Em novembro de 2014, o editorial da Revista Será?, intitulado “O ovo da lagartixa”, questionava opiniões pessimistas que comparavam o ambiente político no Brasil da época (há quase quatro anos) com a desagregação social e política que levou ao nazismo na Alemanha, em 1933, retratada pelo cineasta Ingmar Bergman como o “ovo da serpente”.
O editorial reconhecia a gravidade da crise política e das ações agressivas de grupos radicais, a polarização e radicalização dos discursos, mas mostrava que o Brasil estava muito longe do clima de violência e intolerância que marcou os anos que anteciparam a ascenção de Hitler ao poder.
Nesses quase quatro anos, contudo, a situação política e institucional do Brasil vem-se deteriorando rapidamente, intensificando e ampliando a intolerância política, que sai do discurso para ações violentas. A agressão à caravana político-eleitoral do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva nos Estados do Sul é uma expressão aguda e inaceitável dessa radicalização. A tentativa de impedir a livre manifestação de uma liderança política é uma agressão à democracia e uma ameaça às instituições, acentuada com a criminosa utilização de armas de fogo. Tão grave quanto, foi o último discurso do deputado Jair Bolsonaro, dizendo que o MST-Movimento dos Sem Terra será enfrentado com chumbo, uma incitação pública à violência que alimenta a serpente. Sem esquercer, contudo, fatos e posturas anteriores do PT-Partido dos Trabalhadores e do próprio Lula, que nutriam a perigosa serpente, fracionando os brasileiros com o “nós e eles” (todos que fossem contra o partido), declarando ódio aos “golpistas” e ameaçando jogar o “exército de Stedile” nas ruas, para deter o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Para agravar a situação, recentes atitudes e decisões confusas, desencontradas e casuísticas da maioria dos magistrados do STF-Supremo Tribunal Federal desmoralizaram a principal instituição do Judiciário, acentuando o descrédito nas regras e nas instituições do Brasil.
O ódio e a intolerância aumentam em muitas tendências políticas e em vários segmentos da sociedade, evidenciadas por gestos, atitudes e manifestações de políticos e grupos organizados. E tendem a elevar o tom da fala e das agressões, na medida em que se aproximam as eleições de outubro. A lagartixa cresceu nestes quase quatro anos em que a população foi perdendo respeito e confiança nas instituições políticas e jurídicas. Virou uma serpente. O futuro do Brasil pode ser negro, se não houver uma reação de lideranças políticas e jurídicas responsáveis do Brasil (temos ainda muitas que, no entanto, vacilam e fogem do diálogo), juntando forças para quebrar o ovo da serpente, e deter este ciclo perigoso de intolerância e violência.
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