Fernando Dourado entrevista o ex-Deputado Federal Geddel Vieira Lima.
O falecido deputado Thales Ramalho, ex-Secretário Geral do MDB, costumava dizer que nada é tão prazeroso quanto falar de política com quem é do ramo. Em igual medida, nada é tão torturante quanto fazê-lo com amadores, com os que escandem frases feitas e bradam chavões. Nesse contexto, não é novidade que o ex-Deputado Federal Geddel Vieira Lima, 56, enfeixa uma experiência alentada e, quando provocado, não se furta a dar um diagnóstico panorâmico. Bem entendido, desde que respeite o interlocutor. Embora eu seja suspeito para falar sobre ele – amigo de décadas -, qualquer jornalista qualificado reconhecerá que bem poucos homens públicos de sua geração conhecem tanto as entranhas de Brasília. Isso porque ele chegou ao Distrito Federal ainda estudante, quando o pai – Afrísio Vieira Lima – cumpria mandato no Parlamento, cadeira esta hoje ocupada pelo irmão, Lúcio. Dizer, portanto, que a família respira política é errar na ênfase. Pai de três filhos – o último com cinco anos – e incansável, como todo bom hiperativo, Geddel exala pragmatismo. Quer saber, já cheguei tão longe que vivo a paz absoluta dos sem-mandato. Se estiver escrito em algum lugar que voltarei ao cenário político federal, lá estarei. Caso contrário, vou cuidar da família, meu amor maior. Ou dos negócios que meu avô fundou com o suor de seu rosto.
Ex-ministro do segundo governo de Lula e ex-líder do PMDB por sete anos consecutivos na Câmara dos Deputados, Geddel atualmente preside o partido na Bahia, quarto colégio eleitoral da Federação. Ano passado, perdeu a disputa para a vaga de Senador pela Boa Terra, mas isso não lhe cortou o cordão umbilical com a capital. Isso porque não pode haver amigos mais próximos entre si do que o quarteto formado por ele, Michel Temer, Moreira Franco e Eliseu Padilha – na falta de Fernando Diniz, já falecido. Como solistas de jazz de longas noites de embalo, tocam de ouvido há quase três décadas e já viveram e protagonizaram alguns dos momentos mais dramáticos da vida pública nacional. Apesar de assertivo, e com inegável vocação para o comando – o que alguns, equivocadamente, confundem com ranço autoritário -, é atencioso e ótimo ouvinte. Dogma, aliás, não é com ele. Tampouco ódios, apesar de os muitos anos de embate com ACM terem criado a imagem belicosa, num sinuoso jogo de inversão entre criador e criatura – já que ambos disputavam espaços majoritários. Em negação ao estereótipo, Geddel se tornou bom amigo de Luis Eduardo, sofreu com a morte do colega e foi dar condolências ao pai desafeto. Em igual medida, chorou por Eduardo Campos e, por pouco, não conheceu o mesmo destino, quando Ministro, numa manobra de um jato da FAB no aeroporto do Recife.
Hoje, 1 de setembro, enquanto Jaques Wagner e Walter Pinheiro – adversários estaduais – perdem o sono para tirar das labaredas o que sobrou do governo Rousseff, Geddel já pensa em outra direção. Mal começamos uma conversa exclusiva para Será? e ele já rebateu com gravidade minha provocação de que a Bahia teria dado a vitória à Presidente. De fato, isso aconteceu. Mas, ressalta: hoje ela já teria a rejeição cabal de 75% dos soteropolitanos e, com a deterioração de alguns programas sociais – por absoluta falta de sustentação orçamentária -, o interior acompanhará o movimento mudancista que varre o pais em escala crescente. Discípulo do velho Ulysses Guimarães, de quem coleciona histórias comoventes, três aspectos me chamaram a atenção na conversa que me permitiu gravar. O primeiro tem a marca do Velho Leão da Constituinte. Segundo ele, Dilma é uma “inadimplente da palavra”. Nas eleições, lesou a opinião pública de caso pensado. Ademais, fraudando um cânone político importante, é péssima na hora de cumprir acordos e respeitar o combinado. Geddel questionou Lula quando da indicação da colega, confessa. Sabia que era autoritária e má ouvinte. Que lhe faltava “tamanho” e, até hoje, se acha a própria “professora de Deus”. Por imposição partidária, contudo, ainda aceitou ficar a bordo do Governo, mas logo saiu. Lula dizia que ela era boa tanto para ganhar quanto para perder. Está aí o sortilégio: a agonia a céu aberto, a degradação do País, o parlamentarismo branco e o real de argila.
