(*) Leonardo Gill
Um pouco de história: em março de 1999, a Marcha dos Cem Mil invadia a Esplanada dos Ministérios, composta essencialmente por movimentos sociais como MST, CUT, UNE e diversos sindicatos de trabalhadores, bem como partidos políticos alinhados à esquerda, PT, PC do B, PDT, parte do PMDB. Em memórias distantes e perdidas de infância, as imagens – um pouco mais forte que as lembranças longínquas dos caras pintadas – ainda remetem a um início de manifestação de interesse nacional pela política brasileira.
4 pedidos de impeachment chegaram ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB – o mesmo partido que tinha parte de seus membros na Marcha), que arquivou os pedidos. Com as devidas proporções mantidas, é possível traçar um paralelo quase simétrico com 2015: uma coalizão de grupos de oposição ao governo insatisfeita com os mandos e desmandos do primeiro mandato do(a) presidente(a), uma baixa popularidade do chefe do Executivo (com uma proporção muito maior para a atual presidente – com a ajuda das redes sociais, os escândalos são devidamente amplificados), evidências de crise financeira e de esgotamento de um modelo econômico. Há talvez um agravante para o cenário hodierno, que vem do fato de que investigações vinculam a presidenta a práticas ilícitas, as chamadas pedaladas fiscais.
A partir dessa breve e grosseira descrição, podemos pensar sobre a ação dos atores em questão a partir de uma visão da racionalidade política, um construto que permite aos cientistas políticos fazer análises com o objetivo de melhorar a previsibilidade das ações dos partidos e dos políticos dentro e fora do governo. A Tese da Escolha Racional tem suas origens na segunda metade do século XX, com autores como Anthony Downs, William Riker, Mancur Olson, entre outros, e parte do pressuposto que agentes políticos, em geral, almejam aceder ao poder, e, quando eleitos, desejam permanecer no mesmo. Pode parecer básico, mas esse simples pressuposto pode dizer mais do que se imagina.
Uma das premissas básicas da democracia é de que as eleições ocorrem para escolher um governo e que elas devem ocorrer de maneira periódica. De fato, é importante para a oposição que um governo eleito não restrinja essa regra, justamente para que ela, em uma futura eleição, tenha chances de vencer. É tanto que o maior atentado contra a democracia que um político ou partido eleito pode cometer é impor restrições a esse sistema, como aumentar o número constitucional de reeleições, impor restrições às ações dos partidos de oposição, ou simplesmente tentar aprovar medidas que aumentem o período de um mandato. Pelo lado dos que perderam a eleição, é importante que eles aceitem a derrota, para não dar justificativa a que uma oposição venha a contestar sua vitória no futuro.
Dessa forma, observando apenas pelo lado da escolha racional, há racionalidade em pedir o impeachment agora? Não seria mais rentável fazer uma oposição construída e apostar no desgaste do governo até a próxima eleição? Não é perigoso torcer pela saída da presidenta, dando justificativa para que uma oposição – qualquer uma – no futuro venha mobilizar cidadãos nas ruas para pedir mais uma vez o impeachment do chefe do Executivo?
A tese da escolha racional tem grandes limitações na prática. Uma delas é pensar a política sob uma ótica bipartidarista. O multipartidarismo brasileiro dificilmente pode ser explicado por esse viés, muito embora alguns analistas políticos, como Sergio Abranches, afirmem que para o cargo de presidência, apesar de de jure haver diversos partidos concorrendo à eleição, o pleito se dá de facto entre PT e PSDB há vinte anos. Mesmo assim, é plausível observar a oposição atual no Brasil como coesa, com um objetivo único, o impeachment da presidência?
A oposição é uma coalizão composta por diversos partidos, de maior ou menor tamanho e abrangência nacional, e defender o impeachment pode causar um desgaste político muito grande para aqueles que o promovem. Alguns setores da oposição, aqueles que possuem chances reais de chegar ao poder via escrutínio nacional, estão (racionalmente?) quietos nesse momento, realizando uma oposição de fato, que promova um desgaste político do partido da situação, como Marina Silva, da Rede, e Geraldo Alckmin, do PSDB. Outros setores, aqueles que já perderam no passado, ou que são provenientes de partidos pequenos, ou simplesmente não têm a mínima chance de eleger-se nacionalmente, são justamente aqueles que estão vociferando pedidos de impeachment, fazendo alianças bizarras e contraditórias com o presidente da Câmara dos Deputados, e que até 2018 já terão perdido crédito com os eleitores e não conseguirão chegar ao poder via pleito majoritário devido ao desgaste político que pode ser escolher o impeachment como melhor arma de ataque.
