A América Latina é terra de populismo. Porque analfabetismo e pobreza estão ligados no incentivo à dependência emocional. Esperando o salvador da pátria.
A espera do salvador da pátria estimula a formação de mentalidade populista. E o que constitui a mentalidade populista ?
Três fatores: desapreço pela liberdade individual, negando a contribuição do liberalismo moderno na economia e na política; pretensão de exclusivismo democrático, como se democracia fosse valor apropriável apenas pela esquerda; e obsessão igualitária, obscurecendo a capacidade de criar e inovar no talento pessoal.
Risco de subsumir expressões da cidadania nas teias burocráticas do Estado. Como disse Isaiah Berlin: “A doutrina segundo a qual a liberdade das pessoas se consume no Estado cria a servidão absoluta”.
Não vou detalhar o percurso contemporâneo do capitalismo na China (um regime e dois sistemas). Nem na Rússia. Como testemunho de justificativa histórica do substrato liberal na transformação de economias ex comunistas. Fico no sol do trópico. O caso Lula é exemplar. Ele se pretende imune. Alçando-se, qual improvável fênix, a patamar excelso. Dono de singular austeridade.
Do ponto de vista da institucionalidade social brasileira, o populismo de Lula tem três custos: o custo de risco democrático, o custo de desmoralização da justiça e o custo de desvalorização da política. O custo do risco democrático, no populismo de Lula, está na sua dissuasão. Quanto mais emoção, menos racionalidade. É o avesso de Bolsonaro. Estando os dois na mesma moeda. Um é cara, outro é coroa.
Nada de construir diálogo. Nem consensos. Lembrar do pacto de Moncloa nem sonhar. O que vale é afirmar sentenças. Num solo de hegemonia partidária. Sem chance para compartilhar espaço estratégico de poder. Ciro ? Nem pensar.
O custo de desmoralização da justiça, no populismo de Lula, está na liquidação da Lava Jato. A única iniciativa judicial efetivamente democrática. Porque com alcance universal. Tão fortemente saneadora, geologicamente ética, que agregou contra ela, ao mesmo tempo, parlamentares, empresários, parcela do Supremo e advogados.
Para se livrar dos processos judiciais, o que vale é reafirmar a própria versão. Que, em repetição Goebbelsiana, ganhe contorno de veracidade. Apesar de incontornáveis decisões de segunda instância. Ajustando facies de inverossímil inocência. Como outros condenados. Mas, distinto (e distante) deles. Porque é raro. Único.
O custo da desvalorização da política, no populismo de Lula, está no nivelamento por baixo de seu exercício. Depois de sua soltura, a política brasileira caiu de nível. Porque criou dualidade de condenados: os de primeira classe e os de segunda classe.
Após a soltura de Lula, o voto dado pelo ministro Toffoli ganhou realce. Pois delegou ao Legislativo o encargo de executar uma sentença. Lapidar.
Bolsonaro, exaltação do nada.
Primeiro, ele disse que tinha só um posto Ipiranga. Depois, exibiu um guru no estrangeiro. Que distribuiu agressões gratuitas. Logo, afirmou que abdicava da velha política. No entanto, assumiu recorrente nepotismo. Em seguida, ao invés de apresentar um projeto de país, filiou-se à bandeira norte americana. Sem negociar nada em troca. E, vendo que Jerusalém é manto sagrado e não mesa de negócios, recuou.
Na prática, formou, no governo, um consórcio militar. Em tática que sugere plano preventivo. Não propriamente para assumir iniciativa antidemocrática. Mas, como dispositivo de segurança próprio de paraquedismo.
Do ponto de vista da política externa, o custo do governo Bolsonaro é alto. A tradição da diplomacia brasileira sempre foi de cuidadoso profissionalismo. Fiel ao equilíbrio em palavras e gestos. Bastaram sessenta dias, o governo atual descaracterizou sólida relação amigável com dois parceiros: Argentina e França.
Por outro lado, o que chama atenção, na relação com o Congresso Nacional, é o absenteísmo político. Na realidade do cotidiano congressual, o que temos é um parlamentarismo presidencialista. No qual a combinação Maia / Alcolumbre pauta o atacado da economia e toca o varejo.
No cartório dos ativos/passivos políticos, o governo Bolsonaro deve ser inscrito na contabilidade de Lula. Por duas razões: primeira, o petista colocou Dilma Rousseff na presidência. Produzindo o maior desastre administrativo da República. Que provocou recessão econômica carregando 12 milhões de desempregados. Foi esta conjuntura estressante socialmente que justificou, em franjas eleitorais, o voto bolsonarista.
Segunda razão, Lula não admite negociar a primazia do PT em chapas majoritárias. Dispensou a hipótese de Ciro Gomes derrotar Bolsonaro na eleição passada. Como perfeito jagunço transmudado em Bonaparte tropical.
Um dos mais lúcidos comentários sobre o tema. Com a profundidade arguta e a erudição própria de algumas mentes privilegiadas de nossos liberais pernambucanos, que continuam fazendo história.