João Humberto Martorelli

Espantosa é a falta de atitude da sociedade brasileira. No limite, talvez simples desencargo de consciência, surge aqui e ali uma troça com a tragédia alheia, ainda quando o alheio seja a pátria e o futuro dos nossos filhos. Nota-se também, em relação aos conterrâneos envolvidos nos malfeitos, um sentimento próximo da Schadenfreude. O termo é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro. Normalmente, quem é tomado por esse sentimento é um empresário que teria feito a mesma coisa, mas ainda não teve chance, ou fez e não foi flagrado: não se reprova o crime em si, é apenas a alegria de ser pego quem cometera o crime cujo produto se almejava. A história também não ajuda a consolidar sentimentos pátrios de parâmetros finlandeses. Vai-se ao escândalo dos anões do orçamento e se constata que, dos seis envolvidos, talvez um ou dois tenham sido efetivamente apenados. Ao maior esforço de ajuntamento da sociedade brasileira, que saiu às ruas para depor, e depôs, um Presidente da República corrupto, sucedeu-se uma decisão absolutória do Supremo Tribunal Federal. Os mensaleiros já começam a retornar a casa. Não custa lembrar que isso vem de longe. Laurentino Gomes, em sua obra “1808”, assinala que as repartições públicas instaladas no Brasil com a corte portuguesa, a Mantearia Real, o Guarda-Roupas, as Cavalariças, a Ucharia, as Cozinhas Reais, a Real Coutada e a Mordomia-Mor, deram à luz os primeiros responsáveis, em solo brasileiro, pela maracutaia e enriquecimento ilícito à custa do Erário. Os dirigentes dessas repartições, os mais famosos sendo Azevedo e Targini, enriqueceram tão rapidamente no Brasil, que foram impedidos de desembarcar em Portugal, por ocasião do retorno da corte. Isso não impediu que continuassem a roubar e a presentear suas mulheres com diamantes de 34 milhões de reais. Targini, que entrara no serviço público como guarda-livros, foi encarregado de administrar as finanças públicas, o que incluía a responsabilidade pelo pagamento de todos os contratos da corte. Qualquer semelhança com o escândalo da Petrobrás é mera coincidência. O fato é que, já naquela época, o povo brasileiro tirava graça das mazelas, fazendo versinhos engraçados sobre os dois personagens, agraciados com títulos nobiliárquicos: “Quem furta pouco é ladrão, Quem furta muito é barão, Quem mais furta e esconde, Passa de barão a visconde”. E se arrematava: “Furta Azevedo no Paço, Targini rouba no Erário, E o povo aflito carrega, Pesada cruz ao calvário”. Azevedos e Targinis continuam a brilhar na estrutura brasileira, presidindo instituições e ostentando títulos. Longe da Finlândia, a sociedade brasileira continua indiferente, fazendo troça, bebendo cerveja e brincando carnaval. E, claro, tome Schadenfreude.