O governo sumiu.E não tem ninguém a bordo desta nave descontrolada com capacidade para pilotar e conduzir o Brasil a um voo seguro para o futuro. Turbulências sacodem e desestabilizam o país e o empurram em voo cego para o abismo. Exagero? Não, lamentavelmente, não é exagero. Com apenas 10% de aprovação da população, borrifada com gotas grossas da Operação da Lava Jato (cada vez mais perto do Planalto), e fustigada pelos próprios aliados, a Presidente perdeu completamente a governabilidade. No meio do furacão da crise econômica – inflação em alta e desemprego crescente – os políticos da base governista de todos os matizes começam a preparar o desembarque.
O ex-presidente Lula, seu padrinho político e eleitoral, estaria organizando um novo partido de esquerda (qual esquerda, companheiro?) para fugir das amarras de um partido fragmentado e contaminado, como se o PT não fosse ele próprio. O próprio PT critica a presidente e resiste à aprovação das medidas de ajuste fiscal, indispensáveis para tirar o Brasil do atoleiro em que eles mesmos o empurraram. O PMDB, maior base de sustentação do governo, prepara o rompimento com a Presidente para se livrar do fracasso, do qual obviamente é corresponsável, e se lançar solo na busca do poder. O poder! É tudo o que eles desejam sem preocupação com o Brasil e nenhuma ideia sobre a estratégia para o desenvolvimento nacional.
E a oposição? Parte da oposição, de forma oportunista, rejeitou as propostas de ajuste fiscal do governo, ajuste que iria fazer se tivessem ganhado as eleições. O que esperar dela neste momento de crise e na condução das mudanças econômicas, sociais e institucionais que o Brasil demanda para o futuro? Ao que se comenta, o ex-governador e senador José Serra negocia a filiação ao PMDB para ser o candidato a presidente por este pro-partido, já que o PSDB não entregaria a ele o bastão da disputa eleitoral. Cheiro forte de naftalina no ar. O que sobra? Alguns poucos políticos sérios perdidos no plenário e insignificantes partidos, a maioria deles orientados pelo negócio de aluguel da legenda e interesses escusos e pessoais; ou a bancada evangélica, cuja política se limita à reação piegas e insana às mudanças de costumes na sociedade.
O Brasil não aguenta mais três anos e meio sem governo e não pode esperar pelas eleições de 2018. Pior, o que se imagina que pode mudar com estas eleições? Lula, de novo? Serra candidato do PMDB? Vôte! Diria minha avó. O que parece certo é que a presidente Dilma Rousseff não tem a menor condição de recuperar a governabilidade, a confiança da sociedade e o apoio político no Congresso com o PT ressabiado e o PMDB fustigando. Nem que invente mais dez ministérios, incluindo o Ministério da Mandioca. O impeachment é a saída? Não. Embora seja cada vez mais provável, o impeachment não é uma solução (nem sequer uma rima), faltam alternativas de governabilidade de parte da oposição e dos ratos de porão que estão abandonando o barco. E se o presente é este buraco negro, o que pensar do futuro, sem uma condução séria e competente da desnorteada nave Brasil? Talvez uma esperança: que os poucos políticos que pensam o Brasil e não apenas no poder (são muito poucos) se juntem, discutam e formulem um chamado à Nação, fugindo da mesmice que domina este país e apresentando um caminho para o Brasil diante da crise do presente e dos desafios do futuro.
Isso aí. Infelizmente…
Meu caro Sérgio: incorri na insensatez de ler seu artigo desolador, mas verdadeiro até onde acompanho as evidências disponíveis, pouco antes de ir dormir. Que faço agora para conciliar o sono? Falando sério, o que é mais desalentador é constatar que não há alternativa realista à vista. Penso que seu próprio artigo corrobora este ponto de vista. Enfim, como conciliar o sono depois da leitura?
Prezado Sérgio,
Esse triste, desolador e melancólico cenário criado pela curriola do PT e seus incontáveis ignominiáveis oportunistas agregados, de fato, como bem disse o Fernando, no comentário anterior, é de provocar insônia.
Mas, como uma Fenix, renascendo das cinzas, vamos acreditar que durante a noite ( já que de dia o governo e congresso fazem o serviço oposto ), o bravo (???!!!) povo brasileiro tenha forças e disposição para saber superar essa nossa cotidiana tragédia.
