Sérgio C. Buarque

A maioria dos movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores está se mobilizando em bloco contra a Reforma da Previdência. Mesmo assim, alguns dos segmentos sociais e categorias profissionais se movem à parte, parecendo mais preocupados com a manutenção de um tratamento diferenciado, no conjunto das regras propostas para o novo sistema previdenciário. É o caso do movimento feminista, que pretende manter idade mínima de aposentadoria inferior à dos homens, e dos sindicatos dos professores (homens e mulheres), que defendem a aposentadoria mais cedo que todas as outras categorias profissionais. Por que esta diferença? Por que este privilégio? O que justifica que as mulheres e os professores se aposentem mais cedo?

O argumento das mulheres para a idade mínima diferenciada (60 anos para mulher e 65 anos para o homem) é a chamada jornada dupla do trabalho doméstico. A socióloga e cientista política Angela Fatorelli cita o IBGE para demonstrar que as mulheres trabalham, em média, cinco horas semanais a mais que os homens. O dado é incontestável. Mas esta desigual divisão de trabalho doméstico, que é um produto da cultura machista, não tem porque ser compensada pelo sistema de previdência social. O movimento feminista vem enfrentando e combatendo esta cultura com indiscutível sucesso, no terreno político, contra a desigualdade de gênero. Em grande medida, a compensação de uma distorção social pela previdência contribui, na verdade, para legitimar, conservar e reproduzir os padrões de desigualdade de gênero na sociedade. Vale lembrar, por outro lado, que esta “dupla jornada” de trabalho vem diminuindo bastante, pelo menos na classe média e alta brasileira, pela combinação de vários fatores, a começar pelo significativo declínio do índice de fecundidade e, portanto, da responsabilidade com a maternidade (de 2,81 filhos por mulher fértil, em 1990, esta taxa caiu para apenas 1,71, em 2015).

A diferença de tratamento da mulher na previdência não resiste a uma simples análise da estrutura demográfica do Brasil. Se, por um lado, a mulher trabalha mais que o homem nas tarefas domésticas, na média, as mulheres vivem sete anos a mais que os homens (dados do IBGE): expectativa de vida de 79 anos da mulher contra apenas 72 anos do sexo masculino. Estimativas para 2016 mostram que o Brasil já tinha 2,48 milhões mais de mulheres que homens com 65 anos e mais (cerca de 9,74 milhões do sexo feminino e 7,26 milhões do sexo masculino). De modo que, aposentando-se cinco anos antes (como pretendem) e vivendo sete anos mais, a mulher levaria uma vantagem de doze anos de benefícios previdenciários em relação ao homem. E mesmo adotando a idade mínima de aposentadoria igual (65 anos), os trabalhadores do sexo masculino teriam que contribuir durante sete anos mais que as mulheres para viabilizar os benefícios dos seus anos adicionais de vida. É justo?

Considerando a mudança demográfica do Brasil nas últimas décadas, o tratamento diferenciado para as mulheres na previdência social constitui, no fundo, uma forma de paternalismo que, embora responda às justas exigências do movimento feminista, reflete o sentimento de culpa machista na sociedade. A luta pela igualdade nas relações de gênero na sociedade não é consistente com uma desigualdade no sistema de previdência social.

Com outros argumentos, os professores (independente de gênero) se mobilizam também pela manutenção de uma aposentadoria mais cedo que o restante dos trabalhadores do Brasil, como já está contemplado na Constituição, argumentando que a profissão é mais cansativa e trabalhosa que as outras categorias profissionais. Será? Parece muito estranho que um professor tenha um desgaste profissional maior que um pedreiro da construção civil, um motorista de ônibus, ou mesmo um médico ou enfermeiro num hospital. O “estresse em sala de aula”, como destaca um sindicato de professores, é diferente, mas está longe de ser maior que o estresse e o desgaste físico e psicológico de outras categorias profissionais, como os já citados motoristas de ônibus. Sem considerar que, por regras específicas de trabalho, a hora de aula é de 50 minutos e os professores têm férias de 45 dias e tempo para estudar e preparar aula, numa atividade intelectual que costuma ser gratificante.

O senador Cristovam Buarque tem defendido a aposentadoria antecipada dos professores a partir de uma legítima preocupação com a qualidade do ensino. Segundo ele, o desgaste físico e psicológico dos professores após vários anos de sala de aula poderia comprometer sua capacidade de ensino. Será? E esta relação vale apenas para os professores? No fundo, este raciocínio pode ser aplicado a todas as outras categorias profissionais que prestam serviço à sociedade, como o motorista de ônibus ou o médico. De modo que, se a idade mínima de 65 anos é válida para estas categorias, não existem motivos para conceder aos professores uma antecipação da sua aposentadoria. Tudo indica, ao contrário, que o magistério é uma atividade na qual a qualidade tende a melhorar com o tempo do exercício profissional. O professor lida com um produto, o conhecimento, que não se deteriora e, na verdade, se amplia e aprimora com tempo e com a prática, elevando a sua capacidade intelectual e profissional.

Além disso, o exercício continuado do magistério aprimora a competência didática e aumenta a habilidade e a experiência para lidar com os jovens. Excetuando eventuais problemas de senilidade, que devem antecipar aposentadoria por invalidez em qualquer idade, o conhecimento dos conteúdos e a capacidade didática dos professores crescem com o tempo e a experiência no ensino. Ao contrário do que argumentam os sindicatos de professores e o senador, a aposentadoria de um professor com 60 anos, com a experiência e a qualificação intelectual e didática, é um enorme desperdício para a sociedade e, particularmente, para a educação do Brasil.

As pressões das corporações e de determinados movimentos sociais para a introdução de um tratamento diferenciado no sistema de previdência remete, por outro lado, a uma inevitável questão financeira: cada grupo ou segmento social que se aposenta mais cedo exige que outros grupos sociais aumentem seu tempo de contribuição para cobrir os custos dos benefícios. Isso é justo?