Que isso ia acontecer era sabido. Aliás, no jargão dos economistas, o mercado já havia “precificado” uma perda do grau de investimento, isto é, o Brasil já estava pagando juros por crédito (seja títulos da dívida pública, seja bônus corporativos) bem mais altos do que o normal para países cujo risco de crédito tem grau investimento. E a taxa de câmbio entre o real e o dólar igualmente já refletia em parte uma perda de confiança dos investidores.
Ainda assim, duas surpresas. Primeiro: ninguém achava que era p’ra já. Mesmo a economista que declarou há uma semana na CBN que o Brasil com toda certeza perderia o grau de investimento se continuasse na trilha em que estava, a do déficit, surpreendeu-se: “Ninguém achava que pudesse ser algo tão iminente.” (Monica de Bolle em O Estado de S.Paulo, 10 de setembro de 2015, pág B7) Segundo: a nova avaliação manteve a “perspectiva negativa” para o risco brasileiro, isto é, a nota pode ser cortada de novo nos próximos meses caso piorem as contas públicas e aumente a turbulência econômica.
Em suma, o que os economistas previam foi anunciado na noite de quarta-feira: na avaliação da Standard & Poor’s o Brasil passava do último nível de grau de investimento, BBB, para o primeiro nível da categoria “junk”, BB, que é de algum grau especulativo, ainda não é risco de calote, mas as garantias são menores comparadas com o grau de investimento . Uma triste notícia para os brasileiros, pois dá a medida da gravidade da crise econômica em que o país se encontra. O que tanto trabalho custou ao Brasil obter, em 2008, foi sendo gradualmente corrompido e destruído de 2010 em diante.
A esperança é que o rebaixamento leve o governo, em especial a Presidente da República, a reconhecer a gravidade da situação e a tomar as medidas de correção necessárias. Estas passam necessariamente por um ajuste fiscal, prometido no início do governo, e que até hoje nem ao menos começou direito. O gasto público desordenado e com critérios duvidosos, além dos subsídios e desonerações, levaram nos últimos cinco anos ao rápido aumento da dívida pública, trouxeram a estagflação e a perda de confiança. Em conjunto, a desorganização da economia culminou com a perda do grau de investimento.
Infelizmente as “reações do dia seguinte”, até agora, não permitem ter muita esperança. Sobretudo porque declarações não bastam. “Política econômica do gogó” só funciona uma vez, quando o anunciado se confirma. Para dirigentes que já não tem credibilidade, o que esperar das palavras? No dia seguinte ao rebaixamento, a Presidente da República mandou “acelerar os cortes”, a mesma que poucos dias antes havia declarado que o governo já havia chegado “no osso”. Em que acreditar? O que esperar de uma Presidente que “reafirma seu compromisso com o ajuste fiscal” e envia ao Congresso uma proposta de orçamento para 2016 com déficit? Isso quando já houve déficit em 2014 e os cálculos honestos já admitem que em 2015 não se obterá superávit primário, nem mesmo o da última revisão para baixo.
O Presidente Lula, na Argentina, onde já havia declarado que a única diferença entre Brasil e Argentina são as opiniões sobre Neymar e Messi (ou foi sobre Pelé e Maradona, não lembro), afirmou indignado, em tom raivoso, que “as agências não valem nada” e aproveitou para atacar cortes de gastos. Ao recordar o entusiástico anúncio feito em 2008 pelo mesmo Presidente Lula teríamos que concluir, por coerência lógica, que ele acha que “o Brasil não é país sério”. Quem se lembra que em 2008, quando a Standard & Poor’s classificou o Brasil como grau de investimento , Lula anunciou entusiasmado, que “o Brasil havia conseguido ‘investment grade’, que ele nem sabia como se falava isso, mas que o que isso significava era o seguinte: “o Brasil é um país sério”. Agora ele disse que a S&P , além de não valer nada, não examina país europeu nenhum, o que de novo é mentira ou má fé (ou campanha eleitoral): pois até os EUA já sofreram rebaixamento, na crise de 2008-2009 (de AAA para AA).
Para o Professor da “Presidenta” e um dos comensais regulares do Palácio do Planalto no primeiro mandato de Dilma Rousseff, assessor e cúmplice da política econômica daquele período, “a tentativa de impedir o rebaixamento acabou determinando a decisão da S&P” (Luiz Gonzaga Belluzzo, O Estado de S.Paulo, p. B5). Como de costume, uma frase de efeito confusa, que precisa de tradução: segundo ele a culpa do rebaixamento é do ajuste proposto pelo Ministro Joaquim Levy, um ajuste que sequer começou. Que ajuste fiscal é esse que dá déficit em 2015 e 2016? Claro, o Professor que não quer assumir sua parte da responsabilidade pela recessão é quem sabe os motivos da S&P, de nada valem as explicações da própria agência, que mencionou “falta de vontade” da Presidente em fazer o ajuste fiscal, falta de projeto, falta de sentido de urgência.
A própria Presidente Dilma Rousseff, no dia seguinte, 10 de setembro, deu uma longa entrevista à jornalista do Valor Econômico, Claudia Safatle. Mais uma vez, a Presidente se compromete com a meta fiscal. Será que dessa vez as palavras serão reforçadas por ação? A Presidente continua a defender, nessa entrevista, a política econômica do primeiro mandato, não dá importância ao rebaixamento, se declara “em uma fase confuciana” ( “o caminho do meio e da harmonia”) , diz que não existe isso de ortodoxia versus heterodoxia. Quem sabe há base para um fiapo de esperança quando, já no fim da entrevista, defende “estabilidade fiscal como valor permanente”, idem “controle da inflação”, idem “sistema financeiro rígido, robusto, sem bolhas”. Será que haverá alguma ação concreta? Além de que, a essa altura, a gente não sabe muito bem o que esses termos significam para ela. Ao ler as nove laudas de perguntas e respostas só consegui lembrar que nas manifestações de 7 de setembro em Brasília havia um boneco gigante inflável de uma mulher com nariz mais comprido que o de Pinochio. Quem sabe os “agentes econômicos”, investidores e consumidores, não repararam.
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