28 de maio de 2016
Difícil “sair” do Brasil, nesse momento em que nosso país tem novidades políticas a cada dia. Para o bem – afinal, estamos passando o país a limpo? – ou para o mal: uma incômoda lama, tal o estouro da barragem do Rio Doce no ano passado. Mas cá estamos, depois do suplício da prisão numa aeronave.
Lisboa na primavera. Um friozinho agradável, seco, ao amanhecer e no final do dia que tarda em escurecer quanto mais nos aproximamos do verão. Tem cidades onde a gente se sente em casa. Fora do Brasil, para mim, é Lisboa, na Europa, e Boston, nos Estados Unidos. Em Boston já morei, faz sentido. E Lisboa? Lisboa é mãe. Daqui partiram os que deram curso a nossa história. O centro velho de Lisboa, a magnífica Praça do Comércio à beira do Tejo, a rua do Ouro, a rua Augusta, a rua da Prata, o elevador de Santa Justa, Fernando Pessoa plantado para sempre no “Brasileira”. Em Lisboa a gente se sente fazendo o caminho de volta. O sítio urbano lembra, a cada esquina, os escolhidos pelos primeiros portugueses para morada: “Ó, linda situação para uma cidade” (dizia Duarte Coelho), Salvador, Rio de Janeiro.
Perco a conta do quanto já vim a Lisboa. Passeio (a porta de entrada), congressos acadêmicos, e até uma consultoria em 2007 para o Ministério da Ciência e Tecnologia português, em avaliação de projetos de investigação sobre Imigração e Minorias Étnicas. Dessa vez é diferente. Tínhamos a reserva de um pequeno apartamento na chegada. E só. Essa é uma viagem com um espírito de aventura à qual não me aventurei até os setenta e um anos de idade, aqui comemorados.
É diferente, primeiro, por causa da tecnologia nas comunicações. A mesma que está revolucionando a maneira de fazer política. Já não procuramos agências de viagem, mas os sites (ou sítios, como preferem os portugueses ciosos da língua pátria) que oferecem apartamentos, quartos em casas de família (inaugurados pelo espírito prático dos americanos como bed&breakfast), e tantos arranjos que vão deixando os hotéis cada vez mais restritos ao mundo corporativo e público.
Estamos em um confortável apartamento de dois dormitórios no bairro da Graça, por um custo menor (diária de 42 euros) do que alugamos em São Paulo há cerca de seis meses. Hospedar-se em um flat em vez de hotel, além da economia, traz junto outro estilo de viagem. Longe da formalidade dos serviços do hotel. Convivendo com a vizinhança da padaria, da quitanda, da banca de revista. Para nós dois, que gostamos de cozinhar, ir a um mercado de frutas e verduras locais é uma festa. Restaurante sim (e como se come bem nessa terra!), mas por gosto, e não pela obrigação diária de sair para comer.
Diferente também porque viemos sem um roteiro de viagem. Havíamos pensado em ficar apenas alguns dias aqui e, logo que resolvido um carro, sair pelas estradinhas dessa Península Ibérica e alguns de seus vizinhos europeus. O impacto da chegada nessa bela cidade foi tão forte, porém, que resolvemos ficar só aqui o primeiro mês inteiro de nossa viagem. Ainda ontem sentamos numa mesinha de calçada ao lado de uma jovem acompanhada da filha adolescente, que pediu o mesmo prato que nós, nessa época do ano a mais propícia para as sardinhas gordas, comida típica das grandes festas que se aproximam: Santo Antônio, São João e São Pedro. Assim, soubemos, já teremos em Lisboa, nesse final de semana, o início dos festejos de rua com música, dança e muita sardinhada.
Teresa, aproveite e coma uma mariscada bem quente com um vinho à escolha.
Aqui a coisa está difícil e terrivelmente surpreendente a cada dia.
Querida Teresa,
Curta Lisboa intensamente e desencane do Brasil porque ele nos sobreviverá. Ademais, pensando bem, nossa vida é uma só. Bom mesmo é comer uma sapateira na Cervejaria do Ramiro e respirar esses indizíveis ares de paz e tranquilidade que nos traz a Europa.
Estamos pisando o mesmo solo: você, debruçada sobre o Atlântico; eu, nos confins do Cáucaso, no solo sofrido da Armênia. Vamos portanto viver com a intensidade que nos é peculiar e curtir nosso único bem inalienável: o presente.
FD
A gente é biografia, então a Europa da qual estou mais próxima é a anglo-saxônica, a do norte. Mas desligar, fechar os olhos ao entorno sócio-político também é possível no Brasil, é só decidir fazer um tal programa, assim como se pode fazer na Europa, a julgar pelo seu diário de viagem. Pois aí v. acha que não há conflitos políticos profundos a pretexto dos refugiados e da sua localização, não há o perigo de a Europa desmembrar-se em referendos, não há preocupação com o impacto da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, não há medo de terrorismo, ninguém se importa que o comércio internacional (inclusive o de Portugal) será atingido com uma vitória de Trump, ninguém leu que a prefeita de Paris vai abrir um campo de refugiados na cidade? Em todo caso, se v. não quer mesmo tirar também umas férias dos assuntos aqui da pátria, é bom lembrar do ditado de que o diabo está nos detalhes. E os detalhes desse momento de crise no Brasil não são novidade de cada dia, são novidade cada cinco minutos. Mudam a cada cinco minutos não só os fatos como as narrativas. Até o significado atribuído às palavras da língua portuguesa.
Amigos, Sevy, Fernando, Helga, obrigada pelos comentários. Helga, não consigo de todo me desligar dos fatos políticos, embora fiquem enevoados pela alegria pessoal da festa de quem está de férias. El Pais é minha fonte quase diária de noticias e análises desse conturbado momento político no mundo todo, para o qual a sociologia terá, não já, mais instrumentos de análise do que a economia.
Tereza,
É isso aí. Viva o presente intensamente.
Afinal, não temos mais tanto tempo pra fazer isso.
Evaldo faleceu no dia 10/6 e pudemos nos despedir carinhosamente.
Quero mais dicas de Lisboa, onde chego no dia 18/7
bj
Teresa,
Como sempre, suas crônicas instigam minha vontade de conhecer os lugares que você, tão poeticamente, apresenta e retrata. Inicio a viagem já na leitura dos seus relatos. Aguardo os próximos da série Diário de Lisboa.
Quanto ao Brasil, esse processo é apenas o início das mudanças por que tanto ansiamos. Na verdade, as mudanças precisam ser estruturais, de valores e paradigmas, e devem se alicerçar em bases sólidas, de forma permanente, não circunstancial. Precisamos de uma política de Estado, não apenas de governos, que priorize sobretudo a educação e estimule o pensamento crítico e a consciência verdadeiramente cidadã, inclusive dos futuros cidadãos.
Beijos!
Distância … Importante para perceber outras realidades … Que desfrutem dessa imersão !!!
Bjs da sobrinha querida.