Fernando Dourado

Carlos Ghosn – Foto: Reuters

O que você está me pagando é muito pouco para que eu lhe dê as melhores respostas do mundo, para ser bem franco. Veja só o exemplo do jornal para o qual você trabalha. De vez em quando eu entro no site para ler uma matéria. E o que acontece? Depois de ler apenas a manchete e mais cinco linhas, vem um aviso de que a partir daquele momento você só conseguirá ir até o fim da reportagem se fizer uma assinatura digital ou se, pelo menos, passar seus dados cadastrais para fazer jus a mais duas ou três leituras bonificadas. Elas são como o amendoim salgado no bar. O comerciante dá de graça só para você ficar com sede e tomar mais cerveja, não é assim? Pois saiba que eu acho justíssimo que o sistema funcione dessa forma. Só quero que entenda que se vocês vão transformar em dinheiro o que eu vou dizer aqui, é justo que seu chefe lá em Manhattan deixe de ser muquirana e reforce meu saldo bancário, ou o de nossa empresa, ao invés de autorizá-lo quando muito a me chamar para jantar num italiano previsível, que faz uma comida que nem se compara à que eu tenho em casa, entende? Se quer saber, eu aqui vou sempre comer o Schnitzel do romeno na rua Hayarkon, e já me dou por satisfeito. Mas, vamos lá, sendo você amigo de Shalev, que é um cara que considero muito, embora talvez não devesse, e portanto sendo você, indiretamente, bem recomendado a esta casa, vou dar uma pista com base no que conheço do mundo. E aqui nem falo desse tal chefão que todo mundo está chamando de o novo James Bond porque não tenho ligação sentimental com assuntos que podem, poderiam ou poderão aterrissar aqui como demandas por serviços. Mas vou avançar uma teoria comum, dando um exemplo tão bobo que você vai achar que sou meio idiota, mas isso não chega a me perturbar, acredite. Na verdade, quanto mais simples for o paradigma, mais ele dá o que pensar. É assim que nos ensinam no Mossad, instituição que vocês jornalistas tanto veneram. Acompanhe meu raciocínio. Sou casado com uma italiana. Uma vez ela foi com umas amigas a Roma passar quatro dias de férias. Então entraram na loja da Gucci,que fica de frente a um café famoso. Provaram as bolsas, perguntaram preços e ficaram testando modelos diante do espelho. Muito mais para fazer graça do que para comprar, entende. Como era já bastante tarde, as vendedoras disseram que precisavam fechar a loja. E que, se elas quisessem, voltassem no dia seguinte. Minha mulher vestia um casaco vermelho e tinha dependurado uma bolsa caríssima no ombro para ver como ficava. Com o alvoroço do fechamento, elas saíram e o vigia fechou as portas. Chegando à Via Veneto, já tomando seu Negroni, o que aconteceu? Uma das amigas se deu conta de que Serena, minha mulher, tinha levado a bolsa. Ela não se deu conta, nem a vendedora e nem muito menos o vigilante. Conclusão: quando o absurdo é grande demais, ninguém percebe. Você acha que está vendo um filme. É assim que falsos clientes se evadem a bordo de uma Ferrari à porta de um grande restaurante. Nenhum manobrista acha que um ladrão vai ter a cara de pau de sentar ao volante de um carro caríssimo que não é dele, agradecer com um sorriso, dar 100 euros de gorjeta, e sumir na Kurfürstendamm rumo à Polônia, deixando o proprietário de verdade com a cara mexendo. Ora, eu já trabalhei com o adido militar de Israel em Tóquio. Meus colegas aqui talvez possam atestar isso com mais conhecimento de causa, ou mais ciência comportamental se você preferir, mas tenho uma coisa a dizer. Os japoneses são muito meticulosos ao examinar o detalhe do que lhes é familiar. Enfim, eles veem a formiga num imenso panelão de arroz de sushi. Mas não conseguiriam enxergar um elefante atravessando uma rua de Ginza. Pensariam que estavam de porre, desviariam o olhar, se beliscariam e, por fim, iam pedir autorização ao superior para fotografar o que estavam deveras vendo, entende? Temendo o ridículo nesse meio tão homogêneo e codificado, ninguém vai gritar: olha, tem um elefante a caminho de Akasaka, ele vai passar ao lado do palácio imperial, parem-no enquanto é tempo. Não. Foi isso o que aconteceu com o novo herói de vocês. E aqui já nem digo que uma conexão Yakuza tenha comprado a cumplicidade de um elemento chave da burocracia. O fato é que ninguém ali acha que você vai contrariar uma ordem legal a céu aberto, num aeroporto do Kansai, e de lá voar para a liberdade. Pense nisso. Vamos ali comer o Schnitzel do romeno? Vou deixar você pagar. E se você fizer as perguntas certas, talvez eu ainda lhe dê a graça de mais umas respostas enquanto almoçamos.