Nessa toada, perguntei em segundo lugar o que poderia tornar o afastamento de Rousseff inevitável. Sem titubear, Geddel aludiu à continuação do esgarçamento do tecido social, quase inevitável. Ou seja, o agravamento da crise econômica, o desemprego e o recrudescimento de uma inflação que resvala níveis perigosos, embora ainda não críticos. Essa combinação lhe será fatal. Irônico, negou que a apresentação de um orçamento deficitário signifique transparência, como quiseram dar a entender. Balela pura, sofisma de quinta, rebate. Atribui isso a pura incompetência e alerta para a gravidade da crise fiscal. A desindustrialização assoma como ameaça crescente; os salários estão corroídos; a perda do grau de investimento é inelutável e as ruas voltarão a falar mais alto.
Desabafa: nem na renúncia de Collor, vivemos um clima parecido. Desesperança é a palavra do momento. Rousseff não tem autoridade moral para pedir sacrifícios a ninguém porque não se vislumbra nada de melhor para amanhã, enquanto ela estiver lá. Como poderá conduzir o Brasil a bom porto por mais três anos e meio? Ela não é nem Chefe de Governo – pois só pensa que preside, mas não pode ir à esquina. E tampouco é Chefe de Estado, engodo que só corrói nossa respeitabilidade mundial. Conclui: a maior conquista de minha geração foi a estabilidade econômica e ela está por um fio. Isso é doloroso. Veja o que anda dizendo o próprio André Lara. Estamos adernados.
Por fim, sabendo da ligação que o une ao Vice-Presidente, quis aferir como o político de Tietê sente o momento. Geddel reforça o que vem dizendo diuturnamente em sucessivas rodadas de conversa com o velho amigo, hoje ocupante do Palácio do Jaburu: Temer precisa sair do varejo da política e da articulação menor, e se imantar do papel quase inapelável que lhe reservou a história. A sociedade não mais aceita toma-lá-dá-cá ou a política de balcão. Ela já cumpriu o papel que tinha a cumprir, se é que se pode dizer assim. É passado. É história. Está datada. Todos tivemos responsabilidade nisso, mas passou. A cooptação já não se alinha à contemporaneidade dos homens públicos. No auge da maturidade e sem ilusões quanto à gravidade do momento, Temer estará à altura do desafio de conduzir a nau Brasil pela normalidade da transição. Reforça: Michel é um escravo da Constituição. No Palácio ou não, será o que prega em sala de aula. Pergunto se ele tem mais alguma a dizer. Meditativo, dá uma arrancada final: eles são fracos demais, despreparados, faltou escola e boa fé para os petistas. O mundo respirou uma quadra virtuosa e nós não aproveitamos os bons ventos para avançar. Isso se deve em grande parte ao ranço ideológico que é um bacilo que se infiltra devagarzinho e contamina o organismo. Precisamos despertar desse pesadelo. Veja bem, tenho pai vivo para me inspirar e filho pequeno para encaminhar. Farei minha parte. E assim nos despedimos.
Fernando Dourado Filho é colaborador da Revista Será?
Fernando, saudações,
Sei e acompanho sua amizade e convivência de anos com o Geddel.
Sua breve entrevista ratifica as impressões que sempre observava, nos comentários que você fazia sobre ele.
Também concordo com o diagnóstico desse nosso lamentável cenário político e o papel que o Michel Temer ainda tem a oportunidade de representar na história.
Porém, o que mais me aflige, é constatar a quase completa inércia daqueles que poderiam e deveriam estar propondo soluções e alternativas mais objetivas e consistentes para aceleramos essa missa de sétimo dia, sem fim.
