O Brasil atual, com essa combinação lamentável de crise econômica e forte desequilíbrio fiscal, desagregação social, pobreza e desigualdades, violência e degradação política e moral, não é o resultado de um acidente histórico ou do simples azar. É uma realidade construída pelos brasileiros, com as decisões e escolhas feitas no passado, desperdiçando e dispersando recursos públicos, sempre escassos, que deveriam ter sido alocados em prioridades estratégicas de grande poder transformador, como educação, inovação e a infraestrutura. Além disso, foram definidas muitas regras e procedimentos que amarraram e engessaram o planejamento orçamentário numa distribuição de gastos e privilégios descabidos.
Decisões totalmente equivocadas, ou graves omissões, na definição de políticas e na alocação dos recursos públicos nos levaram, ao longo das décadas, a uma posição muito atrasada do Brasil em todos os indicadores, quando se compara com o resto do mundo: somos o 81º país no ranking de competitividade das nações, nossa produtividade é apenas um quarto da produtividade da Coréia do Sul. Na educação, o Brasil está entre os últimos na prova PISA, nas três disciplinas (63º em Leitura, 69º em Matemática, e 67º em Ciências), bem abaixo do Chile e de vários países da América Latina. Convivemos com uma das mais elevadas desigualdades sociais e com um dos mais altos níveis de violência, registrando mais mortes violentas por ano que a Síria em plena guerra.
Como dizia Nelson Rodrigues, “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”. Ao longo das décadas, o Brasil tem sido dominado pelas emergências e priorizado as ações imediatistas e assistencialistas, preferindo as gambiarras e os arremedos simplistas e populares ao enfrentamento dos estrangulamentos estruturais. Neste período, o Estado brasileiro foi sendo capturado e corroído lenta, mas, profundamente, por diferentes grupos de interesses e corporações influentes que chamam de direito os seus privilégios, que hoje comprometem parcelas crescentes dos recursos públicos. Querem um exemplo? O Sistema Judiciário no Brasil gasta apenas em salários cerca de R$ 41,16 bilhões por ano (sem contar os vários penduricalhos que disfarçam o rendimento total), cerca de metade, gastos na Justiça do Trabalho. Enquanto isso, a União gastou com educação no ano passado cerca de R$ 100 bilhões (todas as despesas, e não apenas os salários dos servidores).
Não é possível construir o futuro do Brasil com estas flagrantes desproporções na alocação dos recursos públicos, comprometidos com “direitos adquiridos”, que resultaram de decisões equivocadas do passado, influenciadas pelos lobbies de poderosas corporações, e que precisam ser corrigidas e adequadas às novas condições e às prioridades estratégicas do país. Os economistas têm a mania de fazer perguntas incômodas mas fundamentais: “Quanto custa?”, “Quem vai pagar?”, “Qual o resultado esperado?” Para pensar o futuro do Brasil, temos que começar pela última questão: queremos uma economia eficiente e uma sociedade igualitária? Então, estamos fazendo tudo errado, há décadas. O Estado brasileiro custa muito e é ineficiente. E, mais do que isso, está alocando recursos em áreas e para atender a interesses que tendem a manter o baixo nível de competitividade, a limitada produtividade da economia e o baixo nível da educação, que reforçam a enorme desigualdade das oportunidades na sociedade.
Angustiados com a crise do momento, os brasileiros não conseguem pensar no futuro. Cada grupo social busca apenas sobreviver, e as corporações atuam para segurar seu pedaço do Estado falido. E os políticos, além de comprometidos com a corrupção, movem-se e decidem preocupados com seu próprio mandato e com a próxima eleição. Corremos, assim, o grande risco de persistir nas decisões erradas e nas omissões que devem prolongar o nosso subdesenvolvimento e o distanciamento dos países líderes.
Excelente e apropriado!
BELO ARTIGO RETRATO FIEL DO NOSSO MOMENTO ATUAL,COMO NÓS POVO BRASILEIRO ACEITA ISSO TÃO PASSIVAMENTE.
Lamento ter que dizer que estou 100% de acordo com o que diz este sincero e magnífico artigo.
Como sempre, arguto e correto.
Concordo, Sérgio Buarque. Parecia até que a situação econômica estava tão ruim que aumentava momentaneamente a esperança de que o Congresso reconheceria a gravidade dos problemas e aprovaria as reformas. Bastou um alívio mínimo da situação econômica e o foco é de novo apenas o curto prazo.
Muito boa análise. Concordo.
Sérgio,
Muitas vezes eu me pergunto se já acreditei no Brasil de forma consistente. Chego a essa conclusão meio estapafúrdia depois de concluir que nós brasileiros detestamos ser desmancha-prazeres. Nada é socialmente tão censurável do que esculhambar a euforia de pessoas que, no mais das vezes, soltam rojão por ganhos pessoais ou, quando muito, setoriais. Acho que desenvolvemos coletivamente uma psique de mãe de ladrão que finge acreditar na regeneração do filho, mas que não fica nada surpresa quando a polícia bate à porta à procura dele. Quando muito, ela dirá que ele era um bom rapaz e que nada daquilo aconteceu por culpa dele. Nossa atitude pode ser até mesmo semelhante àquela do corno assumido que já não sabe a que subterfúgio recorrer para fazer de conta que está tudo normal na casa dele. Minha vida começou a sério na década de 1970. De lá para cá, francamente, incorreria em franco cabotinismo se dissesse que acreditei nesse “fazendão” ( a expressão é de Fernando da Mota Lima) seriamente. Sei que é fácil dizer isso agora, quando a casa arde em chamas e aguarda um imenso mutirão de reconstrução. Mas pelo menos já sei que até o fim dos meus dias não terei que escamotear meus sentimentos. Pois se não saímos do atoleiro até hoje, talvez não venha a ser em meu tempo de vida que chegaremos a ser a Espanha sonhada. Pronto, disse.
Abraço,
Fernando