No artigo intitulado “Vacina, sim. Obrigatória, não”, publicado na última edição da Revista Será?, meu amigo e grande jurista José Paulo Cavalcanti Filho defende o direito de o cidadão recusar a vacina contra o Covid-19. Segundo ele, numa democracia “ninguém pode enfiar agulha no braço de ninguém, sem consentimento do próprio”, de modo que nos caberia apenas desejar que, ao menos, 50% dos brasileiros tenham o bom-senso de aceitar a vacina para criar uma imunização de massa. Será? E se a fala insensata e demagógica do presidente da República desestimular os brasileiros, e não for alcançado o nível da vacinação necessário para a proteção da sociedade? Data vênia, não parece nada sensato apenas “desejar que a grande maioria dos brasileiros aceitem a vacina”, como propõe José Paulo.

Nunca é demais lembrar que democracia contempla direitos e deveres dos cidadãos, devendo sempre estabelecer um equilíbrio entre os direitos individuais e os interesses coletivos, os deveres e responsabilidades de cada brasileiro com a sociedade. Quando se trata de uma vacina para proteger a sociedade de um vírus letal (diante do qual é necessária uma alta taxa de imunização), nenhum cidadão tem o direito de rejeitar a participação no movimento de vacinação. A vacina é uma questão de saúde pública, assunto de interesse coletivo, fundamental para preservar vidas diante da propagação do vírus, não apenas para proteger os que se vacinam, mas, principalmente para alcançar uma taxa de imunização elevada. Além da saúde e da vida dos brasileiros, a vacina contribui para a redução dos custos sociais do sistema de saúde que seriam necessários para o tratamento das vítimas do Covid-19. Neste ponto cabe a pergunta: o cidadão que exerce o seu o direito de rejeitar a vacina e se contamina, poderá recorrer ao direito de ser atendido pelo serviço público de saúde?

O “princípio da intangibilidade do corpo humano”, citado por José Paulo, não autoriza que alguém assuma o risco de contaminar outros cidadãos com o vírus (e mesmo de contrair a enfermidade), exceto em casos clinicamente comprovados de vulnerabilidade pessoal à vacina. Quando determina a realização compulsória da vacinação, a Lei 13.979 de 5/02/2020 está afirmando que todos os brasileiros têm responsabilidade no esforço coletivo diante da gravidade da pandemia. Que o dever de tomar a vacina, contribuindo para a imunização em massa contra a Covid-19, se sobrepõe à sua liberdade individual, ao seu direito de intangibilidade do corpo.

Da mesma forma que a polícia não entra na casa de ninguém para empurrar o eleitor até a urna, mesmo sendo o voto obrigatório, a obrigatoriedade da vacina não permite que enfermeiros invadam as residências com uma seringa na mão. Entretanto, moral e legalmente, a vacina é uma obrigação de todo cidadão, mais do que isso, um gesto de solidariedade. Claro que a obrigatoriedade não autoriza a aplicação forçada da vacina, menos ainda a prisão dos que se  recusam a participar da campanha de vacinação, por mais condenável que isso seja. Alguma penalidade ou multa poderia ser aplicada aos que pretendam se omitir da responsabilidade, exigindo-se o certificado de vacina para inscrição em concurso público, retirada de passaporte ou obtenção de benefícios sociais. Deveres que legitimam os direitos. Isso é democracia.