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Veja, Morgenstern, você fez um longo caminho desde Nova York e não sei se está indo para Beirute ou se já está voltando de lá. Mas o que posso garantir é que pelo cheiro que está exalando, você foi comer no tal romeno da Hayarkon, o cunhado de Hagai. Acertei? Se você não se incomodar, vou abrir a janela para arejar a sala. Não é frescura de mulher, é porque esse cheiro não é das melhores tradições deste escritório, apesar de nos divertir um bocado. Sei que nosso inverno mediterrâneo não é nada comparado ao que vocês têm lá em Manhattan, logo vou escancará-la ao máximo. Vamos lá, não sei se Hagai disse, mas aqui tratamos de negociações interculturais. Modéstia à parte, nenhum país está tão aparelhado para isso quanto nós em Israel, e é talvez por essa razão que você esteja aqui. Neste escritório, negociamos sequestros em São Petersburgo, casos de extorsão na Colômbia, venda de aviões militares para a Índia e arbitragem no interior da China, entre um comerciante do Cazaquistão e um industrial de Xangai. Em nosso quandro fixo, somos apenas 12 associados. Juntos falamos 27 idiomas e já estivemos em oitenta por cento do planeta – e quase nunca a passeio. Mas temos uma estrutura terceirizada que acionamos a pedidos, que é oriunda de 34 países e que triplica nosso expertise objetivo em vários domínios. Não posso descer a detalhes, mas sempre que isso não afetar as leis que nos regem neste país, podemos extrapolar nossa competência e, por exemplo, explodir um cativeiro em Sumatra para colocar um executivo holandês em segurança em Cingapura. Vamos agora a seus fatos. Os detalhes que conheço desse francês – ou é brasileiro ? – que está agora no Líbano depois de escapar do Japão, são os de domínio público, vamos dizer assim. É certo que os japoneses foram muito ingênuos – como só eles sabem ser certas horas – ao deixar um homem sagaz e articulado sem o monitoramento eletrônico. E por que eles não fizeram isso? Porque lá eles têm a mentalidade ilhéu típica. Não tendo fronteira seca, eles partem do pressuposto de que são uma fortaleza inexpugnável, que se alguém tentasse sair dali seria devorado pelos tubarões do Pacífico ou algo assim. Essa noção espacial limita a fantasia, tolhe o imaginário, o que resulta na grande falha educacional deles. Treinados para passar em provas e concursos de uma sociedade ferrenhamente competitiva, falta-lhes capacidade de abstração. É como o famoso círculo de giz em torno do peru. Ele exerce um poder de campo magnético e o bicho não ousa transpô-lo. Está entendido? Antes que você passe para sua próxima e última pergunta, já vou dizendo que nós aqui da Interkultura fomos consultados sim pela parte interessada, no caso por dois libaneses com meneios franceses. Ou, pelo menos, temos boas razões para achar que fomos. Temos tratativas com alguns países com que Israel não mantém relações diplomáticas e aí jaz um filão de muitas oportunidades, dessas que não saem na imprensa. Com o Irã, a Arábia Saudita e, acredite, até com a Síria. Isso porque nesses casos, voamos fora do alcance dos radares midiáticos, se é que você entende o que estou dizendo. Pois bem, há poucos meses, eu própria fui a Larnaca, Chipre, para uma sessão de aconselhamento com dois indivíduos muito objetivos e discretos, que nos pediram um desenho geral de um plano de exfiltração de alguém na Coreia do Norte. Logo percebemos