O Iluminismo matizou a fé na religião com a certeza da ciência. Não se trata de disputa. O que há é complementaridade. Na evolução do pensar humano.
Que se completa na filosofia. A filosofia dá sentido à ciência. O conhecimento científico busca solidez. Raízes. Confirmação de hipóteses na reiterada experiência.
Mas é a filosofia que dá o rumo das coisas. Mostra a direção do fazer. Entre o contingente e o permanente, a filosofia acentua coerência do agir humano.
Kant nos ensinou que a sustentação moral está no absoluto do imperativo categórico. E o que é o imperativo categórico? É um enunciado ético. Que afirma que a moral é universal na racionalidade. Sendo racional, alcança a universalidade. Com base em valores.
A filosofia é um farol que ilumina as brumas do ceticismo contemporâneo. Ajuda a compreender e a vencer o criticismo da Escola de Frankfurt. Superando o pessimismo notável e superável de Adorno. Como a inundação da sociedade líquida de Bauman.
A ética Kantiana alinha-se aos direitos humanos. É reguladora de comportamento. Fundamentada na permanência de valores. Com sentido prático. Ancorando seus conceitos nos princípios da deontologia jurídica (dever ser).
O pensamento Kantiano, portanto, é trilha que contorna emoção e atalhos. Porque estas escorregam no erro da contingência política. Ou se abismam na conveniência amoral.
Aliás, Habermas toma Kant como um dos dois pais da filosofia na modernidade. O outro seria Hegel. Diz Habermas que a característica da razão moderna é sua autofundação. Enquanto a razão antiga procurava seu lastro na revelação bíblica, a razão moderna funda-se em si mesma. É o que percebeu Kant. Apoiado na coerência de valores absolutos. Como ética, justiça e verdade.
Política
A política é o reino do contingente. Por isso, quem a assume, corre os riscos do provisório. Agora, imagine juiz que se transveste de político.
Ora, a justiça é o império da lei. Portanto, da certeza. Do permanente. É a lei que garante a paz social. Por meio da certeza que as pessoas têm sobre seu destino assegurado na lei.
Quando um juiz faz política, desconstrói a certeza legal. E contribui para diminuir a coesão social. Porque, no fundo, as pessoas querem saber para onde estão indo. E quem dá tal sinalização é a lei. Se o juiz, por interpretação pessoal, dá definição diversa daquela prevista na lei, instala-se a incerteza. Que abre brecha para o cisma social.
A manobra do juiz sugerindo a libertação de preso, para que aguarde em casa sentença definitiva, é trágica duplamente. Primeiro porque afronta tripla condenação: a do juiz singular de Curitiba, a da instância recursal de Porto Alegre e a do tribunal superior (STJ) de Brasília.
Em segundo lugar, porque a proposta parte de um ministro do Supremo. Que deveria primar sua atuação pelo zelo com o rito judicial. E com o cumprimento da lei.
A justiça carrega, em si, beleza e tragédia. Quando a justiça se concretiza, a realidade fixa contornos de harmonia social. É a realidade se conformando à norma. Tornando as relações sociais mais estáveis. E mais harmônicas.
Quando se tenta ladear a justiça, há risco de desconformidade legal e desarmonia social. Com risco institucional. Mais grave ainda se a tentativa for provocada no nível superior do edifício da própria justiça. Que mostra feiura própria do desconcerto.
Beleza e tragédia se alternam no cotidiano da justiça brasileira. Mas, em anos recentes, a beleza tem saído vencedora.
Infelizmente não tenho todas essas certezas que tem Luiz Otavio Cavalcanti. Para começar, não consigo enxergar nem beleza nem vitória em uma Corte Suprema que se acostumou a permitir decisões monocráticas. Enquanto o STF não passar a decidir apenas como pleno a incerteza continuará. E o fla-flu político antes de cada decisão do STF de bonito não tem nada.