Criei um blog há dois anos, que durou pouco. Foi interrompido, mais do que interrompido, foi esmagado pelo peso de um livro. Livro dá trabalho, tem muitas páginas, muitas cenas, muitos personagens.
Despachado o livro, voltei às crônicas, uma espécie de ensaio para um novo romance que principia a brotar. A única coisa que não posso é ficar sem escrever. Essa febre que me ataca nas madrugadas, quando o barulho incessante das ondas na areia; quando os ventos, que por vezes trazem uma chuvarada ligeira; quando a vista da renda branca bordada por Penélope, sempre recomeçada, sempre recomeçada…
Esse vício de escrever, adquiri-o no tempo em que morei, casada com Sebastião, na Serra da Mantiqueira. Ali, quase inteiramente afastada da civilização, da vida social, do teatro da vida, tendo por companhia Guimarães Rosa e José Saramago. Este último autor, ouvido, em vez de lido, numa cama suspensa sobre as nuvens que prenunciavam o amanhecer no cume da montanha. Ali, fui contaminada pela sabiá que abria o concerto do dia. Desde então, nunca mais parei de escrever.
Algo queria sair de dentro daquela mulher, como se fosse um grito. Teria algum destinatário? Não. Por isso mesmo o nomeou de diário – o cotidiano e prazeroso exercício de escrever, digitar, ler, enxugar, até sentir o texto pronto para ser entregue a quem o guardasse nas nuvens.
A semana passada mandei para a “Revista Será” mais uma crônica. Há duas ou três semanas, elas vinham sendo publicadas toda semana. Por isso, achei estranho que não constasse no índice, justamente naquele dia, quando eu queria tanto mandar uns recados, ou carta, como a nomeei. A gente sempre julga os outros pelos nossos parâmetros, o que é um erro. Devemos compreender que cada um, ou cada gênero humano, tem os seus próprios. Fosse no tempo em que fui a editora da revista, encarregada das funções de revisar o português do texto, escolher em primeira mão os que iriam compor ou não aquela edição semanal, e escrever o texto do mailing, fosse nesse tempo, teria, como princípio, independentemente de ser colaborador novo ou antigo, teria comunicado previamente as razões pelas quais seu texto não sairia naquela semana. As razões, a mim comunicadas depois, estavam certas. O objetivo da revista não é a literatura (até porque, acrescento eu, desde os princípios que nortearam a sua criação, essa coluna seria nosso espaço de lazer; um texto de literatura iria para uma revista de literatura) e hoje são quatro os colaboradores que escrevem nessa coluna. Há que dar espaço para todos. Está certo. A única coisa que faltou foi a sutileza feminina, da mulher que se preocupa se todos estão devidamente bem servidos em uma refeição.
Bem, o resultado, alguns constataram, ao receber a crônica da semana passada pelo meu blog, que, afinal, estava em longas férias, mas poderia voltar à ativa quando eu quisesse. Como às vezes a gente atira no que vê e mata o que não vê, isso aconteceu na divulgação do blog. Vou contar como foi.
Sem que o objetivo fosse esse, a divulgação da edição do blocomomentear, justamente a de reestreia, em 17 de janeiro passado, terminou sendo uma espécie de experimentação sociológica. Disparei para todo lado, igual metralhadora na fumaça de uma batalha campal (estou em plena leitura de Guerra e Paz, de Tolstói). Divulguei a edição sem maiores explicações para os que, de minha lista de contatos no whatsapp, eram potenciais leitores. Apenas quando começaram a chegar retornos, me dei conta de que aquilo fora uma amostragem estatística, sem os mesmos rigores, claro, dessa técnica de pesquisa social que tanto usei na minha vida de pesquisadora, feitas pelo profissional em estatística, ou até experimentada por mim mesmo. Como em Boston.
Em dias de nevasca, em que ninguém saía de casa, impossibilitada de fazer minhas entrevistas com os brasileiros imigrantes, aproveitei a lista telefônica de um dos municípios da região metropolitana de Boston, Framingham, para fazer uma precária estimativa, por amostragem, de quantos brasileiros residiam naquele pequeno município onde concentrei grande parte de minhas entrevistas. Naquele inverno de 1994/95, ainda existiam listas telefônicas. E o último Censo Demográfico americano ainda contabilizava os brasileiros como hispânicos. Na lista de endereços, selecionei, pelo sobrenome, os potenciais brasileiros, aos quais telefonava, apenas para ouvir o sotaque no outro lado da linha. Quando a nevasca cessou, voltei a campo, mas trouxe comigo os resultados daquela pesquisa por telefone. Zé Marcos, colega demógrafo do Núcleo de Estudos de População da Unicamp, examinou aqueles dados, fez todas as ressalvas de uso, e validou os resultados. Quem não tem cão…
À crônica passada, das Papoulas, um dos retornos que recebi, pela radicalidade rude da resposta, expressou, qual um tipo ideal weberiano, um perfil de quem tem obrigações de leitura e não tem tempo para conversa fiada. Esses não gostam de prosear. Cheguei quase a um perfil do leitor de minhas crônicas. Quem são esses “amigos”(para usar a linguagem em voga no Facebook)? São, em sua maioria, velhos como eu, distantes do fazer cotidiano que possibilitou seu desfazer da velhice. Mas são sobretudo os que gostam de prosear, aquela conversa na calçada, à brisa de um final de tarde. São poucos. Sempre que a revista não tiver espaço pra mim, prosearei com esses poucos pelo blog, pois é para eles que escrevo.
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