O letreiro, enorme, esclarece aos desavisados: “Parque de Santana Ariano Suassuna”. Não sei se o grande mestre, vivo fosse, gostaria da homenagem: o parque não chega a ser um exemplo de lugar onde predominam o bom gosto e a segurança – os assaltos no seu entorno são frequentes, a iluminação é precária, o acesso é complicado. Mas, isso é outra história. O que se comenta aqui é novo batismo a que o parque se submeteu. Ou submeteram-no. Construído na breve gestão do prefeito Gilberto Marques Paulo, foi batizado “Parque de Santana”, e pronto.
Não é de hoje, uma febre provinciana tem acometido nossos gestores públicos – e muitos deles se encarregam de rebatizar e renomear instituições consagradas, trocando ou acrescentando o nome de alguma personalidade que Deus já chamou. Durante o período da ditadura militar, generais, almirantes e brigadeiros emprestaram seus nomes, e até mesmo de parentes seus, para viadutos, pontes, conjuntos residenciais, estradas, escolas públicas. Ganhamos uma escola chamada Antonieta Castelo Branco, um conjunto residencial batizado “Inês Andreazza” e outros mais. Em favor deles, nesses dois exemplos, deve ser dito que não tomaram o lugar de ninguém, não precisaram renomear o que nomeado estava. Findo o período de trevas e de tristes lembranças, o mau costume sobreviveu. Que eu lembre, essa febre atacou primeiramente o Aeroporto Internacional dos Guararapes, nome justo, poético e consagrado – que ganhou um novo rabicho e passou a chamar-se “Aeroporto Internacional dos Guararapes/ Gilberto Freyre”, logo ele, que não gostava nem de aviões nem de aeroportos.
Com a morte de Miguel Arraes, nome íntegro e respeitado, eis que a Avenida Norte, importante via urbana que corta a cidade, aberta por Pelópidas da Silveira e assim batizada desde o alvorecer dos tempos, passou a chamar-se oficialmente “Avenida Norte Miguel Arraes”, embora nenhum pernambucano faça uso de tão complicada denominação. O ex-governador Eduardo Campos, que também partiu cedo, está reverenciado em escolas, parques, logradouros, que viram trocados seus nomes originais em benefício do jovem e carismático político.
Quero deixar claro que nada tenho contra homenagens que se prestem a nossos homens públicos, a figuras expressivas de nossa cultura, que de justiça poderiam ter seus nomes perpetuados. O que incomoda é essa profunda falta de imaginação, esse oportunismo fúnebre, essa mania de tomar do povo aquilo que o povo consagrou. Porque, ninguém duvide, dependendo do grupo político que venha a controlar o Estado, nós corremos o risco de ter a Avenida Sul rebatizada com o nome de “Avenida Sul Governador Moura Cavalcanti” ou “Avenida Sul Governador Cid Sampaio”, o presídio Barreto Campelo será “Complexo Prisional Barreto Campelo/Governador Eraldo Gueiros,” o Estádio dos Aflitos vai ser chamado de “Estádio Eládio de Barros Carvalho/Senador Carlos Wilson Campos” e por aí vai.
Quando morreu o deputado baiano Luiz Eduardo Magalhães, filho de Antônio Carlos Magalhães e uma das lideranças jovens mais promissoras no País, tudo na Bahia passou a ter o nome do ilustre desaparecido. Foi um abuso: ruas, avenidas, rodovias, escolas, hospitais – tudo levava (ainda leva) o nome de Luiz Eduardo. Hoje, quem vai a Salvador e desembarca do Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães, corre o risco de ser recebido por um parente que veio da cidade de Luiz Eduardo Magalhães, trafegando pela rodovia Luiz Eduardo Magalhães e marcar um jantar num dos restaurantes no entorno da Avenida Luiz Eduardo Magalhães. É pouco? Não, não é. Nesses batizados da insensatez, temo que mudem o nome dos nossos fortes e ermidas, conventos e catedrais, para tristeza e desencanto de nossa própria história.
Ivanildo Sampaio é jornalista
Perfeita a advertência de Ivanildo sobre essa prática provinciana de rebatizar equipamentos públicos. Um procedimento que não se enquadra nos padrões culturais de um estado como Pernambucano.
De inteiro acordo com o autor. Confesso que há muito tinha vontade de me manifestar sobre isso. O ridículo da prática é ainda maior quando não se tem a coragem de mudar um nome consagrado de avenida ou equipamento urbano, e acrescenta-se a ele o nome do alvo da bajulação. Nem o velho Arraes nem Gilberto Freyre mereciam isso. E o grande Ariano deve estar desconfortável em sua tumba.
Meus cumprimentos, amigo Ivanildo!
Concordo com o autor e sua ironia e indignação. Pare que é da Câmara de Vereadores essa função de dar nome a ruas e equipamento público. E o pior que a Câmara se reúne em sessão para tais homenagens, em vez de ocupar o tempo para tratar de assunto mais relevante para o bem-estar dos munícipes. Lá embaixo,no bairro, temos o Minhocão. Já recebeu outros nomes, vários, mas a gente continuou chamando apenas de Minhocão.
Prezado Ivanildo,
Dispensável dizer que também acho isso ridículo. Quando da morte de Eduardo Campos, lembro da reação do deputado Gonzaga Patriota que, na sequência do desastre fatal, propôs que o aeroporto do Recife recebesse o nome do jovem líder. Lembrado de que os Guararapes já embutiam uma homenagem a nosso mais notório sociólogo, não se deu por vencido. Propôs que passasse a se chamar “Aeroporto Internacional dos Guararapes-Gilberto Freyre-Eduardo Campos”. É esse mesmo capachismo travestido de esperteza que dá margem a celeumas várias mais adiante. Obedecendo a uma coreografia stalinista, a sociedade se vê tentada vez por outra a perpetrar expurgos – que são tão patéticos quanto as consagrações. É o caso do Parque Dona Lindu. Tempo desses, diante do ocaso do filho, li que alguns queriam destituir a honrada senhora de um galardão que jamais lhe passara pela cabeça pedir, coitada. Ignorando, de resto, que nenhuma mudança a essa altura apagaria o que já estava consagrado pelo uso popular. Culpa do então prefeito que não quis perder a deixa para marcar pontos junto ao então presidente. Em contraponto a esses achincalhes, contaram-me certa feita um episódio de Pelópidas que é, por assim dizer, a anti-macaquice dessas condutas. Por preciosismo, alguém lhe propôs batizar uma praça do Recife de Dr. Fleming. Ora, disse o prefeito, o pai da penicilina é um cientista consagrado que dispensa penduricalhos como “doutor”. Daí termos a bucólica e bela praça Fleming até hoje. Tudo é uma questão de compostura e senso de proporção. Quem vive em São Paulo tem de conviver com graus diversos de empulhação. Até um complexo viário denominado D. Maria Maluf nós temos. Adivinha de quem ela é mãe. Grande abraço.