Se a Alemanha e Japão, perdedores da Segunda Grande Guerra, hoje são o que são, então, parafraseando o Gil, “vamos andar com fé, que a fé não costuma faiá”…
E que seja o que deus quiser…
Aquele abraço.
Como sempre ótimo artigo e confirmação da pergunta que tem me perturbado ultimamente: qual meu papel pessoal, como indivíduo, nesse barco à deriva?
Caros camaradas
Toda sexta-feira, um dos meus rituais é acessar a Será? Às vezes concordo com sua linha editorial, às vezes discordo. Mas é sempre um prazer intelectual acompanhar o debate de alto nível, sempre enriquecedor, independentemente do alinhamento ou não ao que é editado. Agora me sinto impelido a externar minha discordância frontal a um artigo, assinado por meu amigo estimado e respeitado Sérgio C. Buarque, intitulado “Apertem o cinto!” e iniciado com a proclamação “O governo sumiu!”. E o faço convicto plenamente da postura de Sérgio e dos demais amigos da revista, de abrigar opiniões conflitantes, sem risco de qualquer abalo em nossas relações de amizade e companheirismo.
Começo confessando estar perplexo. Estou até supondo que houve um erro editorial de troca dos autores do texto. Isso não apenas pelo tom jocoso e até de mau gosto (o Ministério da Mandioca) e pela visão catastrofista da atual conjuntura nacional, em contraste com o estilo sempre sóbrio e elegante de Sérgio. Mas principalmente pelo que está implícito no texto, muito na linha da disseminação do medo, à qual a classe média conservadora é tão susceptível e cujos resultados, historicamente falando, são, esses sim, catastróficos.
Que significado podem ter as afirmações centrais do artigo, como: “O Brasil não aguenta mais três anos e meio sem governo e não pode esperar pelas eleições de 2018”, “Pior, o que se imagina que pode mudar com estas eleições? Lula de novo?”, e “a presidente Dilma Rousseff não tem a menor condição de recuperar a governabilidade”? Caramba, não entendi: se o Brasil não aguenta que se cumpra o mandato presidencial democraticamente eleito, qual é o caminho?
O próprio texto se pergunta: “O impeachment é a saída?” E responde: “Não… faltam alternativas de governabilidade de parte da oposição”. Ora, o impeachment é a mais radical das soluções dentro do quadro institucional. Mas se até mesmo ele está descartado, qual a alternativa concreta?
O raciocínio parece levar a um beco sem saída: a presidenta não se sustenta, o impeachment não é solução e também não se pode esperar pelas eleições de 2018. É óbvio que a única resposta possível a esse quadro desolador é… (Não ouso concluir).
A resposta que o artigo propõe, após pintar o quadro aterrador, é uma proposta genérica, retórica, vazia e inconsistente, tipo discurso de palanque eleitoral: “…os poucos políticos que pensam o Brasil e não apenas no poder (são muito poucos) se juntem, discutam e formulem um chamado à Nação, fugindo da mesmice que domina este país e apresentando um caminho para o Brasil diante da crise do presente e dos desafios do futuro.” Com partidos ou sem partidos? Com ideologia ou sem ideologia? Com que recursos legais, institucionais, democráticos? Atendendo a quais interesses e deixando de atender a quais outros? Como seria essa “condução séria e competente da desnorteada nave Brasil”? Onde entram os conflitos e os choques de interesse de uma sociedade complexa como a brasileira do século 21?
É espantosamente vago esse conceito de uma espécie de consenso minoritário (“os poucos políticos sérios”), capaz de levar a nossa pátria à senda da ordem e do progresso. Quais os dispositivos eficazes para fazer essa minoria de cidadãos sábios e honestos assumir as rédeas do poder (sem impeachment e sem eleições)?
Como conheço sobejamente a história de vida, o equilíbrio e as convicções democráticas do meu estimado camarada Sérgio, estou a esperar esperançoso uma próxima nota, atribuindo a autoria real do artigo.
Abraço afetuoso a toda a equipe brilhante da Será.
Caro Homero
O autor do artigo, você sabe, é um simples observador da cena política e econômica do Brasil preocupado com o desenvolvimento e com a sustentabilidade, incluindo a sustentabilidade institucional. Um observador que, vez ou outra, busca externar sua análise e suas ideias, quase sempre controversas, não para “disseminar o medo”, mas para provocar o bom debate como este que você nos oferece no comentário.
