Elimar Pinheiro do Nascimento

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O Brasil se encontra em um dilema político imediato: assegurar a continuidade democrática iniciada nos anos 1980, ou deslizar para um regime autoritário, provavelmente sob novos moldes. Há pouca, senão nenhuma, possibilidade de que o regime autoritário vigente entre 1964-1985 retorne. A suspensão da democracia no Brasil, provavelmente, terá uma aparência de continuidade democrática, mudanças na legislação, perda de direitos, perseguição à oposição, clima social crescente de intolerância e violência, cerceamento da mídia e das liberdades de expressão e organização. Aos poucos, e sutilmente, um regime autoritário se instalará, sem necessitar de golpe militar, junta militar ou algo semelhante. Pelo menos como tendência predominante, o que não afasta de todo uma intervenção militar cirúrgica.

O caminho para o regime autoritário está se desenhando. Os autores de Como as democracias morrem sugerem um conjunto de quatro sinais que indicam o começo do fim da democracia. E todos eles estão presentes na conjuntura brasileira: a) rejeição das regras eleitorais (Bolsonaro declarou na campanha que não confiava nas urnas eletrônicas); b) negação dos oponentes políticos (Bolsonaro chama Lula de canalha e este diz que o outro é o presidente das milícias); c) encorajamento à violência (disseminação do uso de armas, “licença para matar”) e, d) propensão a restringir as liberdades democráticas (novas leis restritivas nas escolas, proibição de financiamento a filmes que defendam novos costumes).

Contribui para isso o fato de que há indícios de perda de prestígio da democracia no Brasil. A aprovação da democracia é baixa, e a confiança nas instituições democráticas idem. Juntamente com os bombeiros, Policia Federal e Forças Armadas, o Ministério Público e o Poder Judiciário eram as únicas instituições sobre as quais pairava um véu de confiança. No momento, o prestígio destas duas últimas se desfaz.

O crescimento da extrema direita é notório, e não apenas pelas eleições de Jair Bolsonaro, mas também pela permanência de seu prestígio, apesar dos inumeráveis erros, tolices e grosserias. A maior parte, calamitosas. Paira no governo muito pouco bom senso. E, no entanto, cerca de 1/3 da população o apoia, considera seu governo ótimo ou bom. Verdade que, em janeiro, este apoio era mais expressivo: 40%. Contudo, as tolices do governo são tantas, desde então, que qualquer outro governante estaria com sua popularidade por terra.

Aparentemente, há um segmento da população que é conservador e sensível aos brutais discursos do Presidente, discursos homofóbicos, racistas e machistas, que ele pronuncia com frequência. As pessoas que apoiam a discriminação aos LGBTs, concordam com o povo armado, substituindo a polícia, julgam absurdo o sistema de vigilância de trânsito, acreditam que as Universidades Federais estão impregnadas de comunistas e são condescendentes com o uso de drogas, pensam que os direitos trabalhistas são excessivos, que a suspensão do financiamento de filmes ou peças teatrais em que apareçam nudez (mais ainda cenas de homossexualidades) está certa, que o Carnaval é uma festa do Satanás, são em número muito maior do que antes se imaginava. Essas forças conservadoras, antes sem expressão, ocupam agora a parte central da arena política.

Há Forças Armadas, formais e informais, perigosamente em torno de Bolsonaro. A presença dos militares no poder pode ser muito prejudicial, caso seu candidato seja perdedor. Não se sabe como esses militares no governo irão reagir em semelhante situação, e se terão força e prestígio para mobilizar os que estão nos quartéis, com armas. Não para tomar o poder, mas para impedir que as regras democráticas da alternância funcionem. Por outro lado, são cada vez mais claros os indícios de relações pouco claras entre a família Bolsonaro e as forças dos milicianos, que funcionam como um Estado paralelo, em alguns lugares do Rio de Janeiro. Isso, hoje, porque amanhã devem estar em outras metrópoles.

Apesar de haver sinais de recuperação econômica, caso ocorra, ela se fará em favor de um dos polos. Provavelmente aquele que está no poder, sobretudo se a oposição se colocar contra a política econômica do governo, como o faz atualmente. E o fez em relação ao Plano Real. Ninguém duvida que a permanência de Jair Bolsonaro na presidência pode ter consequências desastrosas para a democracia, pois está claro que o seu apego aos princípios democráticos é baixo.

O governo tem um projeto ideológico de desmonte das instituições democráticas, da escola laica, da liberdade de expressão cultural, das organizações populares, dos indígenas e povos tradicionais. Surpreendente é que há pouca resistência a essas ações, particularmente de desmontagem do aparato de combate à corrupção e de ameaça aos direitos humanos. O governo está convencido de que a escola e o sistema cultural e mediático são aparelhos ideológicos, a serem conquistados e submetidos à sua ideologia da ordem, da intolerância, das normas conservadoras e dos costumes antigos. É preciso substituir a Globo pela Record, é preciso destruir jornais críticos, como a Folha de São Paulo.

O déficit de lideranças claramente comprometidas com a democracia é preocupante. O apoio de Lula e do PT à Venezuela coloca nuvens sobre a sua – e de seu partido – opção democrática. Atitude que mancha sua postura, correta e democrática, de recusa ao terceiro turno. Os líderes do PSDB sumiram nas linhas da indecisão, da hesitação, que marcaram seus desempenhos políticos. Fernando Henrique Cardoso passou da idade, com seus mais de 80 anos. Os líderes do MDB tornaram-se, todos, fisiológicos. O PSB não conseguiu firmar uma liderança nacional, depois que perdeu Eduardo Campos. O PDT tem um líder reconhecido, mas errático, pouco confiável. Outros sucumbiram ao desastre eleitoral de 2018, como Marina Silva. As forças democráticas não populistas não possuem mais generais, apenas tenentes e cabos. É pouco.

A polarização está instalada, com candidatos populistas de um lado e outro, e será muito difícil rompê-la. A resistência democrática se impõe, mas tem poucas chances de vingar. O centro democrático é disperso, ocupado excessivamente no processo eleitoral, e sem uma liderança clara.

Portanto, a polarização, cujas raízes encontram-se no slogan “nós e eles”, forjado pelo PT, e cuja consolidação ocorreu nas eleições de 2018, tende a persistir, agudizando o dilema em que se encontra o País. Pois, neste caso, a tendência é ganharem as forças governamentais.

Felizmente, tendência não é destino. É possível mudar. Para isso, o primeiro passo é o PT quebrar a polarização, apoiando um candidato democrático e progressista do centro. Atitude magnânima, que coloca o País como prioridade absoluta, e não os interesses do partido ou de alguma de suas lideranças. Quebrando a polarização, a força governamental se esvai, o dilema se desfaz, e retomamos o caminho democrático.

Proposta utópica, ingênua, dirão alguns. Pode ser, mas gostaria que estes me comprovassem as chances de o PT ganhar, em um quadro de crescimento econômico, mesmo que baixo, em torno de 2,5%, com o fantasma do desemprego se desfazendo e as expectativas de futuro aumentando.

 

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