Luiz Antônio de Andrade Baltar

Em artigo recentemente publicado no Jornal do Commercio e na “Revista Será?”, João Humberto Martorelli enaltece, com justo orgulho, a figura de seu pai, o Professor Eleumar Martorelli, mestre de muitos que passaram, como eu, pela velha Escola de Engenharia da Rua do Hospício. Uma das motivações referidas por João Humberto, para a iniciativa da homenagem foi a proximidade do dia dos pais e da data do seu falecimento.

Aquele artigo despertou em mim a vontade de escrever algo sobre o meu pai – Antonio Bezerra Baltar- tendo também como motivação a proximidade do dia dos pais que, para nós, os seus descendentes, tem significado maior, neste ano de 2015: o dia 16 deste mês de agosto, uma semana após o dia dos pais, marca o centenário de seu nascimento.

Antonio Baltar foi professor da Escola de Engenharia e da Faculdade de Arquitetura desde o início da década de 1940 até o ano de 1964, quando foi afastado da universidade por força do primeiro Ato Institucional baixado pelo regime militar. Aposentado precocemente, tentou retomar a sua vida profissional em nosso país, com atividades ligadas ao magistério, sua vocação, tendo sempre encontrado dificuldades impostas pelo regime autoritário que se instalara. Sem condições de trabalhar no Brasil, aceitou convite da ONU para integrar os quadros técnicos de órgãos vinculados àquela instituição: a CEPAL e o ILPES, em Santiago do Chile. Viveu fora do Brasil de 1966 a 1980, período em que, a serviço das Nações Unidas, além de missões de assistência técnica a praticamente todos os países latino-americanos, proferiu aulas e conferências em vários desses países, assim como nos Estados Unidos, em Israel e em Portugal.

Meu pai tinha enorme ligação com a cidade do Recife. Quando de sua morte, em 2003, o arquiteto Geraldo Gomes, que havia sido seu aluno na Faculdade de Arquitetura, o homenageou publicando artigo no qual denominava Antonio Baltar, Ayrton Carvalho e Pelópidas Silveira “Os três mosqueteiros”, na luta pela defesa do patrimônio natural e construído da cidade do Recife.

A tese com que se submeteu, em 1950, ao concurso para a cátedra de Urbanismo na Escola de Arquitetura – Diretrizes de um plano regional para o Recife – constitui mais uma demonstração de seu interesse por sua cidade. Foi um trabalho pioneiro na abordagem da questão metropolitana em nosso país e, ainda hoje, é referência importante nos cursos de urbanismo em Pernambuco e em vários outros estados do Brasil. Somente 23 anos depois daquela primeira abordagem foram criadas, em 1973, as primeiras regiões metropolitanas.

Antes de 1964, além de sua atividade acadêmica, meu pai participou da Comissão do Plano da Cidade do Recife, durante mais de 15 anos, tendo sido inclusive seu secretário e depois presidente. Nesse período contribuiu para a definição de regras sobre o uso e ocupação do solo, contribuição essa influenciada positivamente pela sua condição de professor de urbanismo. Dentre todas as definições de então, ele destacava a regulamentação dos recuos das edificações em relação aos limites dos lotes, tanto maiores quanto mais elevadas essas edificações. De fato, com essa regra, grande parte da cidade do Recife livrou-se dos paredões constituídos por edifícios justapostos, que dificultam a circulação da brisa e escondem parte da paisagem, como ocorre, por exemplo, em muitas áreas no Rio de Janeiro.

Sua vocação sempre foi o magistério, tal como declarou em várias ocasiões, inclusive em entrevista concedida ao professor Antonio Montenegro e publicada no livro Engenheiros do Tempo, comemorativo do centenário da Escola de Engenharia. Por considerar um dever cívico, participou também da política partidária. Foi, no final da década de 1940, um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro- PSB em PE, tendo sido dirigente municipal, estadual e nacional. Por esse sentimento de dever, reforçado pela vontade de ajudar ao amigo Pelópidas Silveira que se candidatava ao cargo de prefeito da cidade, participou de eleições para a Câmara Municipal e exerceu dois mandatos, pelo PSB. Também nesse período de oito anos a sua condição de especialista em planejamento urbano foi fator relevante para que pudesse prestar bons serviços à cidade do Recife.

De volta à sua cidade, após mais de uma década vivendo fora do seu país, foi reintegrado à Universidade, onde ministrou aulas no Mestrado de Desenvolvimento Urbano, afastando-se depois, definitivamente, por motivo de saúde, acometido por severa deficiência visual. Recebeu da UFPE o título de Professor Emérito. Além desse honroso título, foi agraciado com várias medalhas de mérito: pela Câmara Municipal do Recife, pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo DER – PE, pela Universidade Católica de Pernambuco, pelo Conselho Municipal de Cultura, da Prefeitura do Recife.

Outra homenagem que meu pai prezava foi prestada pelo seu amigo o poeta João Cabral de Melo Neto que lhe dedicou o poema “O Engenheiro”, no qual destaca as suas preocupações sociais (…“o engenheiro pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre”…). O poema refere-se, sem citá-la textualmente, à construção do edifício da Secretaria da Fazenda do Estado de Pernambuco, considerada um marco da arquitetura moderna, em Recife, obra do início da década de 1940 para cuja viabilização e concretização o Engº Antonio Bezerra Baltar deu relevante contribuição.

Para os seus descendentes meu pai deixou como herança os valores que defendia: a solidariedade, a seriedade no trabalho e no trato da coisa pública, a união da família. Estimulava a prática de esportes como instrumento da formação para a vida, assim como valorizava o gosto pela música.

Por fim, refiro-me a um fato que relaciona o meu pai com os Martorelli: ele era torcedor do Sport, tal como foi Eleumar; e foi presidente do clube, no início da década de 1960, tal como é hoje João Humberto.

Luiz Antonio Baltar é engenheiro civil.