Seu comentário, que amplia e acirra o debate, já é um resultado positivo do artigo, mesmo que também irônico e que recorra ao estilo Marco Antônio com seu brilhante e manhoso discurso sobre o cadáver de Júlio Cesar: “Mas Brutus, Brutus é um homem honrado” (Mas Sérgio, Sergio não escreveria isso). Em todo caso, você tem razão quando diz que a proposta – articulação dos políticos que pensam o Brasil – é vaga e genérica. Ocorre, caro Homero, que o artigo reflete uma inquietação com o quadro atual e com a carência dramática de homens públicos que pensem além do seu próprio poder.
Ao manifestar essa inquietação e propor uma articulação política estou, na verdade, fugindo de um desenlace traumático que você nem arrisca formular. Em artigo anterior que você talvez tenha lido, propunha uma aliança entre Lula e Fernando Henrique – duas grandes lideranças políticas, que têm mais afinidades que divergências – para formular uma estratégia política em torno do que têm de comum e oferecer à Presidente uma nova base de sustentação. Seria um “chega pra lá” em Dilma, ao mesmo tempo em que garantia governabilidade ao seu governo. Ouvi, na ocasião, comentários de que era uma grande ingenuidade. Vejo agora que era mesmo, era mais um desejo que um projeto que, na verdade, não dependia do articulista. Noutro artigo mais recente, analisava e até comemorava que a presidente tenha percebido sua incapacidade de conduzir a economia e articulado uma base política no congresso, entregando a primeira ao ministro Levy, e a segunda ao vice Michel Temer. Mas também ai as coisas não foram como se pensava: quem manda no Congresso é Eduardo Cunha e Renan Callheiros, que refletem o interesse dominante dos deputados e senadores com o poder e as vantagens que este oferece, inclusive pecuniária.
Quando rejeito no artigo “Lula de novo” é porque este também pensa apenas no poder e nas próximas eleições, nem sabe para que, e ainda começa a se distanciar da presidente, como qualquer rato de porão, e parece articular um novo partido. Veja que também recuso aceitar a alternativa de Serra com o PMDB, negociação aparentemente em curso que, como digo, tem “forte cheiro de naftalina”. Não preciso aqui fazer uma declaração de fé democrática, mas o que alerto é que, se não houver um novo realimento político neste momento de desorganização da nave, podemos chegar em 2018 aos pedaços e, mesmo sem acreditar muito na viabilidade de um golpe, temo pelo pior. Como temo o impeachment que dá vez a Michel Temer e Eduardo Cunha.
Não quero escrever um outro artigo, mas seus comentários estimulam um bom debate. Assim, um último comentário. A proposta de uma articulação dos políticos que pensam o Brasil parte de duas constatações: Em primeiro lugar, que os partidos brasileiros, mesmo os que não são de aluguel, não são uma instância ideológica que expressem interesses, nem mesmo o PT, que já foi e não é mais; e que, portanto, um realimento político dificilmente passaria por eles. E em segundo lugar, entendo que homens públicos que pensam o Brasil (dispersos e isolados em vários partidos, PMDB, PT, PSDB, e PDT) podem/devem se articular em torno alguns pontos comuns e fundamentais para oferecer uma alternativa de realimento político e governabilidade. Significa uma proclamação à sociedade que aponte um caminho, para evitar o pior, com os acordos possíveis se têm como elo comum um projeto de nação. Não tenho ilusões e receio que seja tão difícil quando um acordo entre Lula e Fernando Henrique. E embora o articulista não tenha influência política, o artigo pretende jogar a responsabilidade do futuro do Brasil sobre os homens públicos que acreditem e “não desistam” do Brasil, como falou Eduardo Campos.
Sinceramente, Homero, não vejo outra alternativa para lidar com uma situação dramática que combina crise econômica, crise de governabilidade e crise moral (esta também, infelizmente, envolve todos os partidos e uma quantidade razoável de políticos). Será? Não tenho certezas, mas tenho muita inquietação. Na minha opinião, na condução da política econômica, a presidente Dilma está acertando. O problema é que ela não tem força política nem liderança e capacidade de articulação para ter base no Congresso e para convencer a sociedade da necessidade de ajustes para sair da crise. E os ratos de porão, incluindo muita gente do seu próprio partido, estão fugindo dela pra não se contaminar com o alto nível de rejeição na sociedade, pensando apenas nas próximas eleições já em 2016.
