“O meu nome é da bíblia”. “E o meu é da dança”. Assim se apresentam na prisão francesa Jonas e Samba, ambos imigrantes africanos trabalhando indocumentados em Paris. Em torno do personagem Samba circulam duas narrativas: o drama da imigração na Europa e a construção de uma história de amor no campo das diferenças.
Samba Cissé é um imigrante senegalês que mora na França há dez anos, trabalhando sempre em bicos e serviços de baixa qualificação e tentando desesperadamente conseguir um visto de permanência. Num telefonema de um orelhão ficamos sabendo que a mãe depende do salário dele para viver.
Esse é o cenário do filme dos cineastas franceses Olivier Nakache e Eric Toledano: a Paris dos imigrantes. E os relacionamentos de Samba Cissé, (interpretado por Omar Sy) vão decifrando a trama do filme.
O primeiro desses relacionamentos é com as assistentes sociais de uma ONG que cuida dos imigrantes indocumentados. Há que prestar atenção ao inusitado encontro de Samba com Alice (Charlotte Gainsbourg), que está em seu primeiro caso de entrevista com imigrante. Ela é uma executiva de empresa que naquele momento está em licença depois de sofrer terrível estresse no trabalho. A timidez desses dois personagens os perseguirá até as últimas cenas.
Alice e Samba são os protagonistas da história de amor do filme. Uma linda e atrapalhada história de amor, ao estilo Wood Allen.E que está indissoluvelmente ligada ao tema do filme, a Paris dos imigrantes.
O narrador, se estivéssemos em uma obra literária, seria Samba, não por acaso nomeando o filme. É pelo seu olhar que vamos entrando na vida do universo imigrante em Paris. Esse universo será naturalmente o dos seus conterrâneos africanos. Pois não é esse o percurso natural de todos os fluxos migratórios?
Ao chegar em país estranho, é com os conterrâneos que os imigrantes se entendem na vizinhança, arranjam emprego, frequentam os mesmos botecos, a mesma igreja. Até que chegue a segunda geração, que já não terá sotaque estrangeiro e será cidadã no país. Isso se tiver migrado para os Estados Unidos. Porque na Europa a conversa é outra. Bem pior.
Samba espelha muito bem a penúria da condição de imigrante em Paris. Sua situação oscila entre fazer biscates e os trabalhos mais pesados e pouco remunerados (posto que clandestino); a procura desesperada pelo visto de permanência; e os estágios na prisão.
Três relacionamentos de Samba mostram detalhes do cotidiano imigrante em Paris. Primeiro, com o tio, que tem a situação imigratória já regularizada e representa o vínculo dele com a terra mãe. É a relação mais tensa, onde Samba se rebela sem argumentos e apenas como um esperneio de revolta, aos conselhos de pacífica acomodação do tio. Se rebela, mas termina por acatar as recomendações, como a de andar vestido como europeu e não africano.
O segundo relacionamento é com o personagem citado no primeiro diálogo dessa crítica, Jonas. Eles se conhecem no bandejão da prisão. A amizade surge rápida entre os dois. Samba consegue sair antes de Jonas, que lhe recomenda procurar a manicure sua namorada, que conheceu numa aventurosa fuga da polícia. Jonas só aparecerá quase ao final do filme, com desfecho previsível.
A propósito de procurar a manicure de Jonas, o filme mostra cenas urbanas das mais interessantes nos bairros negros da periferia de Paris. O colorido das ruas, das lojas, das roupas, nada tem a ver com a Paris que conhecemos do Quartier Latin e outros luxos da Cidade Luz.
Para nós, brasileiros, o relacionamento mais interessante de Samba é com o personagem Wilson (Tahar Rahim). Wilson é também de origem africana. Porém, aprendeu com as agruras da situação de vida e trabalho do imigrante africano negro, que ser brasileiro lhe daria dividendos favoráveis. Por isso assumiu esse nome, totalmente diferente do seu de origem.
É fantástico como a nossa emigração para outros países, tão recente, já deu para formar uma imagem (estereótipo) do brasileiro lá fora. No caso de Wilson, malandro, alegre, cordial, bom de dança e de cama. Que tem jogo de cintura, sabe tirar proveito das situações, mesmo as mais adversas.
Duas cenas memoráveis, que dão a dimensão da grande diferença entre o Samba contido e o Wilson descolado: os dois trabalhando como limpadores de vidro em um grande prédio de escritórios, cena hilária; e a festa promovida pela ONG onde se misturam os imigrantes e as assistentes sociais, algumas, umas velhinhas maravilhosas.
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O Filme Samba está em cartaz no Cinema Rosa e Silva, no Recife.
Prezada Teresa Sales.
Sempre atento leitor de seus escritos, em nossa Revista Será?, tenho de dizer que seu escrito de hoje, mostra, a atualidade da situação do imigrante, não só na França, como em toda a Europa, como publica a imprensa. Agora é esperar que o filme chegue por aqui e assisti-lo.