Compare-se Votorantim e JBS. Um tem itinerário árduo de mais de cinquenta anos de trabalho. Outro tem dez anos de improvável construção. Um tem sistema de governança regulamentado. Outro tem esquema de patrimonialismo revogado. Um tem marca avaliada no teste de mercado. Outro tem certidão em temíveis transações.
O que terá levado a JBS a tomar outro caminho que não o de grupos vitoriosos e profissionalizados como o Votorantim, Brennand ou Bradesco ?
“Quando nada se vê no horizonte, é hora de fazer mais esforço para sobrevoar o imediato”. Assinado, Míriam Leitão. Esta frase está no seu livro História do Futuro (Editora Intrínseca, 2015, p. 161). É o Brasil.
A via torta assumida por Joesley Batista parece contar com dois condicionantes: um, pessoal, psicológico. Outro, social, político.
O condicionante pessoal traz a consideração do homem, de sua formação, sua história, sua circunstância. Um homem que, por sua audácia, galgou o cume do sucesso empresarial. Sem o contorno harvardiano de um MBA. Sem a convivência construtiva de associações corporativas. Sem a formação moral dos verdadeiros líderes. Apenas com a miopia provinciana do jeca fascinado pelas luzes do poder.
Na prática, um gigante pigmeu. Grande na pequena ousadia. Pequeno na grande fraude. Cresceu por fora. E diminuiu por dentro.
Essa moldura psicossocial o levou a esconder-se do sol. A esquivar-se do dia. A esgueirar-se pelas sombras noturnas do ato menor. Blandicioso. Banido.
O condicionante político reflete a instância de tempos cinzentos. Sem altura, sem azul. O ambiente econômico induzindo o pensar miúdo de uns. O cenário político incentivando o fazer inepto de outros. A incerteza social assustando todos.
Na verdade, um quadro no qual lideranças empresariais deixaram de ser referência. Perderam a chance da exemplaridade. E os menos preparados se deixaram seduzir pelo oportunismo reles.
Então, o pigmeu da carne entra na cena do patrimonialismo nativo. Encontra território enganoso e fértil para plantar sua auto ilusão. Numa quadra em que falsos profetas alimentaram a farra patrimonialista.
No fundo, um deserto. Porque o calendário político agendou o fim de uma geração. A safra de Ulysses, Covas, Fernando Henrique, Pedro Simon, acabou. E não há sucessão. O velho morreu. E o novo ainda não nasceu. Há um interregno áspero. Uma sensação de vazio estéril.
Na gestão empresarial, ninguém surgiu depois de Antônio Ermírio de Moraes. Um empresário com espírito público. Agora, o dirigente da maior empreiteira do país está na cadeia. Política e economia encontram-se na finitude do talento.
Sucesso como o de Joesley é derrota. Porque oco. Sem essência. A vitória verdadeira é feita de brilho genuíno. Contém arte. Pedaços de inspiração celeste. E magnífico engenho. Essas, sim, são vitórias.
Olhando para dentro e para fora do Brasil, parece que, com exceções, os melhores não estão no topo. Porque na ética de princípios o fracasso não é fracasso. O êxito está em quem respeita valores. E guarda algo íntimo, valioso. Como disse o poeta Mário Faustino, em Balada, citado por Renato Janine Ribeiro:
“Não conseguiu firmar o nobre pacto
Entre o cosmos sangrento e alma pura
Gladiador defunto, mas intacto,
Tanta violência mas tanta ternura”.
Não perco a esperança. Busco apoio na transversalidade que assinala o conhecimento no século XXI. Leio a palestra de Sílvio Meira sobre inovação, no Seminário de Tropicologia da Fundação Joaquim Nabuco, em 24 de maio de 2017:
“O ano da graça de 2019, você sabe, é daqui a quinhentos dias úteis ou menos. Se essas previsões se cumprirem e você não estiver junto, não vai ser legal. Se você estiver, beleza. Aí você terá que fazer ainda mais para fazer melhor, e mais barato, do que quem chegar lá junto com você. Porque o papel do CIO, nessa parada, vai ser de Chief Innovation Officer, de liderar inovação baseada em informação e gestão de seu ciclo de vida no negócio”.
Prezado Luiz Otávio,
Li com atenção suas considerações sobre ambos os grupos empresariais e a dimensão dos valores individuais de seus acionistas na tessitura das virtudes corporativas. A vida profissional me deu o ensejo de conhecer de perto as figuras cardeias a que você aludiu, ao longo desses 35 anos que me ligam a São Paulo e a seu multifacetado universo corporativo. Sempre gostei da tese de que três axiomas nos ligam a excelência: a proximidade com o cliente, a vanguarda tecnológica e a eficiência operacional. Feliz de quem tem os 3 simultaneamente. Seja como for, acompanhei de perto – para não dizer de dentro – a ojeriza da Votorantim a relações conspícuas com governos, a fobia à dependência estatal e um certo desprezo pelo ganho financeiro, dissociado da produção, mantra pessoal de Dr. Antonio. Da parte dos irmãos Batista, não se pode contestar o imenso tirocínio para multiplicar dinheiro no negócio que abraçaram de berço. Pouco tentado a tirar conclusões, a consideração a seu artigo me leva a destacar pelo menos um fator: a oportunidade pode não fazer o ladrão, mas magnifica instintos predadores. Dito de outra forma, estes se tornam perigosamente dominantes diante da pusilanimidade de dinheiristas açodados. Isso porque o populismo costuma ter pressa; despreza o passado e o futuro, e nutre uma sanha desenfreada de se deixar iludir pelo primeiro “pragmático” que apareça. Nessa vala, cabe todo tipo de gente. Tecnocratas, arrivistas e militantes. É um “mix” explosivo e não há virtude que resista. Um dia talvez concluamos que não haja santos no panteão do bilhão abaixo da linha do Equador. Se é que há acima dela. Mas o buraco será sempre mais embaixo. Na toada de ficar de cócoras em terra de sapo, a história mostra que virtude no topo explica porque a Angola e Noruega sejam igualmente ricos em petróleo e tão diferentes na vida que dão a seus cidadãos. Em suma, a canalhice de Brasília transformou Joesley de gênio em magarefe de beco. A sanção interna às tentações duvidosas, laminou a têmpera da Votorantim quando Brasília – sempre ela – enviou sinais de fumaça na era Collor.
Um abraço,
Fernando
Beleza, Fernando. Obrigado.
Estaremos juntos sábado.
Abraço.
Belo texto – e eu sei da bagagem intelectual de Luis Otávio Cavalcanti. Tomei como uma defesa do capitalismo – admito que faço tremenda simplificação. É que o noticiário econômico transformado em página de polícia levou ao ressurgimento de uma retórica populista que define o capitalismo como essencialmente corruptor. É aí ler esta análise mostra o contrário, com os exemplos concretos, junto com o comentário muito factual de Fernando Dourado. Pois, como economista, o que aprendi em livro de texto quando inclui seções de economia política, é que a corrupção começa pelo estado (não é qualquer tipo de estado), quando o agente público pode criar dificuldade para vender facilidade. A corrupção não será eliminada prendendo corruptos enquanto instituições, leis ambíguas, inexistência de prazos de cumprimento, e falta de avaliação de políticas públicas que se repetem por inércia continuarem funcionando como incentivo à venda de facilidade . (Nota de rodapé: como escrevem bem esses pernambucanos!)