Mais lembrado hoje pelo oratório Messias (quem não conhece o seu famoso Aleluia?), o compositor alemão Georg Friedrich Händel (1685-1759) é também o incontestável mestre da opera seria no século XVIII. Como o nome diz, tratava-se de um estilo “nobre” e “sério” de ópera sempre com libretos em italiano que predominou na Europa da década de 1710 até por volta de 1770. A sua rival era a opera buffa, ou ópera cômica. A dramaturgia desse estilo de ópera se baseava em fatos da história antiga e na mitologia greco-romana, com narrativas altamente moralistas, que buscavam instruir, além de entreter. Nos finais, a virtude devia ser recompensada, e mostrada triunfando.
A era da opera séria coincidiu com a notoriedade dos castrati, cantores que frequentemente tinham dons prodigiosos, e que haviam passado por uma castração antes da puberdade, de forma a manter uma voz de soprano ou contralto alta e poderosa, aliada a décadas de um treinamento musical rigoroso. Estes cantores eram escalados para papéis masculinos heroicos, juntamente com as prima-donas. O aparecimento de cantores que eram verdadeiras “estrelas”, com habilidades técnicas formidáveis, motivou os compositores da época a fazerem música vocal cada vez mais complexa, e muitas óperas do período foram compostas como veículo para certos cantores específicos. O mais famoso castrato da história foi o cantor italiano Carlo Broschi (1705-1782), apelidado de Farinelli, cuja vida virou filme em 1994, dirigido por Gerard Corbiau, que arrematou o Globo de Ouro e foi indicado ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro.
Händel nasceu na Alemanha, mas aos 25 anos foi viver em Londres, onde, embora também renomado mestre do órgão e do cravo, dedicou-se a musicar óperas em italiano com sucesso fenomenal para o público da capital britânica com a admiração dos reis. Juntas, sua extraordinária produção e sua vibrante carreira fazem dele o primeiro compositor verdadeiramente europeu: Händel levou uma valiosa bagagem cultural alemã, francesa e italiana para associar à tradição musical inglesa. Em 1725, ele participou da fundação da Royal Academy of Music, tornando-se seu “Mestre da Orquestra”. O King’s Theatre também abriu seus palcos para a estreia das obras-primas de Händel.
Giulio Cesare é considerada a quinta-essência da opera seria. Com temática solene de guerras históricas e amor-paixão, atos heroicos e conflitos íntimos, oferece drama lírico de dimensões autenticamente épicas. Seu escopo ambicioso sustenta-se numa quantidade prodigiosa de árias, oito delas para a personagem Cleópatra, cantada pela soprano Francesca Cuzzoni (1696-1778), de grande fama internacional na época, e outras tantas para César, protagonizado pelo carismático e versátil castrato Francesco Bernardi (1686-1758), mais conhecido como Senesino. Com fortes papeis centrais e de grande dificuldade técnica, é uma das óperas favoritas entre os cantores do repertório barroco. O enredo retrata alguns personagens como indivíduos complexos, o que permitiu a Händel jogar com um amplo leque emocional.
A ópera é ambientada no Egito, após a vitória de César sobre Pompeu na Grécia, em 48 a.C. Numa planície próxima de Alexandria, os egípcios louvam César, chegando vitorioso da batalha contra Pompeu. César aceita o acordo de paz oferecido pela mulher e o filho de Pompeu – Cornélia e Sexto. Mas Áquila chega em nome de Ptolomeu, irmão da rainha Cleópatra, trazendo a cabeça de Pompeu. Cornélia critica a brutalidade de Ptolomeu, mas Áquila se apaixona por ela. O tribuno romano Cúrio propõe casar-se com Cornélia e vingar Pompeu. Sozinho, Sexto decide que será ele a vingar o pai. Informada no palácio de que Ptolomeu decapitou Pompeu, Cleópatra o irrita ao afirmar que só ela é senhora do Egito. Áquila se oferece para matar César se Ptolomeu lhe entregar Cornélia. Em seu acampamento, César homenageia Pompeu, chorando sobre seu caixão. Cleópatra chega disfarçada como a criada Lídia, e César se apaixona. Quando “Lídia” lamenta o traidor Ptolomeu, César jura vingança. Cleópatra observa enquanto Cornélia lamenta a morte do marido. Cornélia toma uma faca para vingar Pompeu, mas é detida pelo filho Sexto: a missão cabe a ele. Ainda disfarçada, Cleópatra propõe levá-los a Ptolomeu. Este recebe calorosamente César, que se dá conta da trama para matá-lo. Quando Cornélia chega com Sexto, Ptolomeu também se apaixona por ela, e planeja trair sua promessa a Áquila. Enquanto isso Cornélia rejeita a oferta de Áquila de liberdade em troca de casamento e chora a separação do filho (dueto selecionado no vídeo a seguir).
Na pele de Lídia, Cleópatra seduz César com música envolvente. No jardim do harém do palácio, Áquila e Ptolomeu tentam em vão conquistar Cornélia. Sexto chega a tempo de impedi-la de se matar. O eunuco de Cleópatra, Nireno, convoca Cornélia ao harém de Ptolomeu, prometendo a Sexto a chance de enfim vingar o pai. Enquanto isso, “Lídia” aceitou tornar-se a mulher de César, mas Cúrio informa que conspiradores tramam a morte do imperador. Cleópatra revela sua identidade e ora por César (vídeo selecionado abaixo) depois que ele vai em busca dos traidores.
Cleópatra é presa quando suas forças são derrotadas por Ptolomeu. Sexto e Nireno encontram Áquila ferido e desejando a queda de Ptolomeu. Antes de morrer, ele entrega um selo de comando de um exército secreto. Usando-o, César comanda esse exército no resgate de Cleópatra e na conquista definitiva do Egito. No palácio, Ptolomeu está prestes a violar Cornélia quando é morto por Sexto. Em Alexandria, os egípcios exultam com sua morte. Após selarem a amizade com Sexto e Cornélia. César e Cleópatra declaram eterno amor, terminando a ópera num final feliz.
Ao lado de Tamerlano, também estreada em 1724, e Rodelinda, de 1725, Giulio Cesare nos mostra Händel no auge da criatividade, à frente da Royal Academy of Music inglesa. A ópera teve uma temporada inicial de 13 récitas. No mesmo ano, a ópera foi levada para Brunsvique e Hamburgo, na Alemanha, sendo encenada nesta última cidade sucessivas vezes até 1737. No final de 1729, Giulio Cesare voltou a ser encenada em Londres por nove vezes entre janeiro e março de 1730, incluindo novas modificações do autor com números adicionais para Cleópatra. Outras quatro apresentações ocorreram em fevereiro de 1732. Hoje, é sua ópera mais montada com produções que variam bastante entre conceitos tradicionais e audaciosos.
No próximo artigo, conversaremos sobre uma obra-prima inovadora do repertório operístico: Don Giovanni, de Mozart, que, segundo o grande musicólogo norte-americano H. C. Robbins Landon (1926-2009), foi a primeira ópera a trazer o terror para a música.
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