Luiz Otavio Cavalcanti
O artigo de Sérgio Buarque sobre socialismo e liberalismo merece atenção. Porque refere as duas grandes escolhas políticas que penetraram no tempo social do século XXI. E porque estimula, a meu ver, olhar contributivo.
Com propriedade, Sérgio aponta a diferença entre liberalismo e socialismo: liberdade e mercado, de um lado; igualdade e Estado, de outro. Entre eles, se consolidou, na Europa dos anos 60, a social democracia. Apoiada nos sindicatos, na liderança do alemão Willy Brandt e do sueco Olof Palme. E, não esqueçamos, na capacidade fiscal do Estado europeu àquela época.
Este é o ponto que quero acentuar: capacidade fiscal do Estado. Para financiar o pagamento de altas aposentadorias e a oferta de educação e saúde gratuitas. Ou seja, assegurar à população conjunto significativo de benefícios sociais.
Certamente, a atuação influente da economia chinesa afeta o desempenho dos países que adotam a democracia e o sistema de mercado. Como também a saída dos ingleses da União Europeia é fator de instabilidade econômica.
Todavia, é preciso acrescentar dois argumentos para justificar ameaça à existência da social democracia no século XXI. O primeiro, esgotamento da capacidade fiscal do Estado contemporâneo. O segundo, fluxo migratório que alcança as nações da Europa.
Ficou evidente, no pós crise de 2008, que economias como as da Grécia, Portugal, Espanha e Itália, faliram do ponto de vista fiscal. O modelo social democrata se mostrou insustentável. As fontes fiscais não são capazes de viabilizar largas aposentadorias e oferta gratuita de saúde/educação. A sustentabilidade fiscal é aspecto fundamental na perspectiva futura do projeto social democrata.
Em segundo lugar, o fenômeno imigratório, pressionando a sociedade na Europa, fragiliza a fórmula da social democracia. Os países europeus não produziram política geral que seja eficaz na absorção de migrantes que buscam refúgio. A migração constitui elemento essencial na avaliação de desempenho da gestão contemporânea.
Resumindo: a viabilidade política da social democracia passa pelos eixos fiscal e da migração. Não será por outra razão que a direita cresce na Europa. E que a extrema direita na França tem chance de vitória na eleição presidencial.
Sendo assim, é necessário repensar o modelo de sustentabilidade fiscal do Estado contemporâneo. Como alternativa para viabilizar programa de natureza social democrata.
Como ocorre nos países nórdicos, Dinamarca, Noruega, Suécia, a carga tributária nas nações de regime social democrático flutua entre 35% e 40%. Acontece que na Europa do Norte a infraestrutura está completa e a população encontra-se bem alimentada e instruída. Em países como o Brasil, no qual a carga fiscal é de 36%, não dá para elevar a taxação.
Portanto, pensar a social democracia sustentável fiscalmente significa considerar o seguinte:
1 regulação econômica com práticas de mercado que fortaleçam a inovação tecnológica de processos e produtos;
2 disciplina orçamentária com sustentabilidade fiscal e apuração de eficiência funcional dos servidores no setor público; e
3 mediação social com redistribuição de riqueza mediante a adoção de políticas compensatórias.
Essas diretrizes de gestão se apoiam no princípio de ganhos médios de produtividade. No setor privado, por meio da inovação tecnológica. No setor público, através do uso mais eficiente dos recursos. Em ambos os casos, trata-se de fazer mais com menos.
Ou seja, sem aumentar imposto e sem diminuir investimento social. Então, só há uma saída: incentivar ganhos de produtividade geral na economia. E na máquina pública.
Simples, não? Só resta saber quem vai amarrar o ‘guizo no rabo do gato’. Quem vai ter autoridade pra tratar a proposta com os partidos políticos e militantes no atual sistema eleitoral brasileiro.
Bartolomeu Franco.
Texto preciso e didático. Não nos cabe avaliar o grau de complexidade, nem a capacidade atual dos políticos em promover mudanças.
Tenho por ora apenas comentário de detalhe:
1. Ainda estou apostando mais no Emmanuel Macron que na Le Pen. (Talvez seja o tal “whishfull thinking”?). Mas é fato que a campanha eleitoral na França está um horror.
2. Os limites para a expansão dos benefícios universais no estado do bem-estar apareceram quando a taxa de crescimento caiu e porque os benefícios foram sendo cada vez mais ampliados.
3. No caso do Brasil a desigualdade é tamanha que não se pode falar em tentativa de criação de um estado do bem-estar social: em nenhum país europeu encontraremos maxi-aposentadorias como no Brasil, que podem ser superiores a 40 vezes a aposentadoria mínima (que é igual ao salário mínimo). No Brasil não há nem arremedo de estado de bem-estar social, aqui há “estado para privilegiados”. Em que país 10% dos aposentados recebem 50% do que o Estado gasta com aposentadorias?