Tem pessoas que são superlativas na vida, consigo mesmas e com o mundo. Não gostam de nada nem de ninguém, amam ou odeiam. Para elas, nada é normal, morno ou apenas agradável. Todo adjetivo ganha um “íssimo”, máximo superlativo, muitíssimo ou pouquíssimo, belíssimo, lindo ou feiíssimo, horrível. Quando amam, elas se esborracham numa entrega total, num absolutíssimo e apaixonadíssimo sentimento. Mas, quando odeiam se descontrolam na repulsa ao objeto detestável, igualmente apaixonadíssima. A temperatura nunca está boa ou morna, varia entre o gelado e o insuportavelmente quente, aliás, elas odeiam qualquer coisa que flutue na média. Como assim, nem belo nem feio? Ou é belíssimo ou horrível. E as ideias? Ou são brilhantes ou ridículas, verdade absoluta ou uma grandessíssima mentira ou imbecilidade. Mesmo que algumas vezes possa até inverter os qualificativos, continuará se diferenciando entre o maravilhoso e o desprezível.
Temperamento forte, fortíssimo, na verdade, estas pessoas não dialogam, brigam, não conversam, discutem, não relaxam nunca, estão em permanente estado de tensão para fora e por dentro. Brigam com seus próprios sentimentos, exageram na sua própria avaliação, flutuando da mais alta autoestima à total desqualificação, de maravilhosa a inútil num piscar de olhos, sem uma transição por moderada avaliação. As pessoas superlativas sofrem muitíssimo, mas também vivem intensa e fortemente as emoções e os prazeres da vida, não suportam o tédio e os momentos de suave tranquilidade. Estas superlativas criaturas não conhecem a melancolia, na tristeza preferem logo a angústia, se é para sofrer que seja a dor profunda que esmaga a alma. Em compensação, quando encontram os prazeres agarram com superlativa emoção, muito mais que feliz, felicíssimo, porque, afinal, a felicidade é sempre uma coisa suave, quase morna.
As pessoas superlativas são poetas na vida mas, de tão intensa entrega à existência, dificilmente conseguem escrever poemas, apenas vivendo e padecendo poeticamente. Para manifestar em verso ou prosa suas emoções superlativas precisariam de um momento de solidão, elas e uma folha de papel. Nunca! Isso é totalmente insuportável para as superlativas. Precisam de gente para amar e odiar, com quem discuta e brigue, para expressar suas angústias e manifestar suas fortes paixões. Mais vida no seu tempo, mesmo que perca tempo na sua vida. Ser superlativa não é uma escolha, é um destino. No máximo podem deixar o destino tomar conta da sua vida ou procurar moderar os impulsos superlativos. Moderar? Nunca! Moderação é a palavra mas detestável para uma pessoa superlativa, insuportável, tão horrível quanto morna, insossa, suave, melancólica.
Sérgio: talvez você carregue um pouco nas tintas ao esboçar em linhas algo satíricas este ser que é o meu avesso: o ser dos extremos. Você fala de moderação, um insulto para esse tipo de gente, e isso me fez lembrar Aristóteles, que fundamenta as virtudes éticas no meio termo, ou no ser medíocre. É talvez sintomático o fato de a evolução do termo convertê-lo em algo depreciativo, senão detestável, mesmo para quem não se balança entre os extremos. Os extremos de força vital e criativa são marcantes e deixam sua marca impressa por onde passam. Sem eles a vida seria bem mais tediosa, mas com eles ela é com certeza bem mais turbulenta e destrutiva. Se houvesse alguma sensatez e sabedoria no ser humano, o mundo seria governado antes pelos sensatos, ou medíocres, do que por esses extremistas enceguecidos pela paixão do absoluto.O único absoluto é Deus, que não existe.
Gostei muito do texto. Bem escrito, com a reflexão sobre as pessoas super, intensas. É verdade que sofrem pelas mesmas características.; o contrario também.: as pessoas medianas, centralizadas ou mesmo insossas, como no texto, igualmente sofrem por ser como são. É apenas uma analise com base em mim mesmo e o texto. Análise? Nao. Somente um comentário
Muito de acordo, Fernando!
Os “superlativos”, que prefiro chamar da passionais, talvez nem mereçam o elegante esforço analítico de Sérgio. Não é fácil trabalhar com eles. E a “superlatividade”, em si, não tem nada a ver com poesia.
É, não é Clemente? “Narciso acha feio tudo que não é espelho”! Há os superlativos e há os diminutivos. E há ainda os “caminho do meio”, os que se equilibram no topo da torre ou no alto do muro para não resvalar pra baixo, no campo dos diminutivos. Mas… na democracia há lugar pra todos eles, pra todos nós, não? Pelo menos em tese! O consolo é: viva a diversidade, inclusive de pontos de vista! Pois, na prática ela é bem-vinda. Será?