Num evento político de grande importância para o Brasil – a votação que autorizou a implantação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff – predominou a mediocridade, o provincianismo e a descompostura da maioria dos deputados federais. Longas, vazias e ridículas declarações de votos da maioria dos parlamentares, citando pais, filhos, irmãos, cachorro e papagaio, são um despropósito, misturando assuntos e interesses das suas vidas privadas quando estava em pauta uma decisão política de alta relevância para o futuro do Brasil. O comportamento da maioria dos deputados neste domingo foi muito pior do em que outras votações nominais anteriores de grande visibilidade, como no impeachment de Fernando Collor de Mello, exagerando no grotesco e no descolamento da realidade. A imbecilidade alcançou o paroxismo com o deputado pernambucano Eduardo da Fonte levando o filho para votar por ele, desrespeitando a seriedade do ato público que, felizmente, foi impedido pelo presidente da Câmara de Deputados. O Congresso e os parlamentares que representam os brasileiros, mesmo quando parecem expressar um sentimento dominante na sociedade, não estão à altura dos enormes desafios políticos do Brasil. Entretanto, toda mediocridade demonstrada na votação é quase insignificante diante da descompostura e do enorme desrespeito à democracia do deputado Jair Bolsonaro do PSC-Partido Social Cristão. Na declaração do seu voto, este reacionário patológico prestou uma homenagem à triste memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores torturadores da ditadura militar brasileira. A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro (OAB-RJ) reagiu com indignação pedindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a cassação do mandato do deputado federal Jair Bolsonaro. Os parlamentares, contra ou a favor do impeachment, deveriam convergir pelo menos neste ponto: a repulsa à manifestação de simpatia e apoio à tortura e aos torturadores.
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Apoiado.
Penso serem a mediocridade e a falta de compostura parlamentar um problema menor. São apenas o sintoma do X da questão. A doença é o próprio sistema político-eleitoral, cuja arquitetura pavimentou o acesso quase exclusivo a quem tem dinheiro para bancar uma campanha eleitoral, instituindo formas de financiamento que praticamente excluem qualquer um que não seja representante da plutocracia ou por ela financiado. Inclusive está aí a raiz da corrupção sistêmica, não nos malfeitos de um partido que apenas – e lamentavelmente – tratou de dançar no ritmo da valsa. Com as devidas exceções, quem se elege pelo poder econômico tem o único compromisso de manter o status quo e logo aprende que a política é o melhor mercado para suas tenebrosas transações. O fato de a maioria dessa gente ser feia, suja e malvada é só a casca. Para se chegar ao miolo, queridos camarados, o buraco é mais embaixo. E como os neoconservadores esclarecidos embarcaram no golpe (apesar de horrorizados com seus atores) e as esquerdas costumam habitar na retórica desconectada da realidade da gente comum, tudo indica que viveremos uns tempos de retrocessos, no movimento pendular da História. Que cada um lute com suas armas por suas posições.Não adianta chorar o leite derramado. Será?
O rei está nu
No último domingo, o país inteiro acompanhou pela TV (os mais combativos, nas ruas) uma votação importante: sim ou não à abertura do processo de impeachment da presidente. Acabada a votação, sobrou para todos nós um gosto amargo de ter entrado na casa de nossos representantes na Câmara dos Deputados. Grande parte das declarações de voto, principalmente dos que optaram pelo sim, foram domésticas declarações dirigidas aos familiares. Uma casa de compadres, pelo menos. Pelo mais, de negociantes de cargos, de privilégios, quando não do próprio vil metal. Ressalve-se uma respeitável minoria dos que fizeram declarações republicanas. Num momento decisivo para os rumos do Brasil, grande parte de nossos parlamentares se dirige à platéia de seus eleitores. E esses eleitores certamente se sentiram representados em nome da família, da religião e do Deus de cada deputado. Esse é a nossa sociedade, carente de educação, de cidadania e que não se sente co-responsável pelos rumos políticos do Brasil. Ainda se vota pelo compadrio da ajuda imediata, do conhecimento de família, de bairro, sem conexão alguma com as propostas e menos ainda com o cumprimento delas. Muito ainda falta para que o Brasil saia do domínio privado da casa para o domínio da coisa pública, sentido maior da res-pública.
