu. E foi como judeu que viveu sua infância no pré-guerra. Essa é outra razão para eu ir até Stopnica. E não a menor delas, é bom que se diga.

III

Pois, na verdade, sempre tive certo fascínio por essa parte do mundo e o que ela representou para os judeus. Os livros de Isaac Singer contribuíram muito cedo para aguçar minha curiosidade de visitar um vilarejo que, até um século atrás, vivia a rotina descrita nos seus muitos romances. Foi nessa parte do mundo que se plasmou um dos mais buliçosos núcleos da vida judaica de então, como sabem todos que o leram; e que acompanharam os terríveis desdobramentos dos anos 30 e 40.

Assim, toda cidadezinha tinha casamenteiros, rabinos operosos à testa de pequenas congregações, abatedores de galinhas, mulheres dadas à fofoca, relojoeiros comunistas, umas tantas almas penadas que viviam à beira da mendicância, tipos simplórios que protagonizavam grande sabedoria de vida e outros tantos que, embora sábios versados no Talmud, terminavam por se perder nos desvãos da vida prática, levando famílias à ruína e filhos a mais bem acabada infelicidade.

Quantas vezes, agora eu lembrava, não passei dias entretido com as intrigas ambientadas por ali? Faz tempo que desisti de entender o que me fascinava naquelas aquarelas que mesclavam judeus abastados à beira da assimilação com jovens intrépidos, de rosto escanhoado, que sonhavam com a Palestina como passe para uma vida entre iguais. Quem melhor do que Singer para introduzir Spinoza nas discussões entre socialistas empedernidos e homens de fé cheios de pureza?

“O sertão é o mundo”. O que me faz pensar em Guimarães Rosa em meio a este cenário ainda pulsante de vida? Tudo e nada, eu imagino. Pois é evidente que não espero poder rastrear os vestígios desse rico ramerrão na Polônia contemporânea. Poucos anos depois da chegada de Fiszel ao Brasil, esse afresco Segalliano começou a adentrar o túnel do passado a passo acelerado, e Hitler se encarregaria de reduzir a pó as pegadas de vida judaica que teimassem em sobreviver.

 IV

Contudo, se minha curta estada puder trazer à tona um vestígio perdido desse passado, me darei por verdadeiro felizardo. E não fosse a barreira natural do idioma, poderia até aventurar-me a pedir a um senhor amistoso que me levasse a um cemitério, a uma casa de banhos ou às ruínas de uma velha sinagoga. Algo me diz, porém, que esse esforço seria vão. Correria o risco, ademais, de querer aprofundar-me na experiência, o que me ligaria à cidade mais do que desejo.

Mas sei que, volta e meia, meu coração pulsará acelerado. Nem que seja pela proximidade imaginária que estabelecerei com Fiszel durante as horas em que estiver em Stopnica. Os viajantes têm uma forma toda própria de ver as coisas e de fazer valer suas excursões. E, não sei bem porque, espero que meu testemunho acabrunhado de uma cena urbana, por ínfima que seja, possa fazer com que ele reate com esse passado longínquo, e aproximá-lo dele pela objetiva de meu olhar.

Pois com tudo que possa ter sido destruído, lá permanecem os contornos gerais das paisagens dos anos 30. Certamente que a topografia mudou pouco, a luminosidade solar também e desconfio que Fiszel já viveu, na infância, uma primavera florida igual a essa. Passeou ao lado do mesmo rio e sob a copa das mesmas árvores. Nenhuma viagem é perdida, disso sabemos todos. Como poderia ser de outra forma? É o que me pergunto quando vejo o voejar caótico de uma nuvem de pardais.

 V

Assim, chego à parada de ônibus de Stopnica antes das dez da manhã. Contrariamente às estações anteriores, aqui a entrada é mais solene. Pois saímos da estrada principal e embicamos à esquerda, onde ainda nos aguardava um retorno em forma de cotovelo que faz bufar o agora silencioso motorista. Mais de duas horas tinham transcorrido desde que deixáramos Cracóvia e, finalmente, tinha eu a chance de explorar cada escaninho desse turbilhão que me revolvia o espírito curioso.

Fiszel já me prevenira que sua cidade pouco mais se tornara do que um posto de gasolina. Ora, se fosse tão pouco, a atendente do guichê não teria identificado minha parada tão rapidamente, apesar do sotaque enviesado que emprestei a meu polonês nulo. Há, efetivamente, um posto de serviço bem grande, à direita de quem chega, mas a cidade em si se estende rumo à esquerda, escalando uma pequena colina onde sobressai uma igreja. Quem lhe dera informação tão simplória?

Reduzir o conjunto a um posto, agora eu entendo, pode ser apenas uma forma de minimizar o passado, de tirar-lhe importância. E de desencorajar viajantes aventureiros, como eu, a abrir-lhe a chaga de uma infância marcada pela dor. Com isso, fica ele próprio eximido de acorrer ao chamamento interno de lá voltar um dia e de reatar com a hostilidade do meio. Assim, se tudo agora se resumia a tão pouco, por que visitá-lo? É só uma hipótese, é verdade, mas me parece verossímil.

