Elimar Pinheiro do Nascimento[1]
Não sei se por pessimismo crônico, repúdio à quadrilha no poder ou amor empedernido ao PT, apesar de tudo, alguns amigos estão dispostos a apostar que a democracia sofrerá graves arranhões no Brasil. Segundo estes amigos, o Temer e seus aliados próximos darão um “golpe”, permanecendo mais um ano no poder, como forma de aguardar que a economia melhore, para limpar sua imagem, desarmar a Lava Jato e fugir da cadeia. Além, claro, do objetivo supremo, conservar o poder ou nele ter lugar, a qualquer custo. A ideia não é apenas prolongar o mandato do atual presidente, mas de todo o Congresso. Haveria boatos nos corredores do Congresso neste sentido, segundo estes mesmos amigos.
A passividade popular conta a seu favor, assim como os deslizes dos personagens centrais da Lava Jato, a recrudescência da violência urbana, o crescimento do conservadorismo e a demanda por medidas autoritárias por parte da população. Ademais da melhoria cada dia mais evidente do quadro econômico. Contariam, portanto, com o apoio do crime organizado de um lado, e da disposição das Forças Armadas em manter a ordem, do outro. Afinal, saíram recentemente dos quartéis para proteger os imóveis do governo, porque não sairiam amanhã para proteger o governo? Recentemente, um outro General Mourão defendeu a intervenção do Exército para acabar com a bagunça, deixando o ministro da defesa, Raul Jungmann, em saia justa. Um cenário de muita imaginação, não há dúvida. Reconhecem este fato meus amigos, mas lembram que a realidade em Latino-américa é mais criativa que sua literatura, reconhecida internacionalmente por sua imaginação.
Quando se observa a Operação Mãos Limpas na Itália, causam surpresa as similitudes do crime, e horror o resultado do seu desmonte. Empreiteiras ganhavam licitações junto à empresa estatal de petróleo (ENI) e, em troca, davam propinas aos partidos e políticos. Causa indignação a forma como o Parlamento desmontou a Operação. Leis se sucederam, ao longo de dez anos, para proteger os criminosos, cerceando a ação dos órgãos de controle, restringindo o alcance das investigações e abrindo oportunidades para a prescrição das penas, sucessivamente.
Surpreendem, igualmente, as críticas similares às Operações na Itália e no Brasil: perseguição política, abuso de autoridade, inobservância da lei, desrespeito aos direitos humanos são os argumentos aqui e acolá. Críticas estas que aumentam na medida em que se abre o leque dos acusados e punidos. Quando o PT estava no centro das investigações, afinal, era quem comandava o governo, os simpatizantes dos outros partidos – políticos, intelectuais, juristas – guardavam silêncio. Agora que o PMDB ocupa o centro, estes mesmos silenciosos saem aos jornais criticando a “falta de respeito às leis” e a “perseguição dos opositores”, quando não acusam a mídia de “inventar”.
E como resultado, Lula, com o PT, une-se a Temer, com o PMDB, no combate à Lava Jato, com pressão junto a aliados nas instâncias judiciárias. O STF ameaça abolir a prisão após a condenação em segunda instância; o governo federal reduz o orçamento da Operação, desloca quadros. O Parlamento tenta ameaçar os juízes com a aprovação de uma lei contra o abuso, recusa dar andamento a lei que restringe o fórum privilegiado, que tanto protege os políticos.
A Operação Lava Jato só é possível porque uma cadeia de instituições (Polícia Militar, Ministério Público e Judiciário) e personalidades (Teori, Fachin, Moro, Janot, Daiello) comprometidas com o combate à corrupção ocupam o lugar certo. Mas a legislação vigente foi essencial: prisão preventiva, delação premiada e prisão após a condenação em segunda instância. Assim como o apoio da mídia e da opinião pública.
Para que o desmonte da Lava Jato ocorra, é preciso que este Parlamento persista e ouse tomar as medidas de proteção aos criminosos, contando com a melhoria na economia e o silêncio da opinião pública e, de preferência, com a conivência da mídia e o apoio do empresariado.
Há obstáculos a transpor neste plano de prolongar o mandato dos atuais deputados e senadores, e do Presidente, para desmontar a Lava Jato e continuar no poder. Primeiro, a reação da opinião pública, que dificilmente ficará em silêncio em face da possibilidade de prolongar o mandato de personagens absolutamente repudiadas. Segundo, a reação da mídia, não será fácil amordaçá-la em frente a tal desplante. Terceiro, não é evidente que os empresários venham a apoiar, mesmo com a incerteza de quem será o próximo Presidente. Quarto, não há sinal nas hostes militares de simpatia pelos atuais governantes, nem o sentimento de que as FFAA deverão “salvar o País”. O episódio “segundo General Mourão” é (ainda) um fato isolado. Finalmente, a reação interna de deputados e senadores que não se calarão em face de medidas autoritárias desta magnitude, seja pelo respeito ao princípio democrático, entre alguns, seja por interesse de tentar voltar ao poder, entre outros. Nem PT, nem PSDB ganharão com o prolongamento do mandato, sem falar de outros partidos como o PSOL, Rede, PSB, PDT e PV, só para citar os mais evidentes. Ganharão, apenas, os políticos acusados, investigados ou réus. Felizmente, apesar de muitos, não são a maioria no Congresso.
Com isso, devo ganhar a aposta em 2018. Tenho mais chances. Porém o futuro é a moradia privilegiada da incerteza, como gosta de dizer meu amigo Claudio Porto. Será que perderei?
[1] Sociólogo, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade de Brasília (UnB).
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