A democracia está sendo esmagada pelo governo de Nicolás Maduro na Venezuela. No meio de uma forte repressão às manifestações, que resultou na morte de mais de cem pessoas, e depois de impor uma Assembleia Constituinte por cima do Legislativo eleito apenas há dois anos (a Assembleia Nacional, de maioria opositora), demitiu a Procuradora Geral e agora está afastando e prendendo prefeitos que, supostamente, não impediram as manifestações populares nos seus municípios. O poderoso e autoritário Maduro está acossado por dois fantasmas. De um lado, o fantasma de Hugo Chavez, que o assessora e orienta através de singelos mensageiros – passarinhos e borboletas – que se comunicam com o ditador para transmitir mensagens do seu padrinho político. Os poéticos mensageiros, contudo, não podem ser responsabilizados pelos conselhos insensatos do líder do bolivariano, que estaria levando a Venezuela a um regime autoritário e repressivo, e à iminência de uma guerra civil. Deve ter sido numa noite em que, segundo diz, dormiu ao lado do túmulo de Chavez, que o fantasma teria levantado do túmulo, sem intermediários, para sugerir o rompimento das regras democráticas, assumindo Maduro, através da Assembleia Constituinte, o poder absoluto naquele país da América do Sul. Diante do completo fracasso do seu governo, inventou ele outro fantasma, para fugir das suas responsabilidades: uma suposta conspiração mundial, comandada pelo “imperalismo norteamericano”. Explorando o conveniente papel de vítima e procurando despertar a memória anti-imperalista dos venezuelanos e dos ingênuos sul-americanos, o ditador venezuelano tenta transferir para as forças externas, representantes do mal, a culpa pelo desastre econômico, social e político do populismo bolivariano. E, convenhamos, acaba ajudado pelo desequilibrado Trump, com seu projeto de construção de um muro na fronteira do México, e assim isolar-se de toda a América Latina.
Não obstante a democratização do noticiário que estampa mundialmente o virtual esfarelamento da vida democrática, social e econômica na Venezuela, é espantoso que milhares de pessoas ainda propugnem apoio a um lunático como Maduro. Não por acaso, muitos deles são brasileiros e se fazem de cegos às evidências ginasianas do descalabro.
Nesse contexto, nunca é demais ressaltar que o Brasil foi também responsável para que a situação tenha chegado onde chegou. Se são limitados os poderes de ingerência de um país no outro – e isso é cláusula pétrea de nossa Chancelaria -, há de se reconhecer que o populismo chavista se prestou de maravilha para toda sorte de gatunagem.
Ademais do maná do ouro negro a três dígitos de dólar o barril, que lhes permitiu fazer desaforo com dinheiro por um bom tempo, tivemos do lado de cá um simulacro de diplomacia paralela encabeçada por um quadro petista (recentemente falecido) que alimentou a fornalha. Pena que não esteja vivo para ver no que resultou sua profissão de fé no esbulho.
E eis que o irresponsável e aventureiro Donald Trump, em busca também de um inimigo externo para compensar seu fracasso interno, tal qual Maduro, afirmou ontem que pode usar a “intervenção militar” na Venezuela. Esta verborreia militarista alimenta o discurso anti-imperialista de Maduro, num encontro perfeito de inimigos que se amam porque servem ao jogo publicitário dos dois. Mesmo condenando o governo autoritário de Nícolas Maduro, o mundo deve rechaçar com veemência qualquer intervenção externa na Venezuela, menos ainda uma aventura militar e ainda menos uma agressão dos Estados Unidos.
Donald Trump não tem repertório para fazer face ao que ajudou a plantar na Coréia do Norte. Daí resulta que resolveu se voltar para o que seria o alvo mais prático e previsível. Algum neófito deve lhe ter dito que seria mais esperto saciar o diapasão belicoso numa região palco de intervenções históricas. Tal e qual Reagan fez com a insignificante Granada. Sim, é isso mesmo, Donald está sem bússola. E de geopolítica ele entende tanto quanto eu sei da gestão de cassinos. Maduro ganhou um fôlego extra e deve estar exultando. Foi como as Malvinas para Galtieri.
Intervenção externa só agrava a situação. Concordo inteiramente com Sérgio C. Buarque. Vide a tragédia na Síria! E como esquecem, nos Estado Unidos, que o embargo americano sempre foi usado em Cuba para reforçar a ditadura? Acabo de falar ao telefone com meu irmão Rodolfo, que ia começar a ler meu artigo sobre Venezuela, e observou: estou aqui com o Estadão e a Folha, e a manchete é que Trump ameaça intervenção militar. E acrescentou em tom de blague: já começo a leitura a favor do Maduro. Claro que era sua maneira de apontar para o problema, que ele é o mais sensato dos professores da USP. Mas é isso que vai acontecer: vai ter mais gente apoiando a ditadura em Cuba, por causa dessa figura vergonhosa e perigosa que é Trump. Ainda bem que o governo brasileiro declarou imediatamente que é contra uma intervenção.
Corrigenda: “… vai ter mais gente apoiando a ditadura em Cuba E NA VENEZUELA, por causa dessa figura vergonhosa e perigosa que é Trump.” Aliás, uma intervenção militar do Brasil igualmente reforçaria Maduro – ainda que existam orgulhosos nacionalistas grão-brasileiros propondo intervenção.