Sérgio C. Buarque

‘Adam’s Creation’– Sistine Chapel ceiling by Michelangelo.

“A humanidade é um projeto que não deu certo”. Esta é a conclusão, diante da insensatez que domina a história da humanidade, marcada por guerras, violência, torturas, massacres, intolerância e miséria social. Desde a lenda do fratricídio de Caim, produto de inveja e ciúme do irmão, passando pelas guerras e massacres dos povos em todos os continentes, dos tártaros e mongóis aos incas e às etnias africanas, pela tortura da Inquisição, pelo holocausto nazista, pelo massacre stalinista de Katyn, pela bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, pelo genocídio dos armênios, até a insensata eleição do desequilibrado presidente da maior potência militar do planeta, brigando agora com outro paranoico, o ditador da Coréia do Norte. Esta tem sido a triste história da humanidade, dominada desde sempre pela destruição e autodestruição, por guerras e violências permanentes, grande parte das quais alimentada por fanatismos religiosos ou laicos.

Se este foi um projeto divino, como afirmam as religiões, o projetista equivocou-se redondamente na sua concepção, ou cometeu algum erro grave na execução. Decididamente, o projeto não deu certo. A não ser que a intenção tenha sido mesmo criar um ser em permanente conflito e discórdia, com impulso destrutivo e violento, o que seria de uma crueldade infinita (divina?), o projeto foi um grande fiasco. Provavelmente por ter misturado a pulsão de vida, comum em todos os seres vivos, com o pensamento, privilégio dos humanos, o projeto permitiu a emergência da hipocrisia, da mentira, da dissimulação e da malícia. Esta combinação deu origem à inveja e à maldade humanas e, pior, construiu uma razão para explicar e justificar as perversões, o fanatismo e a crueldade, que, em última instância, anulam essa razão.

De acordo com algumas religiões, o criador da humanidade, percebendo os descaminhos do seu projeto, teria mandado mensageiros para corrigir as falhas ou, como dizem, “salvar a humanidade”. Salvar de que ou de quem? Não fica claro, porque a própria humanidade, independentemente de criador, é ela mesma culpada de todos os males, de toda a violência e desagregação moral e social. O certo é que, pelo menos até agora, toda operação de salvação da humanidade foi também um completo fracasso, a julgar pelo resultado: a humanidade continuou mostrando a mesma violência, intolerância, guerras, terror e desagregação moral e social. A verdade é que a violência e a intolerância continuam dominando, tendo mesmo aumentado em alguns momentos, e, paradoxalmente, vêm sendo praticadas por vários seguidores fanáticos dos profetas e mensageiros do projetista angustiado com seu próprio fracasso.

Tem havido melhoras em alguns aspectos e em certas regiões, principalmente nos Estados de bem estar social da Europa, precisamente onde a população se tem afastado do salvacionismo, religioso ou laico. Mas é a mesma humanidade que convive com bilhões de pessoas na mais absoluta miséria, que realiza massacres das populações na Síria, que se envolve em guerras e violentos conflitos étnicos e nacionais, dominada pelo fanatismo e pela intolerância. Todos os movimentos da História que, por diferentes meios, prometiam a “salvação da humanidade”, fracassaram completamente. Tanto os religiosos, como o Cristianismo e o Islamismo, quanto os laicos, como o stalinismo, não conseguiram acabar com as mazelas e perversões da humanidade. Na verdade, a visão totalitária e fanática dos movimentos salvacionistas tem sido, ao contrário, responsável por muitas das desgraças e descaminhos da humanidade.

Mas ainda tem jeito. Aqui e ali, temos melhorado, principalmente quando nos distanciamos das promessas salvacionistas, elas mesmas produto do “defeito de fábrica” de um projeto fracassado.