Elimar Pinheiro do Nascimento

Esclareça-se, imediatamente, que o objeto destas poucas reflexões não é o Brasil, nem o mundo, mas sobretudo o Ocidente, na sua expressão europeia e americana. Espaço onde forças políticas de extrema direita, posicionando-se claramente contra os princípios democráticos, embora não necessariamente fascistas, ascenderam politicamente desde os inícios do atual século. Porém, o autor não resiste e encerra o artigo com breve reflexão sobre a conjuntura nacional.

É verdade que a extrema direita muito se expandiu no mundo ocidental no século XXI.  Ascendeu ao poder no país mais poderoso do mundo (EEUU); naquele país que ocupa a fronteira entre o Ocidente e o Oriente (Turquia); em países da Europa Oriental (Polônia e Hungria); no Extremo Oriente (Filipinas); na América do Sul (Brasil), sem contar com o Oriente Próximo (Israel). Cresceu ou participa do poder em vários países europeus, como a Holanda, Áustria, Noruega, Eslováquia, Bulgária, Dinamarca, Finlândia, Suíça, Grécia e França. Não são forças políticas iguais, mas têm como traço comum o de serem ultraconservadoras, populistas, nacionalistas e hostis a procedimentos democráticos.

Também é verdade que a extrema direita dá sinais de recuo. O barco de Trump começa a fazer água, o que não significa que esteja a deriva e que as eleições já estejam perdidas. A Liga do Norte de Matteo Salvini, na Itália, foi derrotada em janeiro deste ano na região da Emília Romana. Eram eleições cruciais para seu retorno ao poder. Na Polônia, o partido da extrema direita no poder, de Andrzej Duda, ganhou por uma diferença irrisória. O maior fenômeno nas eleições do dia 12/07, naquele país, foi a ascensão extraordinária do candidato de centro-direita, prefeito da capital, Varsóvia. E, finalmente, a extrema direita de Le Pen perdeu fragorosamente as eleições municipais recentes na França, onde emergiu, indubitavelmente vitoriosos, os verdes.

Ossos do ofício, contudo, nos obriga a ver o recuo da extrema direita como uma tendência não consolidada. Poderá vir a se consolidar, mas ainda não é fato inconteste.

Se a Liga do Norte foi derrotada nas eleições de janeiro/2020, na região de Emília Romana, foi vitoriosa nas eleições europeias de maio seguinte com 34,3% dos votos, tornando-se, assim, o partido mais votado na Itália. Na sequência, ficou o Partido Democrático, partido de esquerda, com 22,7% dos votos, enquanto o Movimento 5 Estrelas, antissistema, que foi o partido mais votado nas eleições nacionais de 2014, ficou em terceiro lugar com 17,1%. Nas eleições europeias de 2014 a Liga do Norte havia obtido apenas 6% dos sufrágios. Aos 34,3% das últimas eleições europeias deve-se somar 8,8% da Forza Itália, do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, e 6,5% dos pós-fascistas Irmãos de Itália. Os votos somados da direita e da extrema direita corresponde a praticamente metade do eleitorado italiano. Dessa forma, as forças mais conservadoras continuam ativas e protagonistas, embora na oposição.

Se a vitória do Partido ultraconservador Leis e Justiça (PiS), na Polônia, foi apertada, com 51,2% dos votos, não se pode esquecer que seu adversário, Rafael Trzaskowski, é o líder de uma coalizão de centro-direita, Coalizão Cívica. A esquerda sumiu do mapa eleitoral do país. De toda forma, as forças opositoras, de cunho liberal, não conseguiram parar as reformas que desde 2015 o presidente Andrzej Duda lidera sob protestos da União Europeia, com submissão do judiciário e perseguição às minorias e à imprensa. A política populista de distribuição de benefícios sem dúvida contou para a vitória do PiS, em uma eleição concorrida, com cerca de 70% de comparecimento eleitoral, em plena pandemia. Diga-se de passagem, contudo, que 58% dos poloneses julgam que seu país sofre restrições democráticas.

Na França, a partido da extrema direita, antiga Frente Nacional, hoje Reagrupamento Nacional, foi derrotado. Dentre as cidades médias e grandes venceu apenas em Perpignan. Se em 2014 o partido de Le Pen tinha 1.438 assentos nos conselhos municipais em 463 municipalidades das 34.968 que tem a França, nas eleições de 2020 alcançou apenas 840 assentos em 258 municipalidades. Seus militantes esperam que Perpignan seja a municipalidade vitrine, onde eles poderão explicitar sua capacidade de governo. Veremos. O partido de Macron e o partido da direita clássica, Os Republicanos, também perderam. Apenas o partido Socialista mostrou alguma capacidade de recuperação em meio a uma eleição marcada pela abstenção (60%), sobretudo de pessoas idosas. Esta abstenção, assim como a grande vitória dos verdes, deveu-se em parte a pandemia. Os verdes, por serem inexperientes e internamente conflituosos podem não se sair bem no exercício do poder municipal que conquistaram, permitindo o ressurgimento das forças conservadoras.

