A turma em que me formei, em 1969, na Faculdade de Direito do Recife, foi afortunada. Contamos com qualificado grupo de docentes. Qualificação profissional. E moral. Eram, além de professores, advogados. E isto lhes dava uma combinação virtuosa juntando academia e profissão, teoria e prática.

É o que as boas faculdades sempre buscaram: docentes preparados e profissionais vividos na prática. Para que se obtenha, na formação dos estudantes, desejada proporção. Entre instrução teórica e vivência de mercado.

Mas, a esses requisitos, alie-se senso ético. Exemplaridade moral. O substrato essencial da lei. A distinção de comportamento. Se tal exigência é universal, comum a todos os ofícios, será mais sensível no Direito. Porque, na Casa da Justiça, está o exercício de juiz. A função de julgar. A superior atribuição de analisar, formar juízo e sentenciar. Definindo direitos e obrigações de terceiros.

Cursamos Direito em época de exceção democrática. Tempos difíceis. E quanto mais difíceis, mais nossos professores mostraram caráter. Assumindo suas posições políticas com destemor. Patrocinando a defesa de perseguidos políticos. Entre tantos, cito quatro docentes: Rui Antunes, Egídio Ferreira Lima, Vamireh Chacon e Nilzardo Carneiro Leão.

Recordo esses nomes com reverência. E saudade. Sentindo certo vazio no cenário jurídico atual. Senão, vejamos. O ministro da Justiça abdicou, momentaneamente, de sua função ministerial. Para defender, em ida ao STF, militantes bolsonaristas. Papel que descabe a um ministro da Justiça.

Por sua vez, o procurador geral da República, Augusto Aras, acorreu, pressuroso. A disputar o cargo de chefe da corporação. Correndo por fora. Sem ter o nome na lista de preferência de seus pares. E, para atender a inspiração externa, destina esforços continuados a desmontar a estrutura da PGR. Procura fixar império de comando onde a Constituição federal estabelece autonomia.

Por seu turno, o presidente do STJ, João Otavio Noronha, praticou decisão rara. Criando direito para um homem só. Negou prisão domiciliar a sete centenas de presos. Para beneficiar apenas um: Queiroz. Estendendo o benefício a sua mulher. Que, na ocasião, se encontrava foragida.

Este é o deserto ético que nos assusta. A servidão moral a que parte do mundo jurídico se entregou. Num momento de desejoso autoritarismo em que a nação se acha. E mais precisa de altivez.

O Brasil encontra-se em conjuntura política singular. O Poder Executivo, no patamar superior, foi mobiliado com quadros militares. O Poder Legislativo, com núcleo fisiológico restaurado, substitui o crivo próprio do Parlamento por elos clientelistas. Resta o Poder Judiciário. Que tem desempenhado papel de equilíbrio institucional. Retificando ações exacerbadas do príncipe.

O produto, que configura entrega excelsa do Judiciário, é a justiça. Que repõe subtrações. E repara excessos. Na busca do legal, do certo. E do justo. Por isso que a justiça é distributiva e é equitativa. Assegura a todos o legal, o certo. E garante a cada um, proporcionalmente, o que lhe é devido.

O corona vírus vem afetando gravemente o planeta. E o vírus do autoritarismo vem ferindo severamente a democracia. O covid 19 é doença que vem de fora para dentro do organismo humano. E o autoritarismo é mal que surge de dentro para fora do organismo político.

O covid 19 é exógeno. O autoritarismo é endógeno. Este, expande os meios de anulação de mecanismos democráticos na organização do Estado. É uma espécie de metástase política. Foi o que Chavez fez na Venezuela. É o que faz Viktor Orban na Hungria.

Não há reforma que resolva este tipo de problema nas instituições republicanas. A solução está no caráter das pessoas. Eliminando a servidão da pauta de conduta dos servidores públicos. Com a vigilância cidadã. E o apoio essencial da imprensa.