Fernando Dourado

Ator Michael Fassbender  em Macbeth de Justin Kurzel (2015).

Ator Michael Fassbender em Macbeth de Justin Kurzel (2015).

Quem leu “A noite de meu bem”, de Ruy Castro, deleitou-se com as histórias de amor e boa música que animavam as dezenas de boates de Copacabana na década de 1950. O leitor cujos interesses extrapolem o cancioneiro e invadam o terreno dos costumes se espantará ao ver como a alma cordial brasileira acolhia com naturalidade a incessante troca de favores entre potentados dos setores público e privado nas mesas do Sacha ou do Vogue.

Escancaradamente, empresários e políticos entabulavam o toma lá dá cá de favores e facilitações que mais pareciam integrar uma segunda natureza do espírito nacional. Assim sendo, Ibrahim Sued e Jacinto de Tormes especulavam sobre o que poderia estar por trás dos cochichos de um ministro com um proeminente atacadista. Quanto aos limites éticos dessa simbiose, havia uma certa resignação ao ditado que rezava “quem pode mais, chora menos”.

Enfim, não havia muito que temer a Polícia Federal pelo olho mágico às primeiras horas da manhã. Longe de ser nossa Guantánamo, Curitiba era só uma cidade fria e cheia de polacos. Se transpusermos essa realidade para os dias de hoje, não é nada raro conhecer políticos que veem no mandato uma espécie de salvo-conduto para ajudar o agente privado – banqueiro, comerciante, industrial ou fazendeiro – a navegar pelas águas turvas de Brasília.

Nesse contexto, muita atenção: não é por mero acaso que elas são de navegação difícil. Elas o são justamente para tornar os “despachantes federais” imprescindíveis.  Quanto à entidade privada, nada pode haver de tão desesperador quanto ver seus políticos mais próximos apeados do poder. E pior: ver aqueles cacifados pelos concorrentes ser alçados a posições de comando, pois isso significa nuvens negras para os negócios.

Como resultado direto, daí derivam as chamadas ajudas de campanha e as amplas faixas cinzentas de legalidade que bem conhecemos. Mas, enfim, para toda questão complexa, haverá fatalmente uma resposta simples, elegante. E, invariavelmente, equivocada – como gosta de dizer o ex-ministro Pedro Malan.  Nesse contexto, o milagre tão ansiado de nos tornarmos uma Cingapura de uma hora para outra não acontecerá por obra e graça da boa vontade.

Assim sendo, o primado cognitivo de nossa cultura é um óbice poderoso. Pois tudo isso está ligado a padrões internalizados de distância de poder; de “jeitinho” e de forte viés particularista em detrimento das regras universalistas. Enquanto nossa cultura consagrar o lobby defensivo e ostensivo, e tivermos à frente de áreas críticas do governo burocratas despreparados, meros afilhados de políticos e gente ali plantada para vender facilidades, chafurdaremos no mesmo ponto por décadas.

À guisa de conclusão, mais do que imolar as velhas raposas, melhor fomentar noções de administração pública que avaliem os funcionários pelo mérito e os remunere à altura, perante entidades isentas. Ademais, que se regulamente o lobby de uma vez por todas, como sempre propugnou o senador Marco Maciel. Muito embora saibamos que no Brasil tem sido assim: quanto mais catimbado é o jogo, mais interessa aos verdadeiros donos do poder.

Por fim, como diz o cientista político Luiz Felipe D´Ávila: “Temos de perseverar na luta pela melhoria da gestão pública. Necessitamos um pouco mais da objetividade anglo-saxã para nos atermos mais aos dados e fatos e menos ao credo ideológico e partidário. Me parece que a nossa alma para a poesia, bossa nova e ginga vai muito além de um aspecto cultural e da nossa raiz latina. Receio que ele também oculta um certo desprezo pela objetividade, pelos fatos e pela realidade que, às vezes, estraga a rima da poesia e o culto às nossas fantasias e interpretações místicas da realidade”.

 

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