Em relação ao mau gosto do “Ministério da Mandioca” você está certo. Mas reflete uma irritação (que, reconheço, não é boa conselheira) com o discurso ridículo da Presidente agarrada a uma mandioca. O lado sério deste mau gosto é a critica à busca de construção de governabilidade com a criação de muitos ministérios para distribuir com a compra de apoio no Congresso, tão frágil quanto viciado.
O artigo não pretende ser uma coleção de certezas, seguindo o principio da Revista Será?, “penso, logo duvido”. Assim, suas criticas, que também estão carregadas de irritação (má conselheira que, às vezes, ajuda a refletir), é um questionamento que, não concordo, mas ajuda no processo de conhecimento. Abraços, e continue criticando.
Sergio
Está, aí, meu caro escriba, um artigo verdadeiro, que nos deixa a pensar na situação desse barco chamado Brasil. Se a fracassada comendante, abandonar o barco, que assumiria o leme? E é triste a situação que se apresenta se olharmos a linha sucessória. A oposição só pede a saída da presidente, mas não mostra uma solução, os da situação, só pensam no poder e, nós, o povo; como disse aquela ex-ministra: somos apenas um detalhe.
Camarada Sérgio:
Começo pedindo desculpas pelo tom ríspido do meu comentário, fruto, como você observou a respeito de seu texto e do meu, da irritação, má conselheira sempre. Em compensação, o tal comentário abriu oportunidade a você de aprofundar o assunto. Inclusive me fazendo compreender melhor sua proposta de uma espécie de “pacto suprapartidário”: funcionou na Espanha pós-franquista e talvez funcione aqui. Também acho que as alianças mais racionais no Brasil seriam FHC-Lula e PMDB-DEM (incluindo ou não a direita ideológica), aparentemente impossibilitada no caso PT-PSDB pela prática política provinciana paulista. No mais, em nenhum momento duvidei de suas convicções democráticas (apesar da ironia marco-antoniana, como você sagazmente apontou). Achei que, sem os esclarecimentos proporcionados por sua réplica – expandindo suas ideias – o artigo trazia implícita, pelo ceticismo acentuado, uma quase desilusão política, que é coisa perigosa, como sabemos. Ando, talvez exageradamente, preocupado com a escalada fascista por aqui, exemplificadas em casos cada vez mais frequentes e agressivos, tipo o do rapaz que se infiltrou na comitiva de Dilma, do pessoal que praticamente expulsou por duas vezes o ex-ministro Mantega de um restaurante, ou da cena dentro de um avião com o ministro Rosseto. Espero não estar sendo paranoico; espero mesmo estar errado, mas o nível de intolerância a que chegamos (geral, mas muito mais enfática à direita) é tão preocupante quanto a situação política e econômica em si mesma. Expresso essa preocupação com o famoso trecho do longo poema “No caminho com Maiakovski”, do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa (aliás atribuído com frequência ao poeta russo, certamente por causa do título):
“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
Amigo Sérgio: O comentário de Homero foi oportuno e contribuiu para o esclarecimento do tema. Mas, perdendo a cerimônia, não vejo por que o impeachment o assusta. É instrumento previsto na Constituição, e já foi usado uma vez, com sucesso. Se a hipótese jurídica se configurar, não haverá nenhuma tragédia. Como já disse Tiririca, pior do que está não fica.
Prezado Clemente,
Muitíssimo bem observado.
Cumprida as normas legais vigentes, já pudemos demonstrar a maturidade da democracia brasileira, em que pese novos descaminhos.
Faz parte do processo.
Caro CLemente, boa ponderação. Realmente, impeachment dentro das normas legais não será qualquer tragédia. E o revezamento é inerente à democracia. Grato pela contribuição.
Passamos tantos anos sem debater grandes questões do país ( a esquerda brasileira deixou isso de lado), o PT teve grande responsabilidade nisso. Que grande debate provocado por Sérgio Buarque e Homero Fonsêca. Parabéns! Lembro do tempo em que no Recife, pós – democracia tinhamos grandes debates de temais nacionais e internacionais. Aconteciam no cecosne, clube de engenharia, etc., o momento é oportuno para debatermos o Brasil na democracia. Que ocorra chamando para o debate todos os segmentos ideológicos. Por exemplo: Não seria oportuno debater o Recife, chamando todos os ex-prefeitos?