O Rei Sol, Luís XIV e sua corte.

 

Numa disputa acirrada (e constrangedora) com o STF-Supremo Tribunal Federal pela manutenção dos 60 dias de férias por ano, um privilégio inaceitável para qualquer categoria profissional, o Procurador Geral da República, o senhor Augusto Aras, afirmou que a carga de trabalho dos membros do Ministério Público é “desumana”. Tão desumana que 30 dias não são suficientes para recuperar as energias gastas ao longo do sofrido ano. Ou os brasileiros ignoram completamente o que fazem os membros do Ministério Público, ou o sr. Aras está debochando de todo mundo.

Os 30 dias de férias podem ser suficientes para o operário da construção civil, o motorista de ónibus neste trânsito infernal, o comerciário de pé ao longo do dia, os proletários das fábricas presos aos relógios de ponto e sufocados com o calor e o barulho, e os profissionais de saúde na frente de combate ao coronavírus. Para os procuradores, não são suficientes. Não podem viver sem os 60 dias de férias. Será que o procurador geral sabe que vive no Brasil? Ou o seu universo se restringe ao quadrilátero do poder de Brasília, onde circulam e convivem funcionários de colarinho branco, dentro de salas climatizadas, com horários flexíveis e ocupados em atividades intelectuais?

Lamentavelmente, esta alienação do sr. Aras não é exceção no mundo privilegiado do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público. Em setembro do ano passado, o procurador Leonardo Azeredo dos Santos, do Ministério Público de Minas Gerais, reclamou da dificuldade de viver com o “miserável” salário de 24 mil reais, além dos penduricalhos e das benesses. Em que mundo vivem Augusto Aras e Leonardo Azeredo? Não deve ser no Brasil. E, no entanto, seus salários e férias são pagos pelos brasileiros para lidar com problemas de um Brasil que, pelo visto, desconhecem. Não será exagero dizer que este embotamento mental e moral contamina e cega a maioria da alta classe média brasileira, vivendo num universo paralelo de guetos e bolhas sociais. Muito mais grave quando se trata de servidores públicos.