que ainda não era lá que eles queriam chegar. Sentimos que eles queriam colher fundamentos gerais, e que o verdadeiro teatro da operação seria outro, provavelmente também na Ásia, mas não em Pyongyang. Então falaram da China e do Japão. Eu me fiz de desentendida e pedi para ilustrar o caso do Japão, até para lhes facilitar a vida e ganhar-lhes a confiança. Sugeri vagamente que se há uma época de desmobilização dos espíritos, esta é a do Ganjitsu, ou dia de Ano Novo. Não é romantismo de uma judia saudosa do tempo que viveu lá, acredite. É que enquanto as japonesas botam kadomatsu no portãozinho de casa, aqueles lindos pinheirinhos, meio país só pensa nas 108 batidas do sino, que, não sei se você sabe, derivam da crença budista de que são 108 as paixões humanas terrenas. Nos templos, os japoneses fazem oferendas de kagami mochi, aqueles bolinhos  de arroz. Ou seja, o que quero dizer é que dezembro é uma época de guarda baixa, digamos assim. Você tem as bonenkai, as famosas festas de empresa, e Tóquio fica como Paris em agosto dos velhos tempos, quando, segundo meus pais, até as moscas desertavam. Nada do que eu falei aos sisudos de Beirute parece ter causado muito impacto. Eles apenas sorriram e trocaram olhares, mas tive a sensação de que eles estavam apenas buscando subsídios para uma decisão já tomada. Passei nossos dados bancários em Londres já que eles não podem fazer transações do Líbano para Israel, e, na mesma tarde em que cheguei ao aeroporto, vi que £5,000 tinham caído em nossa conta. Quando soube dos eventos pelo noticiário, pensei neles na hora. E lamentei que não nos tenham contratado para azeitar alguns elos. A Interkultura é sim muito versátil. Podemos ficar por aqui? Boa viagem.
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Ninguém me disse o que devo ou não discutir contigo. Só me disseram que você é dos grandes de Nova York, de meu jornal preferido. Da lavra de David Brooks e de Roger Cohen, que é meu amigo e fala português muito bem. De maneira que vou acreditar nisso tudo e quero jogar aberto para que você não perca a viagem e leve alguns elementos norteantes para o jornalismo investigativo – nem que para isso trabalhemos todos de graça por uns minutos. Eu sou Kochman e integro aqui na Interkultura nosso núcleo Brasil & América Latina, como chamamos. Temos clientes que estão interessados na privatização da infraestrutura, energia eólica, sistema Eletrobras e assim por diante. Não fazemos lobby no sentido clássico, mas acho que já lhe disseram que assessoramos os players a se entenderem para além das diferenças de cultura, de abordagem, de objetividade. Esse caso que veio à baila recentemente e que você anda investigando, me toca de perto porque o cara em questão é brasileiro como eu. Que ninguém nos ouça, mas gostei bastante do desfecho – mesmo que temporário. Peço reserva porque aqui somos instruídos a não demonstrar simpatias além da medida, muito menos por feitos individuais de patrícios. Mas sendo eu de São Paulo, e tendo já trabalhado com japoneses nos primeiros estágios de minha vida, posso te dizer que não foi pouca coisa aguentar a pressão diabólica que eles devem ter feito para arrancar uma confissão de nosso amigo. O meio profissional do emprego público no Japão é prestigioso e muito competitivo. E falo aqui desses procuradores que devem tê-lo azucrinado durante meses, loucos para se tornar heróis nacionais. Vi isso