A Universidade de Arizona, li a respeito, fez ou esta fazendo uma pesquisa sobre a diferença entre o voto e o sorteio. Assistindo ao circo dos horrores de domingo fiquei com um leve sentimento de que se fossem, os representantes, sorteados, não seria pior.
Nenhuma palavra melhor do que MEDIOCRIDADE, para mostrar o que foi a votação do ultimo domingo na Câmara.Parabéns pelo editorial. É certo que existe a liberdade de expressão mas tudo tem seu limite e, faltou compostura dos dois lados. Não se pode aceitar, em especial a declaração de Bolsanaro. Mas sendo ou não réu, o Cunha estava presidindo a sessão e os achaques a ele não caberiam em um momento histórico como o do domingo 17.04.2016. Em tempo: não o estou defendendo, lembro apenas a questão de ordem. Cassação é o mínimo que se pode desejar para o deputado Bolsanaro, mas não se pode esquecer os demais.
Simples, não é caro Homero Fonseca, enxergar o X da questão? Depois de colocado por você no seu texto.
A pergunta que não cala: por que é que até hoje a sociedade não enxergou a importância de uma reforma no nosso sistema político-eleitoral?
Creio que vale a pena debruçar-nos neste tema, juntarmos forças e aliados a fim de cortarmos de vez o nó górdio que segura a inercia do conjunto de interesses deletérios envolvidos.
Não só devemos externar nossa indignação, mas, principalmente lutar por uma definição de Politica eleitoral, sem os coeficientes de votos dos partidos, sem transferência de voto e pelo retorno do chamado Ficha Limpa. O erro está em que dos deputados eleitos a maioria não teve voto suficiente para se eleger, então os partidos políticos lançam mão desses “coeficientes” para colocar os seus apaniguados. É a mesma atitude (aética) dos deputados que usam suas verbas de gabinete para contratar amigos ou “amigas” que não precisam trabalhar. A crise é moral…….
Eu concordo plenamente com as palavras do Bolsonaro
Caro Nelson:
Embora discorde da sua posição, gostaria que você expusesse seus argumentos em favor do Bolsonaro e consequentemente o apoio à tortura.
Se for colocada com civilidade será aprovada para estimular o debate, missão da nossa revista.
Não, não disse que apoio a tortura. O que ocorre é que ambos os lados praticaram crimes de tortura e morte. O que esta havendo é apenas falta de bom senso quando se analisa o período dito com ditadura tornando os ditos rebeldes como santos e os militares como algozes, quem viveu esta época sabem perfeitamente que os dois lados cometerão erros. Estarem mexendo nestas feridas da forma vingativa com único objetivo de retaliar uma derrota em nada contribuirá e nem trará solução. A verdade verdadeira tem que vir a tona com os acertos e erros de ambos os lados e deixem a estoria para ficar registrada sem favor para nenhum lado, e quem lê-la, tirar suas próprias conclusões. Também não defendo o Bolsonaro, mas você a de convir que ele é talvez o único que tem a coragem de expor a situação de do ponto de vista dos militares, talvez de forma incisiva, por se achar atingido por ser um militar também. A verdade sem favor para nenhum lado tem que prevalecer. A vários depoimentos de “rebeldes” afirmando categoricamente que o objetivo deles era implantar uma ditadura do proletariado.
Parece-me que Bolsonaro não tem apoio algum na Câmara dos Deputados, onde vem sendo constantemente abusado (e não debatido), chamado de estuprador pra baixo por tipos especialistas no baixo calão como Jandira Feghali e Jean Willys.
O apoio de Bolsonaro a um torturador em sua declaração de voto de 17 de abril deve ser repudiado, e foi repudiado, na imprensa e nas redes sociais, e por figuras políticas importantes.
Considero que parte do apoio que Bolsonaro recebe dos seus eleitores deriva em parte dos exageros do outro extremo do espectro político, quando foram feitas homenagens e tratados como heróis os antigos participantes da luta armada contra a ditadura (sem falar de pensões e indenizações a guerrilheiros, de justiça no mínimo discutível). Como se tais guerrilheiros não estivessem, também, dispostos a matar, e como se fossem agora todos exemplares democratas.