 VI

Viajar, no fundo, pode resumir-se a dar vazão a hipóteses. E, desconfio, pode ser que eu esteja equivocado. No fundo, ele fala até hoje com carinho de sua infância. É preciso ter cautela com certas interpretações. Vivendo há muito tempo longe de minha terra natal, mal escondo das pessoas o quanto invejo conhecer quem ficou, vida adulta fora, no lugar onde nasceu. Por menos que me veja preso ao meu, onde, a exemplo de Fiszel, temo que a vida, por outras razões, não teria sido possível.

Em Stopnica, Fiszel teria sido aprendiz de rabino – do “cheder” para a “yeshivah”. Mas como alimentar um horizonte maior tendo sido a História daquela região o que foi? Será que, tantos anos passados, ele já parou para pensar que Auschwitz dista pouco mais de cem quilômetros de sua cidade? É possível que não, já que este lugar aterrador não existia como tal na época. Era só mais uma cidade polonesa, o nome sequer era germanizado. De novo as hipóteses; o monólogo sem fim dos viajantes.

Ao chegar à cidade, detenho-me na parada de ônibus e, perfilado com os passageiros que esperavam o próximo, respiro fundo aqueles ares campestres, identificando um cheiro de lenha verde agreste e acolhedor, irmão do que senti quase trinta anos atrás, quando cheguei a Rothenburg, bem a oeste de onde agora me encontro. Começo a disparar a câmara e imagino como Fiszel se sentiria se estivesse no meu lugar. Para onde acorreria em busca de suas reminiscências?

 VII

Caminho, então, na direção do centro da cidade. É lá que estão alinhadas, com alguma desordem, as casas mais antigas. E se a pátria de todo homem é sua infância, seria ali que ele encontraria os vestígios vívidos da sua. Um corvo crocita num canteiro de flores e alça voo rumo à planície. Que culpa tem a natureza se os poloneses odiavam os judeus? O que têm as árvores a ver com as vociferações de morte e as bebedeiras incontidas, onde a selvageria rural era a norma?

Enquanto abro caminho por um pequeno atalho que me leva ao casario mais austero, lembro-me que Fiszel certa vez me disse que até cogitara de visitar Stopnica com Rosa. Mas que bastara ver um documentário sobre a região para desistir. Nele um cineasta francês entrevistou habilmente os camponeses do Leste da Europa; e estes não pouparam apupos aos judeus que conheceram, aos que não conheceram ou àqueles de quem apenas tinham ouvido reminiscências caóticas e desencontradas. Pena.

Gente rústica, dessas que acorriam à missa com os sapatos dependurados pelos cadarços em volta do pescoço para evitar a pressão nos artelhos, os poloneses de Stopnica, tanto os de ontem quanto de hoje, certamente que não são dos mais tolerantes para com a diversidade. Pois não tardo a ver suásticas desenhadas em muros residenciais. Fotografo-as, mas não as mostrarei à família. Sei que isso não surpreenderia meu amigo. Mas entendo que dariam a Rosa, sua esposa, a senha para a tristeza anunciada.

 VIII

O fato é que as pessoas conhecem seus limites. E testam-nos quando se dispõem ao jogo de ganhos e perdas inerentes a opções como esta. As garatujas rabiscadas em spray e as tenebrosas “aranhas” do Reich que vejo nessa parte do mundo, provocam sensações que não estou em condições de aquilatar, devo reconhecer. Mesmo assim, lamento que Fiszel não tenha voltado aqui. Ainda que isso lhe tivesse custado a visitação de fantasmas por alguns dias. Com meu esforço, tento redimi-lo da missão abortada.

Coroando a primeira etapa da excursão, chego à praça principal. No centro, um pequeno monumento assinala uma data cuja importância não posso interpretar. As lojas de comércio são não mais do que quatro, sendo que três delas estão perfiladas do lado oposto à agência de correios, e uma, solitária, na mesma calçada. O dia ensolarado convida os comerciantes a expor suas mercadorias ao ar livre. Dois ou três pequenos grupos estão formados por ali e me observam em silêncio.

A vendedora de frutas e legumes apresenta meia-dúzia de caixas de madeira onde pontificam maçãs muito bonitas, umas poucas pêras acanhadas, batatas recobertas de terra e cabeças de alho raquíticas. A matrona polaca sorri com timidez diante da minha curiosidade em apalpar frutas e legumes tão triviais. De que planeta vem esse homem, com ares de um turista apalermado, e de máquina em punho, a fotografar coisas tão banais quanto seus caixotes?

Já a padaria me remete a Fiszel de forma mais imediata. Conto uns dez pães de camponês, o que ele chama até hoje de “bauerbrot”, em iídiche, e uns tantos frios que me pareceram apetitosos. Peço à moça que me fatie um salame e compro um pão inteiro, cujos três quartos deixaria na lata de lixo da igreja, minutos mais tarde. O restante das lojas vende miudezas ou utensílios de jardinagem, o que não me dá alternativas de comprar-lhe um presente de recordação.