É um construto simples, porém interessante.
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(*) Leonardo Gill é cientista político
O autor parece tratar o tema com absoluta frieza e neutralidade, numa base de ciência política pura, sem qualquer dimensão ética, ao nível de Maquiavel (sem qualquer conotação pejorativa, esclareço).
Aparentemente, não se apercebe de que estamos vivendo uma situação dramática, sem precedente em nossa História, e que pouco restará do nosso pobre país, se esperarmos mais três anos por uma mudança de comando nacional. E temos à mão um instrumento constitucional, já usado com sucesso no passado, para uma mudança de curso. Tudo o mais é menos importante. E não vejo irracionalidade nele.
Olá Clemente. Muito obrigado pelo seu comentário! Realmente, essa era a ideia do artigo. Reconheço sim que a situação é dramática, justamente por essa razão a tese do impeachment tem tido tanta repercussão. Talvez não tenha ficado claro, não me propus no artigo a julgar a legitimidade ou a legalidade do impeachment, não julgo ter capacidade para isso, visto que tantos atores chaves estão envolvidos na crise política do momento. Por isso, tentei defender uma tese que fosse um pouco mais neutra, que tenta mostrar como os atores atuam estrategicamente. Você tem razão, há racionalidade no impeachment, mas somente para alguns grupos.
Falando em construtos simples – objetivo final do autor -, me ocorre citar o que li à farta na imprensa nacional sobre Eduardo Cunha. Para ele, tudo é uma questão de dosagem – seja de dinheiro seja de porrada. Se um não resolve, é porque está faltando o outro na medida adequada. Não deve ser por outro motivo que Jarbas Vasconcelos o acoima deliberadamente de psicopata. E o PT começa a ver nele um aliado, sob a ótica do “racional”.
Isso dito, me remeto ao artigo em questão e nele identifico outro construto eivado desse maquiavelismo sinistro que, reconheço, habita a cabeça de muita gente. Será que o impeachment é “racional”? Leia-se: suponho por racional, pragmático ou inteligente. Certo? Pois bem, poucas vezes vi uma visão tão reducionista lavrada por escrito. Se não é uma formulação inédita, tampouco é incomum em rodas de gente dita realista, pés no chão.
Mas ora, vejamos. Não se trata de ser racional ou não. Por certo que podemos esperar o adensamento de atos delituosos para desfechar um golpe de misericórdia que varra quaisquer resquícios de um pesadelo. Mas não precisaríamos ter chegado a Auschwitz, se Dachau já era prova suficiente da existência da barbárie. Três anos nesse passo é ficar atado a um tronco, lambuzado de mel e cercado por formigas vorazes.
O impeachment me parece estar mais do que respaldado. Desejável, porém – inverossímil mais do que racional -, seria que Rousseff pedisse para sair. Procedendo assim, as forças vivas do País se concertariam com a serenidade devida para navegar rumo a águas profundas, onde não corrêssemos os riscos de encalhe. Do jeito que vamos, a nau Brasil está a metros dos arrecifes ou dos bancos de areia. Então, adernará. Mas ela não tem esse estofo. O paladino dela dizia que ela era boa para ganhar ou para perder. Para ganhar, porque ganhava ele. Para perder, porque perdia ela.
Com o respeito que merece toda visão articulada e bem intencionada, reitero perplexidade com os termos propostos. Ademais, uma palavra como “rentável” no meio do texto, é um descalabro. Embora entenda a conotação de dividendos que se lhe queira dar, é bom lembrar que não estamos dissecando um sapo. Lidamos com um organismo vivo e pulsante, com uma sociedade lesada e sem norte. Além do mais, enredada em pulsões consumistas. Logo, não é hora de buscar janelas de tratamento. É sala de cirurgia ou a pedra de mármore, se é que me faço entender.