Se a pandemia contribuiu para a vitória dos verdes na França, está facilitando a possível derrota de Trump nos Estados Unidos. Ela colocou por terra seu grande trunfo eleitoral que era o bom desempenho da economia americana. Por sua vez, sua gestão da saúde suscitou uma série de críticas, inclusive dentro do partido Republicano, que já tem um comité para lutar por sua derrota. Isso mesmo, um comité que já arrecadou milhões de dólares e divulga milhares de vídeos de ex-votantes de Trump que se dizem arrependidos e explicam o porquê para milhares de eleitores republicanos que não estão satisfeitos. A diferença nas pesquisas eleitorais de Joe Biden, o candidato democrata e ex-vice de Obama, já alcançou os dois dígitos. A última de que tenho notícia, de 7 de julho, era de 15%. A crise chegou ao comité eleitoral de Trump que demitiu aquele que lhe deu a vitória em 2016. Nada está ainda decidido, mas as chances de Trump se reduzem a cada dia. É possível, porém, que uma vez mais ele surpreenda, revertendo a tendência declinante, mas não será fácil. Se for derrotado a tendência de recuo da extrema direita deve se acelerar.

Os quatro eventos acima arrolados mostram derrotas de forças políticas de extrema direita, de caráter populista, embora ainda não seja completamente certo no caso dos Estados Unidos, pois as eleições só ocorrerão em 3 de novembro. Se o recuo da extrema direita é o evento mais visível, não se pode esquecer que as situações citadas mostram também a fragilidade do populismo, o evento político mais impressionante no século XXI, com cortejamento da esquerda e da direita.

A questão que mais interessa aos brasileiros é saber se processo similar tenderia, também, a ocorrer no Brasil. Os maiores indícios são negativos. Todas as pesquisas de opinião mostram que Bolsonaro perdeu prestígio desde medos de 2019, quando tinha uma aprovação superior a 40%, mas se estabilizou em torno dos 30%. Se as eleições presidenciais de 2022 fossem hoje ele estaria no segundo turno com cerca de 30% de intenção de votos. Deve agradecer, entre outros, a ausência de uma oposição consequente. As iniciativas de organizar uma oposição mais robusta não vão além de manifestos organizados por setores políticos e da sociedade civil. A oposição articula-se penosamente no Congresso. A esquerda se mantém dividida e o centro e centro-direita articulam-se apenas para evitar o controle da Câmara dos Deputados por parte do Executivo.

Os movimentos dos partidos políticos de esquerda indicam que ela partirá dividida para as eleições municipais de novembro. O PT mantém sua estratégia do “eu sozinho”. O restante da esquerda não consegue ampliar seu leque de alianças.

O passo mais vitorioso contra as investidas antidemocráticas do Presidente foi dado pelo Supremo, ultrapassando ou não suas prerrogativas. Sem que se saiba se este recuo não será seguido de novas investidas. Aparentemente, não, ou pelo menos não no mesmo tom, pois dois eventos são responsáveis pela mudança da tendência de queda de popularidade do Presidente: sua mudança de tática, abandonando a hostilidade em relação às Instituições democráticas e ingressando nas negociações políticas com os partidos do Centrão, que ele tanto renegava; e, sobretudo, a adoção de benefícios pecuniários à população mais carente, medida adotada em grande parte graças ao Congresso Nacional, por ocasião da pandemia. Um novo programa para institucionalizar esta prática está em curso, com possibilidade de mudar a tendência do comportamento eleitoral dos habitantes de menor renda no Nordeste. O que poderá reduzir as chances do PT chegar ao segundo turno.

Os segmentos ultraconservadores e conservadores da sociedade brasileira conseguiram, finalmente, seu líder, e um líder que tem a cara de seus liderados, em sua arrogância e desprezo pelas diferenças culturais, pelos procedimentos democráticos e pela vida dos brasileiros, sobretudo os mais pobres: “E daí?” Aliás, à semelhança do desembargador de Santos, e tantos outros que pululam neste país racista e machista.

Assim, duas das questões na agenda política são perguntas ainda sem respostas: a extrema direita continuará em refluxo no mundo, com a derrota de Trump? O Brasil seguirá o mesmo movimento em 2022?