Bolsonaro felizmente é minoria. Pior e mais perigosa é a turma que chama de “golpe” o desenrolar dos acontecimentos em abril de 2016. Chamar de “golpe” o que está acontecendo em abril de 2016 é o equivalente perfeito de chamar de “revolução redentora” o que aconteceu em 1 de abril de 1964. É idêntico o grau de ofuscação linguística. Infelizmente alguns dos que gritam que resistirão contra o que chamam de golpe em andamento em abril de 2016 estão se imaginando como réplicas dos que foram à luta armada pós-1964. Para esses, que nem viveram o golpe de 1964, é até bom lembrar que a guerrilha dos 1960s e 1970s não foi nenhum passeio, p’ra ninguém.
Sorry, Nelson, a esquerda brasileira não praticou torturas.
Praticou-as na Rússia, quando chegou ao poder, e começou a usar tais métodos até mesmo antes da Alemanha, pelo simples fato de que Hitler chegou ao poder muito depois de Stalin.
Já escrevi muito sobre isso e, francamente, hoje em dia não tenho mais paciência de escutar conversas sem as balizas do bom senso e da evidência empírica.
Sobre o projeto da esquerda em implantar a famosa ditadura do proletariado, nenhuma divergência.
Também quando escuto esses sobreviventes daqueles tempos sombrios posarem de “democratas” (no sentido de partidários da famosa [e naquela época odiada] democracia liberal), também não tenho muita paciência para argumentar.
Posso estar parecendo arrogante, mas também já escrevi um bocado sobre o assunto.
Luciano Oliveira
Luciano: como se dizia nos idos e esquecidos tempos do Pasquim, falou e disse. Opinião que requer fato tem que vir devidamente acompanhada. Por isso compartilho da sua impaciência, que nada tem a ver com arrogância.
Insurgindo-me contra os comentários que dizem que Bolsonaro é patológico. Agora que ficou bem escancarado quem foram os apoiadores do impeachment parece que “pegou mal” estar na mesma trincheira que ele (e vários concordantes com ele), então dizer que o cara é um doente até justifica, não é?
Assim como dizer que era contra os cartazes nas manifestações tipo “queremos ditadura militar”, “devia ter morrido no DOI-CODI, Dilma”, mas… estava ao lado de quem os empunhava.
Ou alguém achava que havia um “impeachment puro”, desprovido de tudo isso?
Por mais discordante que alguém seja do governo, nessas horas críticas da política os lados estão muito bem definidos: Bolsonaro tem a saúde mental perfeita e é um enfático apoiador da tortura.
Fatima
O editorial da “Revista Será?” não defendeu o impeachment e tem se restringido a analisar o quadro político do Brasil. Mas costuma deixar clara a convicção de que este governo, que você parece defender, acabou, e acabou por uma combinação esdrúxula de autoritarismo, arrogância e intolerância, complementado pela total incompetência da presidente. Acabou porque está levando o Brasil ao abismo. O Partido dos Trabalhadores, herdeiro da mistura autoritária do stalinismo com o catolicismo, propaga que é o dono absoluto da verdade e da ética e dos interesses da sociedade, puros e perfeitos, condenando o resto dos políticos brasileiros como os representantes (ainda propagam isso e parece que consegue convencer alguns incautos e desinformados, não é mesmo?). Pela idade que transparece na foto, você nunca assistiu um golpe de Estado, você não sabe o que é uma ditadura e não viveu os tempos de chumbo no Brasil. Pior, você não conhece a história de milhares de brasileiros que foram presos, torturados e exilados pela ditadura e que agora repudiam este partido e lutam contra este governo que, além de fracassado, se lambuza na lama da corrupção com uma enorme desenvoltura. Se você procurar conhecer os editores e colaboradores da “Revista Será” vai encontrar vários destes que lutaram contra a ditadura e alguns que sofreram os duros golpes da repressão, prisão e exílio. Dois terços dos brasileiros repudiam este governo e claro que no meio destes milhões de brasileiros existem todas as tendências, inclusive a ultradireita. Ocorre, cara Fátima, que o deputado Bolsonaro vem ganhando aceitação em parte da classe média por conta da indignação que o PT e seu governo geraram em grande parte deste segmento da sociedade, milhares dos quais votaram em Dilma. Ao contrário do que você pensa e do que o PT propagada, Bolsonaro é produto direto da degradação de um partido que se vende como esquerda e que despertou a frustração e desprezo dos brasileiros. A posição desta revista, expressa nos seus editoriais, não muda em nada pelo fato circunstancial de personagens bisonhos como Bolsonaro atacarem o mesmo governo que a revista condena. Ao contrário, cabe a nós, democratas e políticos responsáveis, impedir que ele capitalize a mobilização da população indignada com as mentiras, as manipulações e descalabro do governo do PT. São as lideranças políticas democráticas e sérias deste país, defendendo o fim da hegemonia petista, que podem impedir o crescimento do fascismo no rastro da degradação política do governo e da desestruturação econômica e social do Brasil.
