Editorial

Convulsão social e incerteza dominam na América do Sul, atingindo, principalmente, três países andinos – Venezuela, Bolívia e Chile – cada um com suas circunstâncias e diferentes determinantes. A Venezuela vive uma crise aguda e generalizada (social, econômica, política e institucional),  com um governo autoritário, protegido  pelas Forças Armadas da revolta de um povo faminto e assustado. Completamente diferente das grandes agitações da Bolívia e do Chile, ambos com uma economia estável e em crescimento econômico, sacudidos por um terremoto político de grandes proporções, acompanhado de violência, saques, repressão e mortes. Embora semelhantes na abrangência das manifestações e no grau de violência, a crise nestes dois países tem causas e possíveis desdobramentos muito distintos. As manifestações politicas no Chile começaram com o aumento da tarifa do metrô, mas expressam, no fundo, uma insatisfação latente com o processo de empobrecimento da classe média e as evidências de desigualdades sociais. A crise da Bolívia é, antes de tudo, institucional, provocada pelas manobras do ex-presidente Evo Morales para concorrer às eleições presidenciais, e agravada pela comprovação de fraude eleitoral por uma comissão da OEA – Organização dos Estados Americanos, levando à sua renúncia e exílio. A explosão social na Bolívia começou com o confronto violento entre partidários e adversários de Morales, transformando-se em revolta dos partidários do ex-presidente depois que a senadora Jeanine Añez assumiu o governo, no vazio deixado por seguidas renúncias. A presidente interina acaba de convocar novas eleições presidenciais, mas não parece provável que consiga conter a fúria dos simpatizantes de Evo Morales, ao tempo em que os bolivianos começam a padecer o desabastecimento de combustível e carne. No Chile, ao contrário, apesar da violência e saques, e da repressão policial, as regras institucionais não foram afetadas, e o Presidente e os partidos, mesmo desacreditados, estão tomando decisões importantes para atenuar a enorme insatisfação do povo. Além da assinatura de um “Acordo de Paz e a Nova Constituição”, que levou a um arrefecimento das tensões e dos atos de violência nas cidades, têm sido tomadas medidas importantes para reverter o empobrecimento da população, como o aumento das aposentadorias e do orçamento da saúde. O saldo da crise no Chile pode ser a melhoria social, com a volta da normalidade nos próximos meses. Na Bolívia, contudo, um entendimento político para a realização de eleições seguras e pacíficas parece muito difícil, considerando a polarização entre os adversários e os revoltados partidários de Evo Morales.