O ministro Marco A. Mello foi derrotado na questão André do Rap. Nove integrantes do colegiado votaram referendando a decisão de Luiz Fux, que havia revogado a decisão de Mello determinando a soltura.
O ministro derrotado se enfureceu. Partiu para cima de Fux, chamando-o de censor e autoritário: “Só falta essa, vossa excelência querer me ensinar como eu devo votar. Não imaginava que seu autoritarismo chegasse a tanto. Só falta vossa excelência querer me peitar para eu modificar o meu voto”.
Fux retrucou, pediu que houvesse dissenso, mas não discórdia. Reiterou que sua decisão se deveu a um caso “excepcionalíssimo”, diretamente associado à ordem pública e à imagem do STF. Observou que o ministro Mello “não tem razões nem para me categorizar como totalitário e nem para presumir que outros casos como esse ocorrerão”.
O presidente foi criticado por parte do colegiado, que aceitou a posição de Marco Aurélio, mas não sua decisão. A tese foi que Fux teria agido como “superministro”, sem obediência a nenhum princípio dogmático, doutrinário ou jurisprudencial. Ao final da sessão, por nove votos contra um, a decisão de Fux prevaleceu. Mas o estrago estava feito. André do Rap desapareceu e o STF ficou chamuscado.
A jurisprudência e o absurdo
É um caso que não dignifica a Corte. Ao decidir pela libertação de André, Marco A. Mello se apoiou numa interpretação literal, mas controvertida, de uma lei (incluída no “pacote anticrime” aprovado pelo Congresso em 2019) que reformula o Código Penal e estabelece a obrigatoriedade de que as prisões preventivas sejam revisadas a cada 90 dias.
O ministro alegou que na falta de revisão o preso deve ser automaticamente solto. Seus colegas de toga não concordaram.
A Corte percebeu que havia algo de absurdo na decisão de Mello. Tanto por ter possibilitado a fuga do preso, que hoje se encontra com paradeiro desconhecido, quanto por ter interpretado de maneira personalista uma lei que, como toda lei, precisa ter sua aplicação tratada com cuidado. Especialmente quando na mesa está um preso como André do Rap, que não é peixe pequeno.
O ministro Mello nem sequer se deu conta de que sua interpretação deveria ter como consequência lógica a libertação dos milhares de brasileiros que se encontram presos preventivamente, sem julgamento conclusivo.
Alguns “garantistas” chegaram a aplaudir a decisão de Marco Aurélio, que seria fiel à proteção das garantias constitucionais. Pode ser que tenham olhado para André do Rap solto e enxergado Renan, Lula, Aécio, ou seja, os políticos que estão em situação de risco judicial. É o mesmo de sempre: que se tratem como diferentes os que se julgam diferentes, que têm poder e influência, que podem contratar bons advogados, e por aí vai.
Independentemente da discussão “garantista”, pegou mal o vai-e-vem do STF, Mello é o atual decano. Mais uma vez protagonizou uma confusão ruidosa e desgastante, algo que não coaduna com a condição de antiguidade, que sugere sabedoria, ponderação e serenidade. Armou um barraco na Corte.
Menos mal que o colegiado conseguiu mostrar alguma unidade e respaldou seu presidente, ainda que com as ressalvas de praxe, que expõem as fissuras e os desentendimentos que há no STF.
Atravessando a Praça
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o tempo também fechou.
O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi flagrado pela PF (dia 14/10) com dinheiro na cueca, numa operação realizada em Boa Vista. O alvo era a apuração de desvios de mais de R$ 20 milhões em emendas parlamentares que deveriam ter sido destinadas ao combate ao coronavírus. A Controladoria Geral da União (CGU) também participa da investigação.
A ação policial tem um quê de filme. No início, tudo transcorria com certa normalidade. Os policiais solicitaram ao senador que abrisse um cofre, onde encontraram, em dinheiro vivo, R$ 10 mil e US$ 6 mil. Mas foi o grande volume existente na “parte traseira das vestes” do político que chamou atenção do delegado Wedson Cajé, cujo relatório técnico descreve em detalhe a manobra de ocultação feita pelo senador. Diante da “fundamentada suspeita”, o delegado fez novas buscas na pessoa do senador, que terminaram por descobrir cerca de R$ 30 mil, bem escondidos nas roupas íntimas de Chico Rodrigues. Cômico, se não fosse trágico.
Chico Rodrigues era um dos vice-líderes do governo no Senado. É amigo próximo de Bolsonaro, que, num vídeo que circula nas redes, já elogiou o senador e disse ter “quase uma união estável” com ele, referindo-se aos vinte anos de convivência como deputados. O senador não deixou barato e se derramou em elogios ao presidente, que estaria “retomando a moralidade, as práticas republicanas”.
Depois do flagrante, como esperado, Chico Rodrigues fez uma declaração em que jura inocência e afirma que cuidará de sua defesa. “Ao longo dos meus 30 anos de vida pública, tenho dedicado minha vida ao povo de Roraima e do Brasil, e seguirei firme rumo ao desenvolvimento da minha nação”. Acrescentou ainda: “Acreditando na verdade, estou confiante na justiça, e digo que logo tudo será esclarecido e provarei que nada tenho haver com qualquer ato ilícito de qualquer natureza”. (O uso do verbo “haver” fica por conta dele!).
No dia seguinte, 15/10, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou que o senador Chico Rodrigues fosse afastado do cargo por 90 dias. A determinação será enviada ao Senado, ao qual cabe a palavra final sobre o afastamento do parlamentar.
Houve gritaria e protestos no Senado. Senadores de diferentes partidos acusaram Barroso de usurpar o poder do Conselho de Ética da casa e de criar uma injustificável “sobreposição de poderes”. Para eles, o mandato popular não pode “depender do humor” deste ou daquele ministro.
O senador tem o rabo preso. É um bajulador contumaz, que acredita piamente “nas diretrizes que o grande líder e Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, usa para gerir a nossa nação”. O filho, Pedro, é seu suplente no Senado. O esquema em Roraima é elástico e abrange, e não perdoa nem sequer as verbas para Saúde.
É um “tradicionalista” que só traz desgraça e corrupção para a vida política.
Reforça o ditado: “Diga-me com quem andas e direi quem és”.
É isso aí. Realmente nada a acrescentar. Que triste!