Os Editores.
À editoria: optei por escrever agrupando alguns temas da resposta (cujo texto completo encontra-se logo acima) para este não ficar muito longo. Estamos com novos fatos mas a pauta é a mesma.
“O editorial da “Revista Será?” não defendeu o impeachment e tem se restringido a analisar o quadro político do Brasil.”
– Não? Acho que preciso estudar mais para tentar ler a Será! Analisando sem opinar? Engraçado, pra mim e pra várias pessoas para quem divulguei a Será, a posição editorial é clara como água.
“Mas costuma deixar clara a convicção de que este governo, que você parece defender,…”
– Não o defendi integralmente, visto discordar de muitas coisas mas defendi sua manutenção, sobretudo dada a ilegitimidade das ações que o destituíram. Os pesos e medidas usados e modificados ao bel-prazer continuam a me chocar, além do descaramento dos useiros e vezeiros substitutos.
“Esse governo acabou, e acabou por uma combinação…ainda propagam isso e parece que consegue convencer alguns incautos e desinformados, não é mesmo?).”
– A tirar pelos novos “representantes”, isso agora parece bem resolvido: nada de corrupção (dada a história “ilibada” de todos do atual governo), competência administrativa comprovada (escolhas “sem” loteamento de cargos), nepotismo zero. Interessante como essa história de ser dono da verdade vale pra muita gente. Pensar diferente virou sinônimo de incauto e desinformado.
“Pela idade que transparece na foto, você nunca assistiu um golpe de Estado, você não sabe o que é uma ditadura e não viveu os tempos de chumbo no Brasil.”
Pior, você não conhece a história de milhares de brasileiros que foram presos, torturados e exilados pela ditadura e que agora….”
– Tive a “oportunidade” de viver o golpe indiretamente por meio de familiares e amigos destes e nos anos 1970 já pude acompanhar os jovens da minha idade e adquirir discernimento próprio. Tivéssemos todos essa lógica, só poderia opinar sobre os fatos históricos em curso ou passados quem tivesse tal ou qual faixa etária. Por sinal, tenho visto muitos jovens (o que não é o meu caso pois já sou uma idosa, diz-me a OMS) com mais compreensão histórica do que muitos decanos. Ora, se nos tempos da oralidade a história já era transmitida talvez seja bom nunca esquecer que informação, leitura e reflexão não são privilégio de ninguém.
“Se você procurar conhecer os editores e colaboradores da “Revista Será” vai encontrar vários destes que lutaram contra a ditadura e alguns que sofreram os duros golpes da repressão, prisão e exílio. …claro que no meio destes milhões de brasileiros existem todas as tendências, inclusive a ultradireita… o deputado Bolsonaro vem ganhando aceitação em parte da classe média por conta da indignação …”
– Pois é, uma parte (e não foi pequena) da população também apoiou o golpe de 1964, indignada com o que chamavam “baderna”. Aliás, se formos atrás, veremos que muitos desses movimentos na história tiveram apoio popular dos indignados em seus respectivos tempos, muitos sem a mínima noção do que viria a seguir, outros com a noção mais do que suficiente!
“Ao contrário, cabe a nós, democratas e políticos responsáveis, impedir que ele capitalize a mobilização da população indignada com as mentiras, as manipulações e descalabro do governo do PT. São as lideranças políticas democráticas e sérias deste país, defendendo o fim da hegemonia petista, que podem impedir o crescimento do fascismo no rastro da degradação política do governo e da desestruturação econômica e social do Brasil.”
– Então, só repassando pra ver se consigo alcançar: agora sem essas mazelas citadas como atributo do PT e com esse “novo” time detox, vamos aguardar pra ver se as honras com que o novo governo é recebido farão jus a tanta (des)esperança. Ele já está sendo desculpado de qualquer coisa por antecipação, pois para tudo o que fizer terá a justificativa de que herdou o país mal. Aliás, o tapete vermelho já começou a ser estendido com gosto, bem alisadinho, vide o Chama o contador!. E eu que pensava que não existia economia sem política…