Luiz Otávio Cavalcanti

Semana passada

A semana começou como pintura de Portinari. Ruas pintadas de verde e amarelo. Alegria cívica expressa nos rostos de milhões de brasileiros. Pedindo o impeachment da presidente da República.

A semana terminou como a ópera Nabuco de Verdi. Com o coro dos escravos hebreus. O choro dos perplexos da terra. Na assinatura de nomeação fuga do ex presidente Lula vê-se atestado de óbito. De governo cadáver.

Com isso, a presidente Dilma levou a crise para dentro do palácio. Junto com a operação Lava jato. E a tragédia do ato maroto traz em si contradição. O que o governo quer não é o que Lula faz.

O governo queria, com Lula, restaurar o mínimo de governabilidade. O que Lula faz, no governo, é defender a si próprio de investigação. Como ficou audível nas gravações telefônicas.

O patrimonialismo, que equipou Atibaia e Guarujá, é o mesmo que transforma nomeação ministerial em proteção policial. Investigado vira ministro. E presidência, de costas para o coletivo, serve o singular.

Como cantou a ária de Verdi: “Vai, pensamento, sobre as asas douradas. Oh, minha pátria, tão bela e perdida. Que o Senhor te inspire harmonias”.

A militante presidente

Na posse dos novos ministros, o vocabulário da presidente da República foi de militante. O ambiente foi de militância. Gritos e palavras de ordem foram de militantes. Uma bandeira vermelha com estrela do PT, agitada, era da militância. Só paredes e vidros do salão do Palácio do Planalto eram protocolares.

Assim, no momento em que mais precisava unir, a presidente desune. Na passagem em que mais precisava juntar, a presidente dispersa.

A postura militante da presidente dentro do palácio é sectária. Não condiz com o senso republicano de neutralidade que se espera do governante. Ela se coloca como presidente de parcela da população brasileira. E não de todos os brasileiros.

Presidência não combina com militância. Presidência diz do todo. Militância diz da parte. Presidência é integradora. Militância é desintegradora. Militante, a presidente ficou menor.

Permanências

Com a chegada de Lula à Casa Civil, o contencioso do governo aumentou. Os ácidos comentários feitos por Lula em ligações telefônicas produziram destruição de um tsunami institucional. De uma só vez, ele atacou os ministros do STF, os presidentes da Câmara e do Senado, e o Procurador Geral da República.

Nenhum deles compareceu à posse de Lula. Também lá não apareceu o vice presidente da República, Michel Temer. Nem os ministros militares. Precisaram de poucas cadeiras na fila de autoridades presentes ao ato.

O efeito político da presença de Lula no governo foi o inverso do esperado. Ao invés de mais articulação ao governo, sua entrada no ministério provocou o caos. O governo está tonto. E isolado.

É o fim da estrada. A comissão do impeachment foi instalada na Câmara. O presidente e o relator são aliados do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha. Que é inimigo declarado da presidente. Em quarenta e cinco dias o processo será submetido ao plenário. Seguindo, depois, para o Senado.

Paralelamente, corre processo no Tribunal Superior Eleitoral-TSE. Onde se argui abuso de poder econômico na eleição da presidente. E para onde convergem informações colhidas na operação Lava Jato.

Mas, para além do provisório do poder, ficam lições. Experiência acumulada pelas instituições brasileiras. Fortalecendo-as.

A atuação conjunta de Polícia Federal e Ministério Público abriu caminho para afirmação do Poder Judiciário. A leniência moral do sistema político encontrou contraponto na solidez ética do juiz.

O custo Dilma foi muito alto. A economia está desorganizada. Inflação elevada e investimentos paralisados. Finanças públicas destroçadas. Mas as instituições sociais estão mais preparadas para o futuro.

Para além do contingente das pessoas, brilha a pedagogia dos fatos. E dos feitos. Na latitude das permanências.

* * *

Figura da semana – Carlos Pena Filho

Fechemos a semana de caos com a serena reflexão do tempo. Na palavra límpida e permanente de Carlos Pena Filho. Como em trecho de Os Interesses Perdidos.

“Sem ter chegado a parte alguma, espia
Os interesses que perdeu na viagem.
E sem ter mais nenhum, tarde confia:
É mais leve o viajante sem bagagem.

Deserto, sem caminho e sem linguagem,
Sem a lembrança até que outrora havia,
Nem sabe se existiu, quando existia,
Ou se era a parte morta da paisagem.

Muito tem de perder, mas não tem nada,
Por isso é tempo de ir adquirindo,
Pra não entregar a alma endividada.”

Até a próxima.

Luiz Otávio Cavalcanti