Luiz Otavio Cavalcanti

O Iluminismo matizou a fé na religião com a certeza da ciência. Não se trata de disputa. O que há é complementaridade. Na evolução do pensar humano.

Que se completa na filosofia. A filosofia dá sentido à ciência. O conhecimento científico busca solidez. Raízes. Confirmação de hipóteses na reiterada experiência.

Mas é a filosofia que dá o rumo das coisas. Mostra a direção do fazer. Entre o contingente e o permanente, a filosofia acentua coerência do agir humano.

Kant nos ensinou que a sustentação moral está no absoluto do imperativo categórico. E o que é o imperativo categórico? É um enunciado ético. Que afirma que a moral é universal na racionalidade. Sendo racional, alcança a universalidade. Com base em valores.

A filosofia é um farol que ilumina as brumas do ceticismo contemporâneo. Ajuda a compreender e a vencer o criticismo da Escola de Frankfurt. Superando o pessimismo notável e superável de Adorno. Como a inundação da sociedade líquida de Bauman.

A ética Kantiana alinha-se aos direitos humanos. É reguladora de comportamento. Fundamentada na permanência de valores. Com sentido prático. Ancorando seus conceitos nos princípios da deontologia jurídica (dever ser).

O pensamento Kantiano, portanto, é trilha que contorna emoção e atalhos. Porque estas escorregam no erro da contingência política. Ou se abismam na conveniência amoral.

Aliás, Habermas toma Kant como um dos dois pais da filosofia na modernidade. O outro seria Hegel. Diz Habermas que a característica da razão moderna é sua autofundação. Enquanto a razão antiga procurava seu lastro na revelação bíblica, a razão moderna funda-se em si mesma. É o que percebeu Kant. Apoiado na coerência de valores absolutos. Como ética, justiça e verdade.

Política

A política é o reino do contingente. Por isso, quem a assume, corre os riscos do provisório. Agora, imagine juiz que se transveste de político.

Ora, a justiça é o império da lei. Portanto, da certeza. Do permanente. É a lei que garante a paz social. Por meio da certeza que as pessoas têm sobre seu destino assegurado na lei.

Quando um juiz faz política, desconstrói a certeza legal. E contribui para diminuir a coesão social. Porque, no fundo, as pessoas querem saber para onde estão indo. E quem dá tal sinalização é a lei. Se o juiz, por interpretação pessoal, dá definição diversa daquela prevista na lei, instala-se a incerteza. Que abre brecha para o cisma social.

A manobra do juiz sugerindo a libertação de preso, para que aguarde em casa sentença definitiva, é trágica duplamente. Primeiro porque afronta tripla condenação: a do juiz singular de Curitiba, a da instância recursal de Porto Alegre e a do tribunal superior (STJ) de Brasília.

Em segundo lugar, porque a proposta parte de um ministro do Supremo. Que deveria primar sua atuação pelo zelo com o rito judicial. E com o cumprimento da lei.

A justiça carrega, em si, beleza e tragédia. Quando a justiça se concretiza, a realidade fixa contornos de harmonia social. É a realidade se conformando à norma. Tornando as relações sociais mais estáveis. E mais harmônicas.

Quando se tenta ladear a justiça, há risco de desconformidade legal e desarmonia social. Com risco institucional. Mais grave ainda se a tentativa for provocada no nível superior do edifício da própria justiça. Que mostra feiura própria do desconcerto.

Beleza e tragédia se alternam no cotidiano da justiça brasileira. Mas, em anos recentes, a beleza tem saído vencedora.