acontecer em tempos recentes no Brasil, mas essa já é outra história. Vou contar um fato ilustrativo. Lembro de um cara de Bastos, interior de São Paulo, epicentro da colônia japonesa, cujo pai tinha sido da tal Shindo Renmei, uma seita de fanáticos que eram contra a rendição do Japão na Segunda Guerra. Para eles, o certo era lutar até o fim pelo Imperador e morrer como kamikaze, se preciso fosse. Eles chegaram a matar gente lá na roça por conta disso. O sonho confesso desse personagem era o de se tornar gerente, era ser um super kasho. Nos tempos em que trabalhou conosco, ninguém jamais chegou antes dele ao escritório e poucas vezes alguém saiu depois. Ninguém era tão aplicado e ninguém professava ao chefe maior fidelidade. Diziam que ele bebia bem e que muitas vezes emendava um dia no outro, sem sequer dormir, vagando de bar em bar. Mas jamais faltava ao trabalho, nem que o paletó estivesse encardido. Era um sujeito de tremenda brutalidade com os funcionários subalternos, mas muito amigável com os pares, e quase subserviente com os superiores. Trabalhar com ele tinha um lado infernal, apesar dos bons resultados que trazia à operação. Não há dúvida de que ele se achava ungido de uma missão. Idealizava um futuro para o filho que dava pena do garoto só de ouvir aqueles delírios. Complexado, baixinho, arredio às conversas sociais com as meninas até nas confraternizações, nunca vi alguém tão sedento por reconhecimento, por um afago, por um elogio de público. Agora imagine você um exército de caras desses, alguns movidos a devoções obscuras, tentando encurralar um ocidental. Do que falo quando digo motivações sinistras? De tudo. Digamos que um tio de um desses procuradores foi demitido da empresa que o fugitivo presidia e depois disso, com a perda da identidade que a corporação lhe dava, tenha se matado. Como se opera este fato no íntimo de um cara desses? Ora, ele é capaz de jurar no túmulo do pranteado que vai vingá-lo do ultraje perpetrado por um gaijin que chegou ao país mais homogêneo do mundo para sacudir a ordem estabelecida, a começar por abalar os fundamentos do emprego vitalício, e assinar um tsunami de demissões. Ora, se o cliente não se reconhece culpado na primeira alegação, e não assina a confissão que os procuradores redigiram previamente, eles frustram o relaxamento da prisão preventiva com a abertura de um novo processo – o que estende o prazo do cárcere cautelar por mais um tempo. E assim vão fazendo até a pessoa desmontar. Pois bem, dessa vez eles pegaram o cara errado. A indústria do ódio, da execração, do linchamento público, pode ter desmoronado. Essa fuga os humilha, apesar de para alguns deles ter sido um alívio. Alívio porque tinha 1% de chance de o cara ser inocentado, e isso os desmoralizaria. O indiciado vivia bem, fora tido por um semi-deus no próprio Japão quando eles ainda engatinhavam na carreira, e destruir um ícone é o sonho dourado de todo burocrata de carteirinha. Então, cara, só posso pensar no japonesinho lá de Bastos que pisava no pescoço da mãe por um elogio, não perdia chances de cagar regras e de ser a palmatória do mundo. Tudo é possível. Pode ser até que um maluco desembarque em Beirute amanhã e atire no cara que os reduziu a uma caricatura medieval. Mas por enquanto, eles estão perdendo a batalha. A perda de face é uma morte em vida no Japão. E o brasileiro saltou da frigideira com óleo fervente bem na hora certa.   .