Fernando, agradeço a resposta. A tese da escolha racional é sim dominante em estudos da ciência política norte-americana, sendo que eu citei alguns atores, aos quais gostaria de agregar Schumpeter, em “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, uma obra interessante que ajuda a entender o que seria um conceito mínimo de democracia. Na atualidade, muitos pesquisadores utilizam da teoria para analisar vários problemas da ciência política, e o Brasil desponta com pensadores próprios, criando uma corrente nova, com o Prof. Fernando Limongi, entre outros. São pessoas, sim, pés no chão.
Como mencionei anteriormente, não me propus a julgar a legalidade ou legitimidade do impeachment, visto a complexidade da crise atual. Acredito que vai pesar mais perdas e ganhos políticos sobre um impeachment do que, se verificados, algum crime que envolva diretamente a presidenta. Basta ver o comportamento da oposição como o do próprio governo.
Já que é pra ficar no debate “frio” (se é que isso existe ):
1. Racionalidade de qual fim? Não há a racionalidade absoluta. Há a racionalidade para atingir isso ou aquilo?
2 Os desvios de dinheiro público e propinas do chamado Petrolão são mais volumosos, sim; não foram meramente ampliados pelas redes sociais.
3. Os advogados que digam qual a diferença entre ilícito e ilegalidade: as pedaladas são “ilegais” nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
4. Caso o impedimento da Presidente seja pedido exatamente porque se quer ver respeitadas a Constituição e as leis, não vem ao caso o argumento de que “defender o impeachment pode causar um desgaste político muito grande para aqueles que o promovem”.
5. A oposição (excluindo uma parte de “facebuquistas”) sabe que a situação econômica do país é grave, e que qualquer grupo que venha a tomar as rédeas do governo terá grande dificuldade para reverter a tendência de alta da inflação e queda da produção e do emprego. Restabelecer a confiança toma tempo.
Olá Helga, obrigado pela mensagem. Vou tentar responder às suas perguntas:
1. Na tese da escolha racional, o objetivo principal dos políticos é atingir o poder e nele permanecer. Sei que parece uma visão egoísta, individualista, reducionista, mas insisto que é apenas uma forma de tentar entender a ação dos políticos. Ela não necessariamente exclui outras escolhas, apenas as complementa.
2. Nesse parte eu estou falando apenas da popularidade dos dois presidentes respectivamente no começo de seus segundos mandatos; não estou julgando se cometeram desvios ou não. Até porque, qualquer desvio, por menor que seja, tem que ser condenado, neste ou naquele mandato. Como mencionei anteriormente, não estou julgando os desvios de conduta de um ou de outro.
3. Você tem toda razão: pedaladas são ilegais. Se me permite fazer uma citação do texto, não digo o contrário: “Há talvez um agravante para o cenário hodierno, que vem do fato de que investigações vinculam a presidenta a práticas ilícitas, as chamadas pedaladas fiscais.”
4. Não me propus fazer um julgamento da legalidade ou da legitimidade do impeachment de acordo com a Constituição. O que quis dizer na frase que você citou remete ao desgaste que causará um processo de impeachment para os membros da oposição aos olhos dos que apoiam o governo (eles ainda existem) e da maioria da população que elegeu a atual mandatária.
É um construto simples, porem nada interessante! Porque temos que conviver durante mais três anos com pessoas que dizem em todos os meios de comunicação, que desviaram, roubaram, corromperam e que provavelmente poderão continuara com esta pratica!Não é um caso de teoria politica (os meios justificam os fins para permanecer no poder).Como afirmam alguns : É um caso de policia!
Você aceita conviver num pais sem ética? Você aceita pagar pelos crimes alheios?
Você acredita que o tempo sara todas as feridas? você aceita pagar para uma minoria usufruir de seu trabalho do seu dinheiro para benefícios pessoais?
Sei que nessa discussão não é o que importa, mas permita-me corrigir: Dilma Rousseff foi eleita legalmente, não sou dos que dizem que houve fraude, e não há evidência de problemas importantes com as urnas eletrônicas, mas se contamos os votos nulos brancos não foi a maioria dos eleitores que escolheu Dilma. O candidato derrotado mais nulos mais brancos deu mais de metade. Só um detalhe que não vem ao caso agora, é só para registro. Ela foi eleita legalmente, sem fraude.