Cadê a OAB?
Cadê a ABI?
Cadê a Igreja?
Cadê a FIEP?
Cadê os intelectuais, filósofos e pensadores desse imenso país?
Cadê todos, pelo amor de Deus?
Ninguém se mexe?
Como sou um otimista inveterado, um quase “Always Happy”, vou me manter firme acreditando que dias melhores virão.
Amém.
Fernando,
Que bom ter notícias do amigo. Texto primoroso esse sobre Geddel. A
roda gigante da política está a girar rapidamente, o que significa que
aqueles que estão no topo irão submergir e os que estão embaixo,
emergirão.
Abraço forte,
Felipe
Amigos,
Eis duas presenças queridas de gente que acrescenta às credenciais magras do escriba. Para ser bem sincero, Hélio, eu sou um descrente total no papel de governos em geral. No coração de minhas utopias mais caras e secretas, reinaria uma sociedade como a que conheci na adolescência, quando morei num kibutz e ali vivi os melhores dias de minha vida. Mas sei que Felipe riria de tamanho desvario.
Quando vejo, porém, um cara com a formação de Joaquim Levy urdir, por desespero, uma mordida de impostos sobre tablets e iPads – instrumentos de trabalho e de educação -, adoraria ver a eclosão de um movimento de desobediência civil. Como pode alguém que é fruto legítimo da melhor tradição acadêmica americana trair suas convicções mais profundas para salvar a face de embusteiros contumazes?
Embora compartilhe seu otimismo de longo prazo – se estarei aqui para testemunhar esse momento é fator secundário -, acho que precisaremos viver uma refundação. A lava-jato é um marco importante; a renovação dos quadros do Parlamento promete; a presença na administração pública de uma gente jovem e motivada fará enorme diferença. Mas a capacidade de resposta do Estado será sempre fraca.
Nesse contexto, sonho com a sociedade em rede; agendas globais e suprapartidárias; movimentos concertados que enfeixam formas não-convencionais de participação política; com a eclosão da cidadania global; com o fim dos nacionalismos cegos; o consumo consciente; a maternidade responsável e a compaixão. A imagem daquele menino na praia de Bodrum é o retrato da distopia.
Quanto à conversa com Geddel para Será?, tentei me abstrair ao máximo do amigo embora não me sentisse obrigado a atuar como jornalista – o que não sou. De qualquer sorte, dela se conclui um fato básico: o PMDB é pragmático e as declarações de Temer sobre a insustentabilidade de Rousseff diante dos índices degradados de popularidade, diz muito do que pode ocorrer doravante. Sou otimista, mas estou pessimista.
Abraço para vocês e obrigado pela visita,
Fernando
Fernando,
Entre a imagem de Petronio Portela, Golbery do Couto e Silva e Ibrahym….da quinta ficam indagações sobre os avanços e retrocessos da política brasileira. O velho Ulisses, Tancredo, Doutel, Leonel de Moura Brizola, Jango e eis que acabamos outra vez no exemplo tosco do espelho de Jânio Quadros espiando Fernando Collor e à espreita Dilma, a búlgara, que restará no rodapé da história. Que lástima. E o conterrâneo do sítio do Caetés não podia nunca nos submeter a este estado de coisas.
ab
Meu caro Fernando,
Parabéns pela bela entrevista com o Geddel Vieira Lima,nosso inteligente amigo e combatente político baiano,desde a juventude.
Acho que o Vice Temer deveria organizar e liderar uma frente de colisão tipo o Centrão de outrora, para fazermos a transição necessária e pacífica para sairmos da séria crise que o país se encontra.
Forte abraço,
Rogério.
Querido Rogério,
Não há como discordar de você. Na prática, acredito que um movimento nessa linha esteja em franco curso. Uma coisa me parece certa: ninguém pode dizer com precisão onde a volatilidade dos humores nos levará. Nesse intervalo, o Brasil agonizará. Em quaisquer cenários, 2016 promete ser um ano muito ruim.
Abraço,
Fernando