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Eu não quero o senhor aqui entrevistando meu pessoal, Mr. Morgenstern. Não tome isso como pessoal. Pelo contrário, Gal até que achou-o muito simpático e Hagai gosta de todo mundo que aprecie aquele Schnitzel de terceira. Já Kochman ama uma conversa, o que é bem do feitio de brasileiros como ele. Minha ressalva se deve a que o caso ainda não está fechado, e pode ter muitos desdobramentos em que talvez a Interkultura venha a ser consultada. Nessa hora, qualquer exposição midiática, contrariamente ao que pensam os colegas com quem o senhor conversou, prejudica mais do que agrega aos negócios. Eu, se estivesse no seu lugar, me ateria aos fatos para compreender o contexto. E então escreveria a matéria. O primeiro fato é que esse senhor é de ferro. Os japoneses escolheram um indivíduo de exceção para imolar ao altar de um moralismo de fachada, voltado para lavrar um destrato cínico, para desfazer um negócio que já não lhes convinha. Não é qualquer um que aguenta uma prisão em regime incomunicável, e em momento algum assina o pergaminho da confissão que a procuradoria redige com requintes de cálculo. O cara é refém, como num sequestro, não réu. Segundo, imagine uma pessoa que dava a honra de jantar em sua companhia a chefes de estado do mundo todo, ficar sujeito a dormir num futon sob luz acesa, e, anda por cima, de cara virada para a grade para facilitar o serviço do carcereiro. É fácil? Quanto tempo o senhor aguentaria, Mr. Morgenstern? Terceiro, os sujeitos o obrigaram a comparecer a uma única audiência pública de mãos atadas às costas, calçando chinelos de plástico – tudo feito para quebrar resistências e satisfazer o capricho de uns maníacos, de uns obcecados, a serviço de um inescrutável jogo maior, cheio de traços nacionalistas obscuros. O que esperavam? Que o sujeito aguardasse bovinamente um julgamento em que as chances de condenação batem os escores das eleições do Iraque de antigamente, ou seja, de mais de 90%? Quarto, eles jamais deveriam tê-lo privado da companhia da esposa, quando passou para o cárcere privado. Nem que o casamento tivesse sido na capela do bairro, não precisava que tivesse sido em Versailles. Sabe-se lá o que um homem enamorado é capaz de fazer, Mr. Morgenstern. E uma mulher também, é bom que se diga. Mesmo porque, ela foi exemplar nessa história toda. Quinto e último, ele sabia que a diferença entre ficar lá e tentar sair era quase a mesma que há entre a vida e morte. Diz-se que ele seria condenado a pelo menos 10 anos de prisão, mesmo que não tivesse confessado coisa alguma. Isso tudo para o bem do Japão país-corporação, homogêneo e previsível. Quase imutável no respeito a regras não-ditas. Mas ora, se ele saísse de lá, tendo nervo para superar os inúmeros obstáculos em que implicaria ser preso à última hora, ele poderia denunciar o sistema e, mais que tudo, trilhar um caminho de renascimento corporativo ou até na política de Estado. Não dizem que é tão querido no Líbano? Pois bem, se ele se tornar presidente, eis aí uma chance de termos do outro lado do rio Litani alguém que neutralize o Hezbollá, que fale nossa linguagem e promova a paz entre nossos países. Já pensou que maravilha isso seria? O Líbano não é fácil, não pense ele que ficará imune a chantagens ou que dormirá sempre tranquilo. Não há tratado de extradição entre Beirute e Tóquio, mas tudo é possível. Lembra quando mercenários levaram Ron Biggs do Rio para o Caribe? Vai ter muito jogo de cena pela frente. Erdogan vai esbravejar para agradar os japoneses mesmo porque o Bombardier escalou no velho aeroporto Atatürk. Tudo isso é apenas cosmetologia internacional. Quanto aos méritos, julgue por si só, Mr. Morgenstern. Cá entre nós, o que tem de errado com uma festa em Versailles? Eu já vi desfile da grife Armani na praça Vermelha, nas barbas de Lênin. Ora, a Renault era mantenedora do castelo, e ele tinha direito a dar uma festa nas dependências, sempre que quisesse. De mais, um homem dessa estatura não faz mais distinção cognitiva de espaço público ou privado. A vida dele é a seiva da corporação, daí incorrer em pecadilhos ocasionais. Não é um caixeiro viajante que economiza nos vinhos para levar o troco das diárias para casa. É um estadista maiúsculo. A atitude francesa é um mistério. Os tais patrons tinham uma inveja visível do maior de todos eles que, para piorar, nem francês de nascimento era – e sim da selva amazônica. Depois, sabe-se lá o que ele e Sarkozy discutiram em privado quando o ex-presidente esteve com ele. O que quer que aconteça, terá sido um capitulo épico a alegrar o fim de ano do mundo em detrimento da sordidez dos japoneses. O senhor era muito menino, ou talvez sequer tivesse nascido, quando um jovem piloto alemão chamado Mathias Rust pousou na praça Vermelha um monomotor. Ali acabou a Guerra Fria, ali foi o fim da URSS. A história é feita desses fatos de rodapé. Kol hakavod, Carlos. É o que diríamos aqui à tal figura, você fez um bom trabalho. Agora, se me der licença, vou acompanhá-lo até a porta.