Mesmo assim, ainda hesito em adquirir uma pequena pá para com ela escavar um terreno baldio e trazer-lhe um pouco da terra de sua cidade num saco plástico. Mas temo que meu presente não seja bem-vindo. Pois são ambíguas as sensações que os rincões de origem provocam em quem não foi propriamente feliz neles. Contudo, deveria ter corrido o risco. O pior que poderia acontecer seria que ele despejasse o conteúdo na caçamba de lixo que dorme na praça, frente à sua casa paulistana, na rua Benedito Chaves.

Não que eu jamais tenha identificado traços de amargura permanente com respeito ao destino que o fez ver o mundo em Stopnica, repito, enclave que poderia ter sido a ante-sala de uns tantos horrores que o teriam ceifado a vida ainda na adolescência. A quadra adulta, porém, lhe reservou momentos tão memoráveis que a infância pobre e difícil há de ter-se cristalizado no que trouxe de bom: a união da família, a culinária frugal, porém robusta; a vontade sem fim de aprender e de estudar.

 IX

Mas lembro também de tê-lo ouvido por mais de uma vez referir-se aos cachorros desabusados que os camponeses arremetiam contra ele e os irmãos; aos xingamentos que ouvia e à atitude hostil daquela gente, ciosa de sua homogeneidade, diante de um punhado de judeus que se vestiam, comiam e falavam diferente deles. Há espaço para o intelectual indulgente diante da cara feia do destino quando se é criança? Está ao alcance do adulto relevar o mal à luz da história?

No caminho para a saída leste da cidade, uma senhora de lenço enrolado na cabeça e muito encurvada pergunta-me alguma coisa em polonês, gesticulando muito e arqueando a ponta da bengala no ar. Não faço idéia do que seja e respondo-lhe em russo que não sei falar polonês. Talvez a emenda tenha saído pior do que o soneto. Ela me dispensou com uma bengalada nas pernas, como se estivesse enxotando um cão sarnento que tivesse vindo farejar-lhe os calcanhares entrevados, e prosseguiu seu monólogo ininteligível.

Sem dúvida que estou sugestionado e vejo sinais de exagerada estupidez na conduta de todos, até mesmo numa velhinha meio gagá que busca o sol para aliviar a artrose, e que talvez só estivesse à procura de um dedo de prosa. O sol parece que trouxe os velhos para as calçadas e conto muitos deles que são, com certeza, contemporâneos de Fiszel. O que será que diriam se soubessem que aquele menino teve que rodar por três continentes até encontrar a mesma paz de que eles desfrutaram sem nunca ter saído de Stopnica?

 X

O sol agora bate forte e até o pulôver de lã gasta parece-me pesado. Penduro-o em torno do pescoço para proteger a garganta e sento num banco da praça, próximo a um quiosque. Um carro pequeno pára com estrépito e três jovens fortes saltam para comer almôndegas e tomar cerveja. A música que vem do rádio é a nefanda eletrônica. Estou velho mesmo. Não sei porque, logo estabeleço um nexo causal entre aquele tipo de ritmo e as suásticas garatujadas na entrada da cidade.

Faço o caminho de volta com uma agradável sensação de dever cumprido. De vez em quando, surpreendo-me apalpando o fundo dos bolsos como que para certificar-me de que os filmes estão lá. Como sempre faço nessas ocasiões, dou uma olhada final em direção à cidadezinha que logo desaparecerá na próxima curva. É nessas horas que sei se voltarei ali ou não. E, embora não saiba o que me fará refazer esse caminho, tenho certeza de que Stopnica ainda cruzará meu destino nesses próximos anos.

Nem que seja para assinalar um reencontro comigo mesmo e com um dia de fulgurante primavera em que tirei da experiência alheia uma alegria transbordante. Dessas que só a companhia diligente dos amigos queridos podem dar.

 Epilogo

Já no Brasil, separei as fotos em preto-e-branco e entreguei-as a Fiszel sem fazer comentários. Ele espalhou-as pela mesa e, a princípio, tive a impressão de que chegou a duvidar que eu tivesse acorrido à cidade certa. A igreja pareceu-lhe pequena, mas logo o vi reconstituir as linhas gerais do lugarejo, desenhando no ar pontos cardeais imaginários, como é de seu feitio. Por via das dúvidas, eu trazia na carteira a passagem de ônibus, já que me acostumei a lidar com seu ceticismo e gosto marcado pela exatidão. Acho até que gostou do que viu. Mas, no fundo, jamais saberei com precisão. Não é sempre que os guias interpretam com clareza o que vai pela cabeça de seus excursionistas.

Meu sogro, saudoso amigo e mentor – Fiszel Czeresnia – faleceu hoje, 26 de fevereiro, aos 93 anos.

Fernando Dourado Filho

Paris